O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) resolveu comprar briga com entidades de defesa do meio ambiente, a pretexto de apoiar pescadores da região da Costa Verde. O parlamentar entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal a fim de obter autorização para a prática de pesca amadora na Estação Ecológica de Tamoios (Esec Tamoios), em Angra dos Reis, unidade de conservação federal de proteção integral, onde é proibido qualquer tipo de intervenção humana. O Ministério Público Federal no Rio, em parecer sobre o caso, afirmou que Bolsonaro quer "um verdadeiro salvo-conduto de pesca emitido pelo Judiciário", algo "impensável" do ponto de vista jurídico. Também está em análise, desde março deste ano, pela Procuradoria Geral da República, em Brasília, se houve uma suposta prática de crime ambiental por parte do deputado.
— O mandado de segurança é pessoal, personalíssimo, só favorece ele. Se ele quisesse favorecer outras pessoas, que ajuizasse uma ação popular, por exemplo, ou uma ação civil pública por alguma associação. Os pescadores têm associações e nunca pleitearam isso — explicou o procurador da República Maurício Manso.
Foi depois de uma multa de R$ 10 mil aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em janeiro do ano passado — quando foi flagrado pescando num barco no costão da Ilha de Samambaia, que integra a Esec Tamoios —, que o deputado federal abriu fogo contra os fiscais do Ibama, analistas ambientais e procuradores. De acordo com relatório de fiscalização do órgão, o parlamentar argumentou que tinha autorização para pescar em qualquer ponto da Baía da Ilha Grande. Inconformado, ele chegou a ligar para o então ministro da Pesca, Luiz Sérgio (PT-RJ), ex-prefeito de Angra, que o aconselhou a deixar o local.
— Estávamos numa patrulha normal quando encontramos a embarcação do deputado, que não quis se identificar. Mas o reconhecemos de imediato. Ele tentou argumentar que estava num momento de lazer, mas explicamos que a proteção era integral e, por esta razão, era proibida qualquer tipo de atividade. Ele foi arrogante e prepotente — lembrou o então chefe do escritório do Ibama em Angra, José Augusto Morelli, que não atua mais como fiscal de campo desde o episódio.
Colônia de pescadores nega apoio
O deputado alega que foi humilhado pela fiscalização, ressaltando que não há placas de aviso na Ilha de Samambaia:
— Esse pessoal do Ibama é arbitrário. Eu estava só com uma varinha de pescar, não usava arrastão, nem arpão. Isso que eles fazem é um absurdo. Na região há cerca de 15 mil pescadores humildes sendo impedidos de trabalhar. Eu mesmo só estava pegando umas cocorocas. Podia comprar um pescado na peixaria, mas queria aproveitar meu lazer. Tenho casa lá. Simples, não é como a de outros colegas. Além disso, não havia placas no local. Apesar de eu saber que lá não era permitido pescar, pois fiz um requerimento de informações ao Ministério da Pesca, achei um absurdo a proibição.
Apesar de afirmar que está defendendo os pescadores, o presidente da Colônia dos Pescadores Z18 de Paraty, Márcio de Alvarenga Oliveira, nega tal apoio por parte do parlamentar:
— A gente vem lutando pelo pescador, cria da região, que sustenta a família da pesca artesanal. Temos 1.100 associados. Nós somos profissionais e estamos fazendo um acordo (termo de compromisso) com o pessoal da Esec Tamoios para pescar em determinados pontos, sem interferir no meio ambiente. No início, não entendíamos a importância da preservação da região. Realmente, não se pode abrir espaço para embarcações grandes. As nossas são canoas, sem potência para ir mais longe. Essa pessoa (Jair Bolsonaro), que não gosto nem de citar o nome, está brigando porque foi flagrada por lá degradando. Ele não nos representa — afirmou Márcio.
O assunto se arrastou numa disputa jurídica até a Procuradoria Geral da República, em Brasília, onde Bolsonaro estaria sendo chamado para prestar esclarecimentos. A procuradora Monique Cheker, da Procuradoria da República em Angra dos Reis, que declinou da atribuição por causa do foro privilegiado de Bolsonaro, analisou a importância da reserva.
— A Estação Ecológica de Tamoios é uma das áreas com mais restrições em termos ambientais, pois tem como propósitos a pesquisa científica e o monitoramento da região. Foi criada pelo decreto 98.864/90, do ex-presidente José Sarney, reforçado por uma lei em 2000 que amplia este caráter de proteção .
Dois projetos de lei para a região
Coincidência ou não, após o bate-boca entre o deputado e os fiscais, foram propostos dois projetos de lei na Câmara dos Deputados. Um deles, por ironia, é do deputado federal Luiz Sérgio, ex-ministro da Pesca e ex-prefeito de Angra, sobre a liberação de embarcações particulares, pesca artesanal ou amadora, além da utilização das praias por banhistas, na Esec Tamoios. O outro é de iniciativa do deputado Felipe Bornier (PSD-RJ), também com o mesmo propósito. Os projetos foram apresentados por deputados aliados do governo.
Para a procuradora da República Monique Cheker, os dois projetos são inconstitucionais e um retrocesso ao novo Código Florestal:
— Ambos tiram a proteção ambiental da Estação Ecológica de Tamoios. Estaríamos andando para trás. Há outras ilhas na região liberadas para a pesca. Por que autorizar logo numa unidade de proteção integral?
Régis Pinto de Lima, chefe da Esec Tamoios, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ressalta que a importância da área se deve à implantação das usinas nucleares:
— A estação foi criada em consequência do programa nuclear brasileiro como uma espécie de compensação ambiental. Se, por acaso, ocorrer algum efeito nocivo proveniente das usinas, é na estação que os pesquisadores serão capazes de detectar os impactos ambientais e reverter o processo.
Atualmente, a estação conta com apenas duas analistas ambientais fiscalizando a área. Como o único barco está inoperante, o remédio é monitorar os barcos pesqueiros acima de dez metros ou 50 toneladas apenas por meio do sistema de rastreamento de embarcações por GPS. Trata-se de um programa recentemente instalado nos computadores da Esec Tamoios, pelo qual é possível perceber se há pesca no local, autuando de imediato os infratores. O Ibama também passa por dificuldades para fiscalizar, pois conta apenas com um fiscal para patrulhar um terço do litoral do estado do Rio com um barco.