GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

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Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Clariza Rosa: A sócia de agência de modelos de favelas que produz moda de resistência

Clariza Rosa é a 165ª entrevistada do projeto Uma agência de modelos exclusiva para moradores de favelas e periferias do Rio de Janeiro. É assim a definição básica da Jacaré Moda, tocada por Clariza Rosa, 27 anos. Junto com seus outros sócios, Julio César da Silva e Lucas Rodrigues, a carioca viu o negócio se desenvolver organicamente a partir da necessidade de discutir as identidades dos moradores de favelas.
Formada em Publicidade pela PUC-Rio, Clariza cresceu no Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, e mora há 15 anos em Madureira, bairro folclórico do subúrbio do Rio. Ela explica que só passou pelo processo de reconhecimento da identidade racial quando se viu dentro de uma universidade em um dos bairros mais caros do Rio.

"Eu entendi que tinha muita coisa em mim que era diferente das outras pessoas, mas não conseguia mensurar o que era isso. E não sei, acho que nasci de novo depois desse processo de identidade. Você vive a vida inteira sem uma lente, e depois você coloca essa lente que te faz ver tudo novo, tudo muito diferente. Foi assim. E sim, você vê racismo em tudo porque ele está em tudo", ela afirma, de forma enfática, como quem já foi contestada em sua luta muitas vezes ao longo da vida.

Quando a gente fala de moda da resistência, é para mostrar que a periferia é potência e é um novo centro.
A vivência na periferia a localizou no início do processo de identidade e a auxiliou a compreender o mundo à sua volta. Então, para ela, nada mais justo que transformar o conhecimento em ação.
Foi no processo de reconhecimento da própria identidade, como mulher negra moradora de comunidade, que o vínculo de Clariza com a moda se fortaleceu."Vim de lá [periferia] e não tenho problema nenhum em falar disso. Então eu pensei que queria levar para a periferia algo que eu aprendi fora daqui. Não queria só ficar trabalhando em agência [de publicidade], entregando campanhas e acabou", define.
Enquanto buscava aquele trabalho que daria sentido à vida, continuou trabalhando com publicidade, campanhas e tudo que é de praxe desse tipo de trabalho. Até que Lucas, que já era seu amigo de longa data, conheceu Julio César. Ele era responsável por todo o cenário da moda na comunidade do Jacaré incentivando a verve artística dos jovens. Curso de passarela, concurso de beleza e similares davam o tom do trabalho.
Os olhos de Clariza brilharam e, com a sua experiência em trabalho de marcas e comunicação, se jogou na produção de mais um dos eventos de Julio César. E foi histórico: 400 pessoas, desfile de moda, inscrições a mil. Foi gigante. Mas ela sentia que todo aquele potencial podia se transformar em algo muito maior.
"Durante o processo de concepção do evento, eu falei: 'a gente quer falar sobre beleza e fazer que essas meninas e homens percebam-se bonitos'. Mas não tem como fazer isso sem falar de identidade, porque essas pessoas são moradoras de favela, periferia e majoritariamente negras. Tem uma coisa muito importante que a gente precisa falar antes de começar a falar sobre se achar bonito ou feio. Assim decidimos falar de identidade antes", explica.
A agência de modelos que Clariza comanda não trata só de beleza, mas de identidade, negritude e favela.Se a falta de abertura à diversidade de olhares não causasse impactos tão negativos, o mercado da moda não iria se abrir.


