Nos últimos anos, uma novíssima geração de rappers vem dando nova cara ao gênero no Brasil.
Ampliou a temática das músicas, as batidas e, por tabela, o seu público, há muito não restrito à periferia.
Um dos principais arquitetos dessa mudança é o paulistano Michel Dias Costa, 24, o Rashid, nome que vem do árabe e quer dizer "justo" ou "verdadeiro" -palavras que ele tatuou no braço direito.
Com versos como "sua filha é linda, parabéns pra você! / deve ter caprichado na hora de fazer!", que fazem as "minas" pirarem, ele tem pavimentado a carreira que começou na base do perrengue.
Nascido no bairro de Lauzane Paulista, zona norte de São Paulo, onde mora hoje, Rashid foi criado em Ijaci (a 300 km de Belo Horizonte). Lá, começou a fazer rap aos 12 anos.
"Eu botava o boné na cabeça, olhava no espelho e ficava rimando para mim mesmo, mexendo as mãos como Mano Brown", diz.
Sem muito recurso tecnológico, ele se virava como podia, gravando trechos de músicas em fitas cassete e, depois, a própria voz por cima.
O primeiro computador só veio aos 21 anos, quando ele já estava enturmado com Projota e Emicida, outros dois novos rappers. Juntos, eles formam o projeto Os Três Temores.
Rashid conheceu a dupla enquanto passava férias em São Paulo, no final da adolescência.
Foi nessa época, por volta de 2008, que gravou profissionalmente suas primeiras músicas. A divulgação era na base do boca a boca ou, como ele lembra, "mandando para cada um dos 4.000 amigos que eu tinha no Orkut".
Deu certo, e suas rimas se espalharam rapidamente; público e outros rappers começaram a prestar atenção no moleque.
"A construção do texto e as rimas do Rashid são das mais afinadas dessa nova geração", analisa o produtor Daniel Ganjaman, que tem no currículo trabalhos com os Racionais e Criolo.
"Ele abriu a temática do hip- hop -que no final dos anos 1990 estava muito restrita ao próprio movimento- falando mais abertamente de amor, por exemplo."
Entre as primeiras músicas divulgadas no MySpace e os primeiros shows que fez, mais dificuldades.
Rashid chegou a morar sozinho em uma casa minúscula, sem geladeira e fogão. "As vezes eu até duvidava que conseguiria gravar um disco", conta.
Apesar disso, nunca quis um emprego fixo e se manteve focado no que chama de missão: o rap.
ENFIM, O SUCESSO
Neste ano, veio a colheita. O clipe de "Quero Ver Segurar", da "mixtape" "Assim Seja", a terceira da carreira, concorre nas categorias Revelação e Hit do Ano do Video Music Brasil, da MTV. Ele também subirá ao palco da premiação para cantar com Emicida.
Sozinho ou acompanhado, Rashid faz uma média de 12 shows por mês e já lotou casas de Porto Alegre a Manaus.
A maior parte do público não chegou à maioridade. Por causa disso, ele virou o rei das matinês, levando uma média de 6.000 pessoas por apresentação.
"Ele está em ampla evolução da performance no palco e é um dos caras mais determinados que conheci", diz Kamau, rapper de uma geração anterior à de Rashid e um dos primeiros a notarem seu talento.
A internet também ajudou a propagar seus versos e rimas, independentemente de classe social.
"Gente da periferia ou da classe média se identifica com a minha mensagem do mesmo jeito. Classe social não é importante. Eu quero ser ouvido e me interessa que as pessoas sejam melhores."
Para ele, isso não quer dizer mudança de discurso. Rap é compromisso e fala também de coisas sérias, além de, no seu caso, relacionamentos e cotidiano, com pitadas de humor.
Quando olha para os artistas que foram os seus guias, Rashid diz que a principal diferença de sua geração para "o rap antigo, dos Racionais MCs, por exemplo", é a linguagem.
"A criançada na periferia está sempre com o celular na mão. O nosso rap acompanha isso."
Com cerca de 100 mil "amigos" no Facebook e 700 mil seguidores no Twitter, o rapper propaga uma espécie de (também título de uma música sua): "Foco, força e fé".
A vida melhorou nos palcos e fora deles. Neste ano, alugou uma casa mais confortável, para onde levou a avó.
Quando encontrou a reportagem do "Folhateen", Rashid carregava debaixo do braço um exemplar de "O Poderoso Chefão", do italiano Mario Puzo.
"A história parece um pouco com a filosofia dos samurais, tem a coisa do foco na missão. Acredito nisso. Se você tem uma certeza, foque nisso, que vai funcionar", diz.