Desde o resultado das eleições de outubro, ficou claro que o governo não terá vida fácil no Congresso Nacional.
Mas a eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para o comando da Câmara dos Deputados no domingo, os próximos desdobramentos da Operação Lava Jato e o cenário de cortes de gastos delineiam tempos ainda mais difíceis, com potencial, segundo cientistas políticos, de paralisar o governo.
A vitória de Cunha não foi uma surpresa ─ o deputado vinha ganhando força política cada vez maior desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando, apesar de fazer parte da base do governo, liderou rebeliões no Congresso contra assuntos de interesse do Planalto, como a medida provisória que mudou as regras do sistema portuário brasileiro, a chamada MP dos Portos.
Diante de sua vitória iminente na eleição para a presidir a Câmara nos próximos dois anos, o governo poderia ter aceitado essa realidade e sentado para negociar desde o início. Diante de muitos interesses divergentes, porém, preferiu tentar derrotá-lo. O saldo agora é uma relação mais estremecida entre as duas partes.
Para o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), o governo deveria ter buscado um consenso ou ficado neutro na disputa. Agora, terá que ser feito um esforço de ambos os lados para reconstruir o diálogo, afirma. "Se o governo apoia um (candidato), joga o outro mais para a oposição", resumiu.
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), vê um risco grande de a relação ruim com o Congresso paralisar o governo.
Sem apoio dos deputados, a administração Dilma enfrentará dificuldade para aprovar projetos de seu interesse e terá que negociar caso a caso, se expondo a um desgaste muito maior, explica Monteiro. A cada votação, será preciso mobilizar ministros, para que eles articulem junto aos deputados de seus partidos o apoio necessário, por exemplo.
Além disso, observa, a necessidade de cortar gastos dificultará a liberação de verbas para as emendas parlamentares, reduzindo investimentos nas bases eleitorais dos congressistas e, consequentemente, a boa vontade destes com o governo.
'Falta de traquejo'
Monteiro considera improvável uma melhora significativa nas relações com os parlamentares, pois a presidente não tem o mesmo talento e interesse que seu antecessor, o presidente Lula, nas negociações políticas. Raramente Dilma recebe congressistas no Planalto.
"Sem essa rearticulação política, vamos ver uma grande paralisação do governo. Se não paralisar totalmente, pode ser que o governo tenha que se arrastar lentamente pelos próximos quatro anos", afirma.
O cientista político José Antônio Lavareda também vê esse risco e diz que ele será maior ou menor a depender os desdobramentos da Operação Lava Jato, que investiga desvios de recursos da Petrobras.
O cronograma do Ministério Público prevê que em fevereiro serão apresentadas denúncias contra os investigados e acredita-se que elas podem envolver mais de 30 congressistas e atingir até mesmo Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reeleito domingo para um mandato de mais dois anos com apoio do governo.
"As denúncias da Lava Jato vão trazer muita instabilidade, mas por outro lado podem enfraquecer o grupo de Cunha, o que seria positivo para o governo", nota Lavareda.
No momento, porém, o presidente da Câmara está fortalecido e deve ganhar espaço na administração federal. A expectativa é de que governo use os cargos do segundo escalão para recompor seu apoio entre os parlamentares.
Entre os assuntos que darão trabalho no Congresso, está a aprovação das duas medidas provisórias que alteram as regras do pagamento de seguro-desemprego, abono salarial e pensões. As mudanças sugeridas pelo governo são impopulares e, por isso, devem sofrer alterações propostas por parlamentares.
Outros assuntos de interesse do PT, como a regulação da mídia e o fim do financiamento privado de campanhas por grandes empresas, podem nem entrar em pauta, pois não contam com o apoio do presidente da Câmara.
A vitória de Cunha também foi um balde de água fria nos setores mais progressistas da sociedade.
Líder evangélico, o deputado já apresentou um projeto de lei para criminalizar a "heterofobia", que seria o preconceito contra heterossexuais. Em 2014, reagiu no Twitter à exibição de um beijo gay na novela Amor à Vida, na TV Globo: "Estamos sob ataque dos gays, abortistas e maconheiros. O povo evangélico tem que se posicionar".
O presidente da Câmara define quais projetos de lei devem ser pautados para votação, o que significa que propostas de interesse dos movimentos progressistas, como a criminalização da homofobia, não terão vez.
Cunha tem agora também o poder para arquivar ou dar prosseguimento a pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff. Ele é o terceiro na linha sucessória para a Presidência, atrás apenas do vice-presidente Michel Temer.