As pessoas que invadiram o Residencial Guadalupe, no último domingo (9), ficaram indignadas com as palavras do prefeito do Rio, Eduardo Paes, que teria classificado a invasão como “coisa de malandro e vagabundo”, durante uma entrevista. A maioria são famílias que moram em uma favela ao lado, chamada Terra Prometida, em condições de total miserabilidade. Elas negaram que a invasão tenha sido planejada pelo tráfico de drogas, e dizem que apenas querem o direito de morar dignamente.
Na tarde desta sexta-feira (14), eles permaneciam ocupando os 240 apartamentos dos 11 prédios construídos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, previstos para serem distribuídos por sorteio, em breve. Para se ter acesso ao residencial, que está com os portões principais bloqueados, uma das formas é entrar por um buraco aberto no muro, através da favela Terra Prometida, um amontoado de barracos de madeira, com valão correndo entre as casas, em meio às ruas de terra, que se transformaram em lama com a chuva dos últimos dias.
“A gente não foi sorteada no Minha Casa, Minha Vida. Só que ninguém mais quer morar em barraco. Quando chove, é horrível. Tem gambá, rato, cobra, lagarto. A gente entrou ali porque ninguém aguenta mais esta situação. Nós ocupamos para ver se alguém toma alguma posição”, desabafou Taiane Silva, que mora com um filho em um dos barracos. Segundo ela, não houve influência do tráfico na invasão: “Eles vieram ver, porque é área deles. Mas eles não estão envolvidos. Foram os moradores”.
“Não foi o tráfico que invadiu. É a população que está desesperada, esperando há mais de dez anos neste sofrimento. Nós precisamos. Olha os barracos de madeira, onde moram os nossos filhos. Ninguém faz nada, e o prefeito ainda chama a gente de vagabundo. Se eu fosse ele, teria vergonha de chamar o povo de vagabundo. Manda ele passar uma noite em um barraco desses”, protestou Deise Silva, que mora com três filhos e o marido em um barraco frágil de madeira.
“Quando chove, tem que botar um montão de bacias para que meus filhos não fiquem molhados, dentro de casa. Eu moro de frente para a vala. As crianças não têm onde brincar, pisam no esgoto, cheio de contaminação”, contou Daiane Costa, que mora com dois filhos, em uma casa na parte de trás da favela.
© Tomaz Silva/Agência Brasil Condomínio Guadalupe construído pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, foi invadido no último domingo. Na foto, a favela Terra Prometida, local de onde saiu alguns dos invasores (Tomaz Silva/Agência Brasil)
A vizinha, Gisele da Silva, mora com os quatro filhos em um barraco de um cômodo apenas. Sua principal preocupação é o garoto Tailan, de 2 anos, que nasceu com hidrocefalia, acúmulo de água no cérebro. O menino tem que fazer uma nova cirurgia, para trocar o dreno que alivia a pressão na cabeça, mas ela não consegue marcar uma data. “O estado não dá nada para ninguém. Até hoje estou esperando a cirurgia para trocar a válvula dele. Ele não anda, nem fala, só fica em pé. A casa que me derem está boa, não importa onde. O que eu quero é um teto para os meus filhos. Uma casa digna, uma casa direita”, disse ela, que já se inscreveu no Programa Minha Casa, Minha Vida, mas até hoje não foi chamada.
Dentro do residencial, um dos casos que mais chama a atenção é o da idosa Teresa dos Santos, de 76 anos, chamada por todos de vó. Deficiente visual, sem uma das pernas, ela vive em cima de uma cama e necessita de vários medicamentos. Na Terra Prometida, ela vive em uma casa quase em ruínas, e é cuidada pelos próprios moradores. Agora ela foi colocada em um apartamento térreo, onde sonha em permanecer: “Eu dependo de todo mundo. Quero uma casa. A minha está quase caindo”.
Vó é especialmente cuidada por Daniel Neto, que nega ser um dos líderes da ocupação, mas está à frente das negociações com a Polícia Militar. “Os policiais estão aí pacificamente. Eles nos tratam melhor do que os nossos governantes. O que o prefeito tinha que fazer era nos tratar com dignidade. É muito fácil ficar julgando as pessoas e chamando de vagabundas. Mas vem ver a realidade da gente. O prefeito tem por obrigação fazer pelo povo”, declarou Daniel.
A assessoria de comunicação do prefeito foi procurada, por e-mail e por telefone, para comentar a reação dos moradores da região às suas declarações do prefeito, mas disseram que Eduardo Paes está viajando, em férias, e não iria se pronunciar.
A Justiça determinou, na última quinta-feira (13), a pedido da construtora BR4 Empreendimentos e Participações, a reintegração de posse do Residencial Guadalupe. Em sua decisão, o juiz Paulo José Cabana de Queiroz Andrade ressaltou que, além de força policial, também seria necessário apoio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, Corpo de Bombeiros, Conselho Tutelar e da Secretaria de Assistência Social do Município. A reintegração pode sair a qualquer momento.