A sentença, do padre jesuíta espanhol Baltasar Gracián, refere-se a uma tradicional regra da prudência na política
A máxima literária integra o que se chamava, entre os séculos 16 e 18, de "a educação do príncipe".
As obras formavam um corpo de conhecimentos voltado para o
aconselhamento e a advertência aos governantes, escrito por sábios de
grande cultura histórica e especial sensibilidade para o lado prático e
real da política. Os jesuítas e demais religiosos, de uma forma geral,
talvez tenham sido os principais responsáveis pelos ensinamentos, embora
não de forma exclusiva. O aconselhamento contido na citação alerta para
o fato de que, não sendo possível governar sozinho, o líder deve
cercar-se de auxiliares qualificados. Na época, a advertência fazia
sentido, na medida em que havia o risco de o monarca pretender exercer
seu poder absoluto de forma individual e arbitrária.
Gracián: os jesuítas talvez tenham sido os principais responsáveis pelos conhecimentos transmitidos na "educação do príncipe
Ao
comentarmos, em artigo recente, uma frase de Lord Acton, vimos que a
tradição do pensamento político ocidental sempre execrou a tirania e o
despotismo. Qual a lição que podemos extrair desta expressão para o
nosso tempo? Em primeiro lugar, devemos entender o conceito de inteligência de maneira mais ampla. Os atributos pessoais que correspondem, hoje em dia, ao termo inteligência contrastam com os da época de Gracián. Não
se restringem, também, à mera qualificação técnica. Atualmente, é
indiscutível que as diferentes áreas do conhecimento empregadas em uma
campanha eleitoral - ou no governo - são cativas de indivíduos que
possuem muito mais informação e experiência do que aquele que os escolhe
para assessorá-lo.
Tal
circunstância indica que o governante e, com mais razões, o governante,
deverá aplicar toda sensibilidade na escolha de seus auxiliares. Em
torno de cada governante - como um projeto de poder - e de cada
governante - como a realidade do poder -, orbitam pessoas de variada
conformação moral, intelectual, política e profissional. Na seleção dos
colaboradores, na atribuição de funções e, acima de tudo, na delegação
de autoridade, o líder precisa tomar aquela que talvez seja a mais
importante das suas decisões. Por mais que tenha cuidado em escolhê-los,
essa é uma atitude que sempre transita pelo terreno da incerteza e do
risco.
Há
uma tendência muito forte no político, como em qualquer pessoa, de
preferir, confiar mais e atribuir maior importância àquelas pessoas que
dizem o que ele gostaria de ouvir.
Afinal, tanto a campanha como o exercício do poder são tão desgastantes
do ponto de vista emocional, que o político vive na expectativa de
receber boas notícias. Na contramão dessa propensão trafegam aqueles
auxiliares que costumam anunciar o pior. Não há como evitá-los - nem se
deve - porque qualquer campanha (salvo aquelas situações excepcionais
nas quais a vitória é fácil e certa) tem falhas e sempre está aquém dos
objetivos buscados. Se o governante não exercitar seu senso crítico em
relação aos primeiros - e não assegurar a legitimidade das críticas aos
segundos - o seu governo vai se dividir (como ordinariamente ocorre)
entre "otimistas" e "pessimistas", deslocando o foco da discussão de
questões concretas para o âmbito pessoal. Qualquer matéria submetida ao
debate passa então a ser encarada por tal ótica - tornando a guerra pelo
"ouvido do governante" quase tão importante quanto o próprio mandato.
O
governante não deve aceitar a implícita imposição de ter que decidir
entre uns e outros. Ele deve exigir de todos que substanciem seus
argumentos com fatos - e não apenas com opiniões. Deve acautelar-se, por
igual, com os que sempre dizem aquilo que lhe agrada e os que sempre
dizem o que não lhe é favorável. A realidade política não se sujeita a
esquemas tão simplistas assim. Os critérios básicos para a seleção devem
ser os mesmos para todos: lealdade, honestidade, inteligência e
argumentação baseada em dados objetivos. Atendidos estes atributos, o
parecer deve ser levado a sério, não importando se quem o profere é
chamado pelos outros de otimista ou pessimista.
É
sob tal viés que o conselho de Gracián deve ser entendido. Não se
trata, propriamente, de pessoas mais inteligentes que o governante, e
sim de pessoas que, mesmo diante dele e de sua ânsia por boas notícias,
conseguem manter intactas a independência e a objetividade. São esses os
auxiliares que o governante precisa ter a sua volta.
Atenção:
você provavelmente está mal assessorado se os seus auxiliares só lhe
trazem notícias boas - aquelas que não são confirmadas pelos resultados
das que as pesquisas.