O reino animal classificado, descrito e esmiuçado na tela do computador do zoológico do Rio impressionou o delegado Luiz Torres, em 1996. Mamíferos, répteis, anfíbios ou aves, condições de saúde, localização dentro do zoo e outros detalhes apareciam em uma rica planilha, num tempo em que as artimanhas da informática ainda não estavam tão disseminadas como atualmente. Levado até ali pelo seu mais recente amigo — e responsável pelas planilhas —, o guarda patrimonial Carlos da Cruz Sampaio Júnior, o veterano delegado impressionou-se. Começava ali uma carreira que levaria o entusiasmado funcionário do zoológico ao topo do prédio da Central do Brasil, sede da Secretaria estadual de Segurança Pública.
Titular na época da 17 DP (São Cristóvão), Torres conheceu Sampaio nas diversas idas do Coronel Caô à delegacia, para informar pequenas ocorrências, como balas perdidas que apareciam no zoo, animais mortos ou desaparecidos. Tudo era motivo para que Sampaio se aproximasse do ambiente policial que tanto o fascinava.
Quando Sampaio deixou o zoológico, continuou a visitar o amigo policial.
— Percebia que ele só aparecia na hora do almoço. Ele não tinha dinheiro, e eu o convidava para almoçar — lembrou Torres, num tom quase de orgulho diante dos feitos do antigo amigo.
Em 2002, quando o delegado era diretor operacional da Secretaria de Segurança, convidou Sampaio para ajudar na aplicação da informática à gestão criminal. Recebia R$ 800 de salário.
Até então, era o auge de Sampaio. A euforia foi tanta que, no primeiro dia no cargo, ele dormiu na Secretaria de Segurança. O falso coronel espraiava-se pelo que realmente o seduzia: o combate ao crime.
Contratado como civil em sua primeira passagem pela Secretaria de Segurança, Sampaio começou a criar naquele momento o seu personagem. Ficcionista ardiloso, tratou de esboçar um falso passado. Um dia, ao chegar andando de forma estranha, disse a Torres que o problema na coluna era herança de um acidente "dos tempos de Exército". O enredo minucioso enriqueceria com os anos. Até o coronel Fernando Príncipe, caveira linha-dura do Bope, seria enganado por Sampaio.
Em 2009, comandante do 6 BPM (Tijuca), Príncipe o contratou para criar um programa de computador de gestão criminal. A sugestão veio de um oficial, de cujo nome o coronel não lembra. Mas o caveira apressa-se em afirmar que as atividades do Coronel Caô não ultrapassavam a seara tecnológica:
— Todas as funções policiais eram desempenhadas por oficiais.
Falar sobre a atuação de Sampaio é difícil para outros policiais.
Elogiado nos agradecimentos do livro de Sampaio, o subsecretário de Inteligência Rivaldo Barbosa evita o caso:
— No ano passado, essa história já deu muita dor de cabeça.
Aposentado da Polícia Civil e dos ritos da política oficial, o delegado Torres confirma que Sampaio teve, sim, atuação além da informática.
Sem dificuldade, Torres lembra da vez em que, trabalhando ao seu lado, Sampaio sugeriu que a PM intensificasse o policiamento num trecho da Linha Vermelha. Resultado: a queda nas ocorrências na Ilha do Fundão.
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