Brasília -
Pescadores artesanais de várias partes do país deram início, hoje (5),
em Brasília (DF), à campanha Território Pesqueiro: Biodiversidade,
Cultura e Soberania Alimentar do Povo Brasileiro.
Organizada pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do
Brasil (MPPB), a iniciativa visa recolher, até 2015, 1,3 milhão de
assinaturas favoráveis à aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma lei
de iniciativa popular que reconheça e garanta o direito das comunidades
pesqueiras tradicionais sobre os territórios onde vivem e de onde
retiram seu sustento.
O movimento espera que, com a aprovação de uma lei específica, os
territórios tradicionais pesqueiros passem a ser vistos como patrimônio
cultural material e imaterial, estando, portanto, sujeitos à proteção
especial contra especulação imobiliária e instalação de grandes projetos
econômicos que limitem ou interfiram nas atividades já desenvolvidas
por pescadores artesanais.
Segundo o texto do projeto, ao qual a Agência Brasil teve acesso,
com a eventual aprovação da lei, os integrantes das comunidades
tradicionais teriam garantido o acesso e o usufruto preferencial aos
recursos naturais de toda a extensão de terra ou de corpos d´água onde
vivam e trabalhem, assim como daqueles que sirvam de abrigo para
espécies marítimas ou em que haja recursos necessários à preservação do
modo de vida característico dos pescadores artesanais.
Ainda de acordo com o projeto elaborado pelo movimento, caberia às
próprias pessoas se identificarem como integrantes de uma comunidade de
pescadores tradicionais. Feito isso, os profissionais seriam inscritos
por meio de um mecanismo denominado Cadastro Geral das Comunidades
Tradicionais Pesqueiras, cuja criação também está prevista no projeto de
lei popular, que, conforme propõe o movimento, ficaria sob a
responsabilidade do Ministério da Cultura.
Entre vários outras coisas, o projeto ainda estabelece que os
territórios tradicionais sejam reconhecidos como áreas de preservação e
de relevante interesse social, cultural e ambiental, cabendo ao
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) retirar os
ocupantes que não façam parte da comunidade pesqueira. A exemplo do que
já ocorre com reservas indígenas e quilombos, também caberia ao Poder
Público, quando necessário, desapropriar, por interesse social, imóveis
urbanos e rurais.
Presente ao lançamento da campanha, o ministro da Pesca, Marcelo
Crivella, disse à Agência Brasil que algumas das propostas contidas no
projeto de lei elaborado pelo movimento podem ser colocadas em prática.
"Acho
que podemos chegar a um acordo. É possível mantermos os direitos dos
pescadores tradicionais, sem paralisar o Brasil. [A criação de]
Territórios, por exemplo, eu acho que poderia ser o primeiro artigo de
uma lei de compensação. O que não pode ocorrer é que grandes
empreendimentos compensem quem não precisa, enquanto o pescador
artesanal é prejudicado", disse o ministro, assegurando que sua
prioridade à frente do ministério é dar maior atenção à pesca artesanal.
O segmento responde por cerca de 70% do pescado consumido no país e por
45% da produção total.
"É o pescador artesanal quem está realmente precisando que o
ministério, por meio de políticas públicas, atenda suas necessidades",
disse o ministro pouco antes de deixar o Pavilhão de Exposições do
Parque da Cidade. Desde ontem (4), cerca de 2 mil pessoas de várias
partes do país se reúnem no local, dormindo em barracas de camping ou
sobre colchões, em meio a faixas de protesto contra grandes
empreendimentos de aquicultura, construção de barragens e hidrelétricas,
descarte de resíduos industriais em rios, falta de assistência técnica
para pescadores, artigos do Código Florestal, entre outras
reivindicações.
"O ministro foi humilde quando tomou posse [no cargo] e disse que
não sabia colocar uma minhoca no anzol. Pois estamos aqui para ensinar
ele a trabalhar de acordo e fortalecer a pesca artesanal brasileira. Não
queremos ser obrigados a mudar de profissão. Queremos ser ouvidos e
opinar sobre o que vai ser feito com as áreas pesqueiras do país. Quem
for aquicultor, que seja, mas que não venham destruir a pesca artesanal
dizendo que não há mais peixes nos rios e no mar", disse a pernambucana
Maria das Neves dos Santos, a Maria das Águas, uma das lideranças do
movimento.
Pescador há 58 anos, o baiano Geraldo Dias de Souza, mencionou a
construção da barragem de Sobradinho, na Bahia, durante a década de
1970, como exemplo dos efeitos de alguns projetos para as comunidades
tradicionais.
"Fomos enganados. Disseram que iam nos dar terras, casas, garantir a
sustentabilidade dos agricultores e pescadores, mas nunca mais
conseguimos recuperar o que tínhamos. Antigamente, com pouca linha, nós
pegávamos bastante peixe. Hoje, com muito mais linha, não conseguimos
nem uma parte daquela mesma quantidade de pescado", disse Souza.
Dos cerca de 970 mil profissionais de pesca licenciados até setembro
de 2011, 957 mil são autônomos, ou seja, não têm vínculos empregatícios
com empresas ou donos de embarcações, podendo ser classificados como
artesanais. Já a pesca industrial, caracterizada pelo uso de embarcações
de médio e grande porte e pela relação empregatícia entre armadores e
trabalhadores, envolve 40 mil profissionais somente no setor de captura.
Cordialmente,
Rede Crivella