Preocupado com o inferno astral do governo, a quase seis meses da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a dirigentes do PT que a presidente Dilma Rousseff precisa sair da defensiva e dar "caneladas" nos adversários. Na sua avaliação, Dilma deve aproveitar o fim da reforma ministerial para mudar radicalmente o modelo de articulação política com o Congresso.
"A Dilma é que nem o Tite. Não deixa o time jogar", disse Lula, em referência ao técnico que comandou o Corinthians de 2010 a 2013. Tite conquistou todos os títulos possíveis - incluindo a Libertadores e o Mundial, em 2012 -, mas deixou o clube com fama de preferir a retranca às jogadas individuais, o que o levou à 10.ª posição e ao recorde de empates num Campeonato Brasileiro (17 em 38 partidas).
Corintiano roxo e acostumado a ver semelhanças entre política e futebol, Lula comparou Dilma a Tite em conversas com pelo menos três petistas. No momento em que o Planalto é ameaçado pela CPI da Petrobrás, a popularidade de Dilma cai e uma agência internacional rebaixa a nota de crédito do Brasil, o ex-presidente não esconde a agonia com a sucessão de más notícias.
Lula foi um dos padrinhos da indicação do deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), que na terça-feira substituirá Ideli Salvatti na Secretaria de Relações Institucionais. "Daqui a pouco eu não consigo falar aqui nem com o porteiro da Casa Civil", disse Ideli, de malas prontas para a pasta de Direitos Humanos, após várias tentativas infrutíferas de se comunicar com o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, na semana passada.
Diante do racha entre os aliados do governo no Congresso, Berzoini dividirá a articulação política com Mercadante e terá a missão de pacificar a Câmara, onde o PT está revoltado e o PMDB lidera um grupo de insatisfeitos batizado de "blocão" .
Em reuniões com coordenadores da campanha de Dilma, Lula tem dito que sua sucessora precisa dar mais atenção ao mundo político e empresarial, se quiser ser reeleita. No seu diagnóstico, ela necessita delegar tarefas, romper o isolamento e deixar os ministros trabalharem com autonomia, pois só assim vencerá a batalha da comunicação.
Bateu, levou. Para Lula, a equipe de Dilma deve sintonizar o discurso e reagir de forma dura, na linha "bateu, levou", à ofensiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), adversários do PT na disputa pela Presidência.
"Nós não temos nada a esconder numa CPI da Petrobrás, mas lamentamos que ela seja usada para palanque eleitoral. Aliás, estranhamos que a oposição não tenha a mesma veemência para investigar denúncias no metrô de São Paulo e no porto de Suape, em Pernambuco", insistiu a senadora Gleisi Hoffmann (PT), ex-chefe da Casa Civil, dando o tom da estratégia do governo para implodir a CPI.
A queda na popularidade de Dilma e de sua gestão, apontada na última pesquisa CNI/Ibope, foi o ingrediente que entornou o caldo de preocupações petistas e fez ressuscitar o coro do "Volta, Lula". De fevereiro a março, o índice de eleitores que consideraram o governo bom ou ótimo caiu de 39% para 36%, mas a queda em relação a novembro foi de 7 pontos. É um patamar próximo do registrado nos protestos de junho. Até beneficiários do Bolsa Família demonstraram insatisfação com Dilma.
"O presidencialismo no Brasil é tão imperial que o mau humor da presidente se reflete na sociedade. É o efeito bumerangue", provocou Aécio. "O cristal quebrou porque governante que não ouve dá as costas para o povo", disse Campos.
Empresários, políticos e sindicalistas que têm conversado com Lula saem com a impressão de que até hoje ele não desencarnou totalmente do governo e sofre no banco de reserva. Mesmo assim, antes de viajar para a Espanha, na quarta-feira, o ex-presidente jogou um balde de água fria em quem o sondou sobre a possibilidade de sair candidato. "Não existe isso. Vou fazer campanha para Dilma de manhã, de tarde e de noite", prometeu.
Apesar da garantia, Lula nega estar pendurando as chuteiras e faz mistério sobre planos. Quando questionado, recorre ao clássico "o futuro a Deus pertence", abre um sorriso e repete um bordão: "Se me encherem muito o saco, volto em 2018". Ninguém sabe, porém, se esse projeto existe mesmo. Declarações de Lula, dizem os petistas, são como parábolas da Bíblia: cada um interpreta de um jeito.