E talvez tenha sido assim que a Jacaré Também é Moda começou a virar Jacaré Moda. As pessoas que participaram do concurso passaram por um acompanhamento em que houve diversas discussões sobre identidade, favela e negritude — "foi quando a gente viu que nosso mote seria falar de identidade da periferia", ela lembra. Ainda que tardio, havia muitas semelhanças entre o processo dos jovens e o processo de Clariza. As discussões apontavam as distâncias, palpáveis ou não, entre moradores da zona sul e da zona norte, e o lugar em que o negro está colocado pela sociedade. O foco sempre é ressaltar, nunca depreciar. Mas ela faz questão de pontuar: "Isso não estava desenhado. Nós fomos fazendo e no meio do caminho vimos o que dava ou não dava para fazer".
A partir daí a agência também se firmou como produtora de moda e já fechou parcerias com grandes marcas. O mote ainda é falar sobre a importância do Jacarezinho, mas também de outras favelas. Clariza destaca o slogan "moda da resistência" para explicar a função social do negócio de que tanto se orgulha.
"Hoje, quando a gente fala de moda da resistência é para mostrar que a periferia é potência e é um novo centro. A gente também funciona em rede, a gente também está rompendo muitas barreiras quando acessa uma super-agência. Muitas pessoas perguntavam se éramos só de modelos negros, e eu amava essa pergunta porque a gente já ia direto na questão racial. Não somos, mas as pessoas negras estão na favela e isso vem de algum lugar", afirma.
"Certamente sim, mas declaradamente não", as convicções de que Clariza não abre mão já afastaram contratantes e marcas. E, claro, já atraíram pessoas muito distantes da proposta. Recentemente, uma marca buscava modelos "exóticos" e procurou Clariza. Em vão. Outro dia, uma marca ofereceu R$ 300 para um ensaio fotográfico. O menosprezo pelo trabalho feito na periferia, de acordo com Clariza, é vencido pela insistência. Aos poucos, isso pode mudar.
"Eu não acredito que o mercado da moda está se abrindo porque é legal e viu que precisa incluir as pessoas. Se a falta de abertura à diversidade de olhares não causasse impactos tão negativos como os de hoje, o mercado da moda não iria se abrir e a gente ia continuar vivendo cada um para um lado diferente. As campanhas iam continuar sendo feitas para pessoas brancas e a gente ia continuar vivendo 150 anos de uma escravidão contemporânea", analisa.
Clariza entende que é recente o movimento do mercado que está cobrando mais representatividade na moda e na publicidade.Não é a ponta produtora que está refletindo sobre; é que a ponta consumidora está cobrando.


Pobres e negros consomem, veem desfiles de moda e assistem TV. Parece óbvio, mas é um movimento recente de preocupação com esse público. Clariza aponta que o caminho que levou as marcas a se posicionarem sobre temas antes vistos como delicados não foi dócil: "só acontece porque as marcas perdem relevância e mercado se não colocam pluralidade na campanha. Não é a ponta produtora que está refletindo sobre, é que a ponta consumidora está cobrando".
Entre tantos, talvez um ponto de libertação seja o que Clariza chama de "empoderamento econômico". Dinheiro mesmo. E é este fator, também, que pesa no momento de fechar contratos que possam colaborar com lógicas problemáticas. Alguns trabalhos são veementemente negados, sem discussão. Mas outros ficam no centro do debate e contam com a intuição dos sócios para serem aprovados.
Autoconhecimento foi fundamental para Clariza impactar na moda e se tornar referência no que faz.
"É claro que a gente não consegue se distanciar completamente [dos problemas], e assim eu comecei a entender como é difícil ter uma causa, lutar por ela e ter um negócio que funciona olhando para essas causas, porque o dinheiro precisa entrar. É óbvio que a gente já fez algum trabalho que atingiu alguma população minorizada, como marcas que contratam modelos muito magras. A gente está fortalecendo alguma lógica, mas e aí? A gente se questiona. É muito difícil, porque é importante o dinheiro chegar na modelo também", pondera.

Eu entendi que tinha muita coisa em mim que era diferente das outras pessoas, mas não conseguia mensurar o que era isso.

Talvez nem Clariza imaginasse que um processo de autoconhecimento iria impactar tantas vidas e inspirar tantas pessoas. Hoje, além da Jacaré Moda, ela acumula outros trabalhos, principalmente com consultoria para grandes empresas que querem começar a olhar para a questão racial e social. Não tem mais volta.
"Só está mudando porque não tem jeito. Se tivesse jeito, não estaria mudando. É doido perceber o quanto a minha identidade, que só entendi realmente aos 24 anos, se transformou em algo com que eu trabalho diretamente. Hoje as pessoas me contratam [para falar] sobre os impactos sociais da minha identidade", encerra. 


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