Um total de 61 policiais militares do Estado de São Paulo se feriu em serviço ou durante a folga no primeiro semestre deste ano, um aumento de 45% em relação ao mesmo período de 2017. Nos últimos cinco anos, em torno de 600 agentes tiveram de se afastar definitivamente das ruas por causa da gravidade de suas sequelas. Cerca de um terço dos casos ocorreu na capital. Ao se aposentarem por invalidez, os PMs enfrentam processos burocráticos complicados para ter acesso a indenizações, promoções e outros adicionais.
O comando da corporação informa que os dois procedimentos obrigatórios, um chamado de sindicância e o outro de apuração preliminar, têm prazo de trinta dias para ser concluídos e que em algumas ocasiões há prorrogação, sobretudo quando surge a necessidade de perícias adicionais. A Associação dos PMs Portadores de Deficiência Física (APMDFESP), no entanto, estima que esses trâmites levem até três anos para ser finalizados.
A situação se complica quando o agente se fere fora do horário de serviço, uma realidade em mais da metade das ocorrências desse tipo. “Precisei provar que fui alvo de uma vingança por parte de membros do PCC, pois na sindicância tentaram me enquadrar como vítima de um assalto comum”, afirma Anderson Sales, policial reformado da Rota que em 2015 foi atingido por oito tiros durante uma emboscada, o que fez com que perdesse parte dos movimentos do braço e da perna esquerdos. Abaixo, confira mais histórias de PMs vítimas das ruas.
Futuro atleta paralímpico
Luiz de Jesus Júnior, 28, ficou paraplégico há quatro anos, depois de levar um tiro na coluna ao ser reconhecido como policial por uma dupla de criminosos. Ele circulava de moto durante um horário de folga no bairro de Cidade Ademar, na Zona Sul. No primeiro mês após o episódio, não conseguia se sentar e passava o tempo inteiro deitado. Para o levarem para tratamento médico, bombeiros pulavam o muro com ele na maca, porque a porta de sua casa era muito estreita. “Um dia coloquei a arma na cabeça e quis atirar, mas pensei em Deus”, relembra.
Reformado, recebeu seu seguro de vida, de 200 000 reais, apenas dois anos depois. A promoção de soldado a cabo, acompanhada de outros benefícios, o que fez seu salário saltar de 3 500 para 5 000 reais, chegou só em março deste ano. Com o valor, Jesus Júnior deu entrada na compra de uma casa térrea para recomeçar sua vida. Ele é um dos quatro policiais que passaram por uma triagem no Centro de Treinamento Paralímpico com o objetivo de praticar atletismo. A iniciativa é uma parceria do comitê com as PMs paulista e carioca e as Forças Armadas para descobrir atletas entre aqueles que adquiriram deficiência. “Estou muito empolgado com a possibilidade de continuar na área militar representando o país”, diz.
Em 2007, no seu primeiro dia de folga após cinco anos atuando como policial rodoviário e fazendo bicos para incrementar o salário, Wagner dos Santos, 41, foi assaltado no Sacomã, na Zona Sul. Ao descobrirem sua profissão na carteira funcional, os bandidos tentaram executá-lo a tiros. Santos perdeu 33% do cérebro, ficou tetraplégico por três meses e até hoje carrega três balas alojadas no corpo, duas na nuca e uma atrás do olho direito.
Conhecido pelo apelido de “Milagre”, ele teve o crânio afundado refeito com uma placa de titânio e usa um equipamento nas pernas para auxiliá-lo nos movimentos. “Sobrevivi e sinto-me o homem mais privilegiado do mundo”, diz. Sem conseguir obter seus direitos, Santos foi obrigado a apelar à Justiça. Esperou nove anos para retirar o seguro de vida, de 267 000 reais, e deve receber outros benefícios neste ano. “A PM me deu as costas, não quis reconhecer que fui baleado por ser policial”, lamenta ele, que está cursando o 8º semestre de direito na Faculdade Zumbi dos Palmares e pretende se tornar juiz.
Reabilitação surpreendente
Uma perseguição policial terminou em tragédia em 10 de dezembro do ano passado. Assaltantes de peças automotivas fugiam da polícia em um carro a mais de 100 quilômetros por hora quando colidiram com a viatura de Julio César Deolindo, 31, em Santana, na Zona Norte. Seus doze anos de PM foram interrompidos ali. O agente fraturou a coluna cervical, recebeu duas placas de titânio com oito parafusos e ficou tetraplégico por dois meses.
No Centro de Reabilitação da Polícia Militar, Deolindo realiza terapia de suspensão em uma máquina que o auxilia na caminhada. Hoje ele sofre de tetraparesia, a perda de força nos quatro membros. “A sensação de me recuperar é maravilhosa”, diz. “Mas qualquer queda pode me trazer danos irreversíveis.” Ele também recebe atendimento psicológico. “O trabalho visa à recuperação da autoestima, pois o policial, antes visto como um herói, passa à condição de quem precisa de ajuda”, explica o sargento e psicólogo Rogério Torres. O processo de sindicância que vai determinar sua aposentadoria e os benefícios decorrentes da invalidez ainda está em andamento.
Ao passar de viatura por uma das portarias da Ceagesp, na Vila Leopoldina, em agosto de 2015, Adriana Andrade, 32, acabou cruzando inesperadamente com bandidos que roubavam um caixa eletrônico do entreposto. Surpreendidos pela presença policial, os criminosos dispararam 22 tiros de fuzil contra o veículo. Um deles causou uma perfuração de 3 centímetros no crânio de Adriana, o que fez com que ela perdesse os movimentos do lado direito do corpo e também a coordenação motora.
Leitora voraz de livros de Chico Xavier e amante de poesia, a policial agora tem um pouco de dificuldade para ler e reconhecer números. Com sessões semanais de fisioterapia e fonoaudiologia, reaprendeu a andar e a falar. Teve a parte de cima da cabeça reconstruída, mas estilhaços da bala não puderam ser removidos. Os demais danos são psicológicos. “Além da falta de respeito geral à polícia, ser uma mulher PM é ainda mais difícil, devido ao machismo de colegas e da sociedade”, afirma. Adriana recebeu seu seguro de vida, de 200 000 reais, apenas neste ano e ainda aguarda a promoção de soldado a cabo, o que aumentará seu salário em até 400 reais. Agora ela quer cursar uma faculdade de direito.
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