Na manhã desta quinta-feira (29), o internauta que visitou a página principal do portal da Folha de S. Paulo com alguma dose de crítica, pensou: "Uau, parece que a Folha descobriu a crise de água em São Paulo!", ao passo em que todos os outros jornais, nos últimos tempos, oscilaram entre amenizar o assunto ou aguardar um ensaio de apagão de energia para por todos os problemas e gestores (os estaduais e o nacional) em um mesmo balaio.
Curiosamente, nesta mesma quinta-feira, a Folha destaca em sua home um texto assinado por Marcio Aith, subsecretário de Comunicação do governo de São Paulo, capitaneado por Geraldo Alckmin (PSDB). É Aith quem faz na Folha uma crítica à grande imprensa revelando, ao mesmo tempo, a estratégia de mídia a ser adotada por Alckmin - que já está de olho na próxima disputa presidencial - mais à frente.
A estratégia consiste em dizer que Alckmin, diferentemente de outros gestores, descobriu as dificuldades que enfrenta hoje com o colapso dos sistemas Cantareira e Alto Tietê há muito mais tempo que Dilma Rousseff (PT) o fez em relação aos obstáculos com hidrelétricas, ou os governadores Fernando Pimentel (PT) e Pezão (PMDB), com os mananciais de Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente.
Alckmin e a Sabesp, segundo Aith, chamam a atenção da população de São Paulo para a grave estiagem provocada pelo mau humor de São Pedro desde janeiro de 2014. O tucano e a empresa de saneamento não ficaram inertes face a tragédia anunciada. É injusto, portanto, colocar o governador paulista no mesmo bolo em que está Dilma, Pimentel, Pezão e outros gestores que não se anteciparam aos fatos.
É o que diz o artigo de Aith:
"Nem sempre a imprensa consegue distinguir os fatos que deveria apurar dos argumentos que bailam em torno deles, frequentemente interessados. No caso das crises hídrica e energética, esta Folha, apesar de suas múltiplas vozes, confortou-se com uma ideia fixa: governos federal e estadual são igualmente culpados. Infelizmente, por mais confortável que possa parecer a alguns editorialistas, colunistas e repórteres deste jornal, tal argumento enfrenta o obstáculo de fatos. Há um ano, no dia 27 de janeiro de 2014, um comercial veiculado pela Sabesp informava: 'O Sistema Cantareira está com o nível mais baixo dos últimos dez anos. A falta de chuvas em dezembro –o menor índice dos últimos 84 anos– agravou o problema, deixando o sistema com apenas 24% da capacidade'."
E seguiu Aith a citar campanhas da Sabesp, antes de dizer que, um ano depois, "a dimensão nacional do problema foi escancarada por um apagão elétrico em 11 Estados da Federação e pelo agravamento da crise hídrica em Minas Gerais e no Rio. Ministros e agentes reguladores federais, sem abandonarem o discurso hostil a São Paulo, passaram a exprimir um novo consenso, idêntico ao qual chegou esta Folha: o de que todas as crises e governos cabem num só saco."
Para o governo Alckmin, tal argumento "deriva de certa covardia jornalística, de grande cinismo, e não resiste aos fatos. Até dezembro de 2013, nenhum estudo meteorológico previu a atual crise, muito menos a sua gravidade."
Mas desde 2004, quando das discussões sobre a outorga do Cantareira, existem estudos que alertam o governo do Estado sobre a necessidade de reduzir a dependência da Região Metropolitana de São Paulo em relação ao Sistema Cantareira. Era preciso investir em obras para potencializar outros mananciais, a exemplo do que Alckmin só agora planeja fazer com a Billings, ao sabor da crise, no improviso, sendo que o reservatório artificial existe desde a década de 1930 e é alvo de regulamentação e debates ambientais pelo governo estadual ao menos desde a gestão José Serra (PSDB). As obras que o Palácio dos Bandeirantes e a Sabesp conseguiram tirar do papel, com certo atraso, só ficarão prontas entre 2016 e 2018.
Estes fatos - que o GGN aponta com base em reportagens aqui lançadas, bem como opiniões de especialistas consultados ao longo do último ano - não importam, pois, na visão do subsecretário de Alckmin, o "Estado de São Paulo foi pioneiro no esforço de racionalização do uso da água, adotando o sistema de bônus e ônus antes de qualquer Estado. Interligou sistemas, aumentou a captação do Alto Tietê, do Guarapiranga e do Rio Grande. Iniciou obras estruturais e trouxe inovação – caso das membranas de tratamento da água de reúso, por meio da nanotecnologia. O que fizeram outros no mesmo período?"
Que fizeram Dilma, Pimentel, Pezão, perguntará Alckmin no próximo debate eleitoral.
Aith ainda deixa um recado para a Folha: pegue mais pesado com os gestores que, diferente de Alckmin, estão de braços cruzados. "Tratar igualmente os desiguais, numa espécie de jornalismo compensatório, agride o fundamento da isenção porque agride a verdade. A imprensa realmente isenta tem o rabo preso com os fatos, o que sempre será do interesse do leitor, do internauta, do telespectador, do ouvinte etc. O governo de São Paulo está fazendo a sua parte. A sua lista de ações é matéria de fato, não de opinião."
Jogada ensaiada
Marcio Aith, segundo lembrou Luciano Costa Martins (Observatório da Imprensa), fez carreira na própria Folha, "onde chegou a editor de Economia, e foi editor-executivo da revista Veja antes de se tornar coordenador de comunicação da campanha do ex-governador José Serra à Presidência da República em 2010".
Para Martins, o artigo de Aith na Folha não passa de uma jogada combinada entre o assessor de Alckmin com o jornal dos Frias e um colunista da revista Veja.
"Basicamente, trata-se de uma operação casada, na qual o colunista de Veja 'levanta a bola' e o responsável pela comunicação do governo paulista chuta em gol, sob o patrocínio da Folha de S. Paulo. Os dois [Aith e o colunista] criticam a imprensa brasileira por atribuir responsabilidades iguais a Geraldo Alckmin e a Dilma Rousseff pela falta de água, argumentando que o governador paulista vem tomando as medidas necessárias para amenizar o problema, enquanto a presidente estimulou o consumo de energia ao baratear as tarifas em 2012."
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