Volte para 2011. Dilma Rousseff, mão do PAC, ungida por Lula e eleita, assumiu o poder como a primeira mulher a subir a rampa do Planalto na qualidade de presidente. Seu antecessor lhe passou a faixa aprovado por mais de 80% dos brasileiros. A eleição não foi fácil, sobretudo após o escândalo Erenice Guerra e o debate sobre aspectos morais e bioéticos. Mas Dilma venceu. A novidade naquele ano foi o fim da verticalização e a parceria formal com o PMDB na chapa como vice. E, para celebrar a aliança, um apoio de 100% do partido na primeira votação expressiva, associada ao salário mínimo, sob um novo Congresso empossado algumas semanas depois de a presidente desembarcar no gabinete.
Caminhe agora cerca de dois anos após esse instante. O PMDB já não era mais tão fiel, mas ainda assim a presidente tinha forte maioria no Congresso Nacional e cerca de dois terços dos brasileiros estavam satisfeitos com sua condução - a despeito de uma faxina ética ter deixado vasos quebrados nas relações entre aliados. Estávamos em março de 2013, mas em junho o povo foi às ruas. A popularidade despencou, mas os manifestos não tinham Dilma e o governo federal como alvos específicos.
A insatisfação era generalizada, e respingou sobre diversos políticos e partidos, incluindo uma oposição que não conseguiu se firmar como alternativa clara. Assim, em 2014, a despeito de cerca de 70% do povo clamar por mudanças em pesquisas realizadas pelo Ibope ao longo das eleições, o governo conseguiu se reeleger com bordões do tipo “muda mais” e “novo governo, novas ideias”. A combinação entre a competência do marketing e a incompetência da oposição em firmar-se como alternativa na última década contribuíram para esse final, cujo resultado foi apertado. A ansiedade gerada ao longo de toda a eleição trouxe fissuras políticas entre setores da sociedade, e os dias que antecederam o segundo turno lembraram o saudoso Dominguinhos: “Olha quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai”.
O ambiente esperado para 2015, assim, é bem diferente daquele de 2011.
A presidente Dilma começará seu segundo governo com uma situação econômica ruim e um clima político instável. A reversão desse cenário não parece fácil, e é ainda agravada por fatos como a Operação Lava Jato, com nova fase deflagrada hoje pela Polícia Federal, que prendeu representantes de empresas imensas e um ex-diretor da Petrobras.
Aspectos econômicos à parte – e eles merecem toda a atenção – o clima político não é saudável. PT e PMDB, por exemplo, lutam por espaço dentro do governo - dentro de si e entre si. Os partidos aliados mostram que não se contentarão com menos do que já têm. E a oposição promete ser... oposição.
O Congresso Nacional se pulverizou, nas urnas, em bancadas menores no campo da situação e dos partidos governistas a partir de 2015. Isso oferta ao Executivo a percepção que pode governar sem depender de determinados parceiros, mas também oferece aos partidos o sentimento de que podem se fundir ou formarem bancadas mais consistentes para chantagens mais aparentes. Os movimentos apontam para esta direção, e as negociações que tanto irritam a presidente terão que ser feitas cirurgicamente. Por quem? Dilma e Mercadante não serão lembrados na história por tais habilidade. E Lula? A questão é saber de qual deles estamos falando: de um dos mais hábeis seres políticos do país ou do sujeito ao qual a propaganda de Dilma, estrelada por Chico Buarque nas eleições, atribuiu um peso menor no presente?
Para completar, um elemento que aproxima fantasmas do passado com assombros do presente: a corrupção. Em 2006 e 2010 foi o Mensalão, e a crença popular de que grandes líderes nada sabiam sobre a mesada. Em 2014, o que se chamou de Petrolão, que parte da imprensa diz ser de conhecimento de quem efetivamente manda e cujos novos capítulos foram escritos hoje. Assim: Congresso instável, partidos “parceiros” cobrando caro, oposição mais ácida, cenário econômico frágil e escândalos se adensando. O clima mudou.
Humberto Dantas é cientista político e professor do Insper.
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