Por trás de toda complexidade das teorias econômicas, há um conjunto de desafios permanentes à frente dos formuladores: como compatibilizar crescimento de renda e de emprego, atendimento das necessidades da população com o combate à inflação e o equilíbrio das contas externas.
Há um conjunto de objetivos conflitantes:
Vamos ao desafio proposto ao Ministro da Fazenda Joaquim Levy.
- O setor privado necessita de previsibilidade e demanda para voltar a investir na economia.
- O maior fator de imprevisibilidade é o lado fiscal, depois do carnaval de isenções sem controle do período Mantega-Arno.
- A medida fiscal mais utilizada é a relação d/vida pública/PIB - que é das mais baixas do mundo.
- O objetivo maior a ser perseguido é a receita que garanta a estabilidade da relação d/vida/PIB com o menor efeito possível sobre o crescimento.
No entanto, quase sempre as escolhas obedecem muito mais às afinidades ideológicas dos gestores, do que a análises objetivas de custo-benefício para a economia como um todo.
Analisemos algumas estratégias possíveis.
Estratégia 1: com menos ortodoxia
Parte dos seguintes pressupostos:
- Dada a pequena relação dívida/PIB, não há a necessidade de um superávit primário robusto que reduza ainda mais essa relação. Basta um horizonte factível que garanta a estabilidade da relação atual.
- Há três maneiras de estabilizar a dívida pública: ou se cortam os juros, ou se cortam despesas ou se aumentam impostos. Corte de juros afeta exclusivamente o capital financeiro. Melhora a vida dos devedores (incluindo o Tesouro) e exige menos cortes de despesas e menos aumento de impostos.
- O único papel da Selic, hoje em dia, é coordenar as expectativas empresariais em relação à inflação. Há uma extensa literatura comprovando que a única influência sobre a inflação é deletéria: a apreciação cambial. Aumenta a Selic, entra mais capital especulativo que provoca uma apreciação no câmbio reduzindo os preços dos importados - à custa do aumento dos sacrifícios da produção e do emprego.
- Hoje em dia, praticamente todo o mercado se guia pelas planilhas do Banco Central, de estimativa da inflação futura. O desafio será montar os gatilhos que substituam a alta da Selic, quando as expectativas forem de alta da inflação.
- Outro desafio será desarmar o sistema de títulos públicos, que assegura plena rentabilidade e liquidez aos investimentos.
Este seria o modelo virtuoso, que daria segurança e previsibilidade ao setor privado, garantindo equilíbrio fiscal e manutenção da demanda. Exige criatividade e coragem para romper com a ortodoxia.
Estratégia 2: a ortodoxia
Essa é a estratégia implementada pelo Ministro da Fazenda Joaquim Levy. Não há nada que penalize o capital financeiro; nem que o induza a buscar a economia real.
O remanejamento dos recursos do mercado financeiro para a economia real depende de uma série de fatores:
- Previsibilidade fiscal, sem dúvida.
- Manutenção da demanda.
- O capital só irá para a economia real se esta oferecer uma remuneração similar à dos títulos públicos mais uma taxa adicional para compensar os riscos da renda variável. Com a Selic a 12,5%, o investimento na economia real deveria proporcional no mínimo uma taxa de retorno de 17% ao ano. Fora tráfico de drogas, está difícil encontrar setores com esses atrativos.
Aumento de Selic, de impostos e corte de despesas derrubam a demanda interna, reduzem ainda mais a atratividade do investimento na economia real.
A esperteza cansativamente previsível do mercado consiste em focar só na primeira questão: a previsibilidade fiscal. Como se, tendo previsibilidade fiscal, o investimento viesse automaticamente; vindo o investimento (pelo caminho mais doloroso, porque em um cenário de queda de demanda) o desenvolvimento voltará em um dia qualquer do futuro.
É a reedição da surrada “lição de casa”, a visão cristã da economia, de que todo sacrifício (dos outros) resultará na purgação dos pecados e na redenção das almas, brandida por Pedro Malan, Antonio Pallocci e companheiros.
O fator Mantega-Arno
A volta do mito do pote no final do arco iris é consequência do fracasso da experiência heterodoxa do período Dilma-Mantega-Arno.
Havia um dado da realidade: a pesadíssima campanha negativa dos grupos de mídia, três anos jogando para baixo as expectativas empresariais, em uma estratégia escandalosa de pintar o caos, que atingiu seu ápice com as obras da Copa.
Sabendo-se desse fator, o correto teria sido o governo se armar dos melhores oficiais para enfrentar o fogo de exaustão. Em vez disso, entregou a guerra nas mãos da dupla Mantega-Arno que avalizou a impulsividade de Dilma Rousseff da forma mais desorganizada possível.
A manipulação dos dados fiscais, a incapacidade de desenvolver um discurso público minimamente eficiente, a falta de visão estratégica e integrada na política de isenções, a falta de convicção em sustentar a redução da Selic, desmoralizaram a tentativa de romper com a ortodoxia das políticas monetária e fiscal. E deram verossimilhança ao terrorismo praticado pela mídia.
A derrota não foi da anti-ortodoxia: foi do amadorismo.
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