Abaixo, algumas considerações
sobre a lei da improbidade administrativa, que acabam por se conjuminar com a nova
versão do enunciado 331 - segundo o qual o órgão público responde por
reclamações trabalhistas das terceirizadas, se agir com culpa.
A culpa (negligência,
imprudência, imperícia) pode estar contida na contratação, no pregão, no
reajuste ou qualquer outra fase da relação.
O enunciado fala em culpa do
órgão público, mas esse não tem vontade própria, age através de seus
funcionários. Portanto, se o órgão é culpado, o funcionário pode e deve
responder pelo prejuízo.
Neste ponto, o advogado pode se
basear na Lei da Improbidade, que se dirige a indivíduos. Também o particular
pode ter que responder se age como cúmplice.
O artigo abaixo fazer separação
entre culpa e dolo. Mas isso é indiferente para efeito de indenização do
erário.
Portanto, quem julgar que o
erário foi prejudicado, seja por dolo ou por culpa de um agente, público ou
não, pode pedir que ele seja ressarcido.
E, para isso, existe um
procedimento muito eficaz: a Ação Popular. Qualquer cidadão que tenha título de
eleitor pode ajuizá-la, sem que tenha de pagar custas. Sequer há risco de
condenação ou de honorários se a ação não der certo (exceto por uso de má fé).
Percival Maricato - Maricato Advogados
Associados
Improbidade
administrativa: desonestidade na gestão dos recursos
A Lei 8.429 de 1992, conhecida
com Lei de Improbidade Administrativa (LIA), está prestes a completar 20 anos
de vigência, mas ainda gera muitas discussões na justiça. É enorme a quantidade
de processos que contestam questões básicas, como a classificação de um ato
como improbidade e quem responde por esse tipo de conduta. O Superior Tribunal
de Justiça (STJ) começou a julgar processos discutindo dispositivos da LIA em
1996 e, desde então, foram proferidas mais de 8.700 decisões, entre
monocráticas e colegiadas.
Os artigos 9º, 10 e 11 da lei trazem extenso rol de atos ímprobos. O artigo 9º
trata da improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito e o artigo
10 aborda a modalidade que causa dano ao erário, por ação ou omissão, dolosa ou
culposa. Por fim, o artigo 11 traz os atos que violam os princípios da
administração pública, como legalidade, moralidade e imparcialidade.
A jurisprudência do STJ consolidou a tese de que é indispensável a existência
de dolo nas condutas descritas nos artigos 9º e 11 e ao menos de culpa nas
hipóteses do artigo 10, nas quais o dano ao erário precisa ser comprovado. De
acordo com o ministro Castro Meira, a conduta culposa ocorre quando o agente
não pretende atingir o resultado danoso, mas atua com negligência, imprudência
ou imperícia (REsp 1.127.143).
Nos casos do artigo 11, a Primeira Seção unificou a tese de que o elemento
subjetivo necessário para caracterizar a improbidade é o dolo genérico, ou
seja, a vontade de realizar ato que atente contra os princípios da
administração pública. Assim, não é necessária a presença de dolo específico,
com a comprovação da intenção do agente (REsp 951.389).
Improbidade x irregularidade
No julgamento do REsp 980.706, o ministro Luiz Fux (atualmente no Supremo
Tribunal Federal) lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, o
elemento subjetivo é essencial para a caracterização da improbidade
administrativa, que está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente
público. “Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição
legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo (artigo 10 da Lei
8.429)”, ressalvou o ministro.
São autores do recurso três pessoas condenadas em ação civil pública que apurou
irregularidades na concessão de duas diárias de viagem, no valor total de R$
750,00. Seguindo o voto de Fux, a Primeira Turma absolveu as pessoas
responsáveis pela distribuição das diárias por considerar que não houve prova
de má-fé ou acréscimo patrimonial, ocorrendo apenas mera irregularidade
administrativa. Somente o beneficiário direto que recebeu as diárias para
participar de evento ao qual não compareceu é que foi obrigado a ressarcir o
dano aos cofres públicos e a pagar multa.
Um ato que isoladamente não configura improbidade administrativa, quando
combinado com outros, pode caracterizar a conduta ilícita, conforme
entendimento da Segunda Turma. A hipótese ocorreu com um prefeito que realizou
licitação em modalidade inadequada, afinal vencida por empresa que tinha sua
filha como sócia.
Segundo o ministro Mauro
Campbell, relator do REsp 1.245.765, a participação da filha do prefeito em
quadro societário de empresa vencedora de licitação, isoladamente, não
constituiu ato de improbidade administrativa. A jurisprudência também não
enquadra na LIA uma inadequação em licitação, por si só. “O que se observa são
vários elementos que, soltos, de per si, não configurariam, em tese,
improbidade administrativa, mas que, somados, formam um panorama configurador
de desconsideração do princípio da legalidade e da moralidade administrativa,
atraindo a incidência do artigo 11 da Lei 8.429”, afirmou Campbell.
Concurso público
A contratação de servidor sem concurso público pode ou não ser enquadrada como
improbidade administrativa. Depende do elemento subjetivo. Em uma ação civil
pública, o Ministério Público de São Paulo pediu a condenação, com base na LIA,
de diversos vereadores que aprovaram lei municipal permitindo a contratação de
guardas municipais sem concurso. Negado em primeiro grau, o pedido foi acatado
pelo tribunal local. Os vereadores recorreram ao STJ (REsp 1.165.505).
A relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, entendeu que não houve dolo
genérico dos vereadores, que tiveram inclusive a cautela de buscar parecer de
jurista para fundamentar o ato legislativo. Por falta do necessário elemento
subjetivo, a Segunda Turma afastou as penalidades de improbidade. A decisão do
STJ restabeleceu a sentença, que anulou o convênio para contratação de pessoal
depois que a lei municipal foi declarada inconstitucional.
Em outro processo sobre contratação irregular de pessoal sem concurso público,
o STJ entendeu que era caso de improbidade administrativa. No REsp 1.005.801,
um prefeito contestou sua condenação com base na LIA por ter permitido
livremente a contratação sem concurso, e sem respaldo em qualquer lei. Segundo
o acórdão, a conduta do prefeito contrariou os princípios da moralidade, da
impessoalidade e da legalidade.
O relator, ministro Castro Meira, ressaltou trecho do acórdão recorrido
apontando que a contratação não teve o objetivo de atender situação excepcional
ou temporária para sanar necessidade emergencial. Foi admissão irregular para
desempenho de cargo permanente. Todos os ministros da Segunda Turma entenderam
que, ao permitir essa situação, o prefeito violou o artigo 11 da LIA.
Quem responde
O artigo 1º da Lei 8.429 afirma que a improbidade administrativa pode ser
praticada por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios e de empresa incorporada ao patrimônio
público, entre outras.
O artigo 2º define que agente público é “todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função” nas entidades mencionadas no artigo 1º.
O artigo 3º estabelece que as disposições da lei são aplicáveis também a quem,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
A dúvida restou quanto à
aplicação da lei aos agentes políticos, que são o presidente da República,
ministros de Estado, governadores, secretários, prefeitos, parlamentares e
outros. O marco da jurisprudência do STJ é o julgamento da reclamação 2.790,
ocorrido em dezembro de 2009.
Seguindo o voto do ministro Teori Zavascki, relator da reclamação, a Corte
Especial decidiu que, “excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados
pelo presidente da República, cujo julgamento se dá em regime especial pelo
Senado Federal, não há norma constitucional alguma que imunize os agentes
políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por
ato de improbidade”.
Na mesma decisão e no julgamento da reclamação 2.115, também da relatoria de
Zavascki, a Corte estabeleceu que a prerrogativa de foro assegurada pela
Constituição Federal em ações penais se aplica às ações de improbidade
administrativa. Por essa razão, no julgamento do agravo regimental no agravo de
instrumento 1.404.254, a Primeira Turma remeteu ao Supremo Tribunal Federal os
autos de ação de improbidade contra um ex-governador que foi diplomado deputado
federal.
Ainda com base nessa jurisprudência, a Segunda Turma deu provimento ao REsp
1.133.522 para determinar a continuidade de uma ação civil pública de
improbidade administrativa contra juiz acusado de participar de esquema secreto
de interceptações telefônicas.
Quanto à propositura da ação, o STJ entende que o Ministério Público tem
legitimidade para ajuizar demanda com o intuito de combater a prática de
improbidade administrativa (REsp 1.219.706).
Independência entre as esferas
De acordo com a jurisprudência do STJ, a LIA não deve ser aplicada para punir
meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares. Ela tem o
objetivo de resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do
combate à corrupção, à imoralidade qualificada e à grave desonestidade
funcional.
No julgamento de agravo no REsp 1.245.622, o ministro Humberto Martins afirmou
que a aplicação da LIA “deve ser feita com cautela, evitando-se a imposição de
sanções em face de erros toleráveis e meras irregularidades”. Seguindo esse
entendimento, a Primeira Turma não considerou como improbidade a cumulação de
cargos públicos com a efetiva prestação do serviço, por valor irrisório pago a
profissional de boa-fé.
Mesmo nos casos de má-fé, nem sempre a LIA deve ser aplicada. Foi o que decidiu
a Primeira Turma no julgamento do REsp 1.115.195. O Ministério Público queria
que o transporte e ocultação de armas de fogo de uso restrito e sem registro
por policiais civis fossem enquadrados como improbidade.
O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, explicou que, apesar da evidente
violação ao princípio da legalidade, a conduta não é ato de improbidade. “Assim
fosse, todo tipo penal praticado contra a administração pública,
invariavelmente, acarretaria ofensa à probidade administrativa”, afirmou o
ministro.
Aplicação de penas
As penas por improbidade administrativa estão
definidas no artigo 12 da LIA: ressarcimento aos cofres públicos (se houver),
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa
civil e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e
incentivos fiscais ou creditícios.
De acordo com a jurisprudência do STJ, essas penas não são necessariamente
aplicadas de forma cumulativa. Cabe ao magistrado dosar as sanções de acordo
com a natureza, gravidade e conseqüências do ato ímprobo. É indispensável, sob
pena de nulidade, a indicação das razões para a aplicação de cada uma delas,
levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade
(REsp 658.389).
As duas Turmas especializadas em direito público já consolidaram a tese de que,
uma vez caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento é obrigatório e não
pode ser considerado propriamente uma sanção, mas conseqüência imediata e
necessária do ato combatido.
Desta forma, o agente condenado por improbidade administrativa com base no
artigo 10 (dano ao erário) deve, obrigatoriamente, ressarcir os cofres públicos
exatamente na extensão do prejuízo causado e, concomitantemente, deve sofrer
alguma das sanções previstas no artigo 12.
No julgamento do REsp 622.234, o ministro Mauro Campbell Marques explicou que,
nos casos de improbidade administrativa, existem duas consequências de cunho
pecuniário, que são a multa civil e o ressarcimento. “A primeira vai cumprir o
papel de verdadeiramente sancionar o agente ímprobo, enquanto o segundo vai
cumprir a missão de caucionar o rombo consumado em desfavor do erário”,
esclareceu Marques.