Ética é a área da filosofia que estuda o comportamento humano. Portanto, um problema ético de grande relevância e interesse é o preconceito,
uma vez que se trata de um comportamento que cria vários problemas
práticos para o ser humano. Para o filósofo, ou melhor, no âmbito
filosófico, para se tratar do tema, a primeira questão a ser levantada
é: o que é ou em que consiste o preconceito?
A resposta que se dará a essa questão aqui tem como base as ideias do filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio,
cujas posições éticas e políticas costumam ser acolhidas pelos mais
diferentes grupos, sejam de direita ou esquerda, por exemplo. Ao
analisar o preconceito, Bobbio deixa claro que ele se constitui de uma
opinião errônea (ou um conjunto de opiniões) que é aceita passivamente,
sem passar pelo crivo do raciocínio, da razão.
O estereótipo
Em geral, o ponto de partida do preconceito é
uma generalização superficial, um estereótipo, do tipo "todos os alemães
são prepotentes", "todos os americanos são arrogantes", "todos os
ingleses são frios", "todos os baianos são preguiçosos", "todos os
paulistas são metidos", etc. Fica assim evidente que, pela
superficialidade ou pela estereotipia, o preconceito é um erro.
Entretanto, trata-se de um erro que faz parte do domínio da crença, não
do conhecimento, ou seja ele tem uma base irracional e por isso escapa a
qualquer questionamento fundamentado num argumento ou raciocínio. Daí a
dificuldade de combatê-lo. Ou, nas palavras do filósofo italiano,
"precisamente por não ser corrigível pelo raciocínio ou por ser menos
facilmente corrigível, o preconceito é um erro mais tenaz e socialmente
perigoso".
Ao apresentar a base irracional do preconceito, Bobbio levanta a
hipótese de que a crença na veracidade de uma opinião falsa só se torna
possível por que essa opinião tem uma razão prática: ela corresponde aos
desejos, às paixões, ela serve aos interesses de quem a expressa.
Preconceitos coletivos
Bobbio distingue os preconceitos
individuais, como as superstições, por exemplo, dos coletivos. Fixa sua
atenção nos nestes últimos, porque os primeiros são inócuos, não
produzem resultados graves. Ao contrário do que ocorre quando um grupo
social apresenta um juízo de valor negativo sobre outro grupo social.
Dizer que os homens são diferentes entre si é um juízo de fato, mas, a
partir disso, não existem elementos que fundamente juízos de valor que
considerem um grupo de homens superior a outro. É precisamente essa
diferenciação valorativa que costuma servir de base à discriminação, à
exploração, à escravização ou à eliminação de um grupo social por outro.
Racismo no Brasil
O tipo de preconceito mais frequente em
nosso país é o racial. O racismo no Brasil fica mais evidente quando o
brasileiro identifica o negro com seu papel social. A constatação,
obtida por meio de pesquisa, é da psicóloga e professora da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas, Ângela Fátima Soligo.
Em sua pesquisa, a professora pediu aos entrevistados que atribuíssem
dez adjetivos aos homens e mulheres negros. Nessa primeira fase, houve
equilíbrio. Os pesquisados utilizaram adjetivos positivos para definir
os negros, como competentes, alegres, fortes. Em seguida, eles foram
estimulados a qualificar esses adjetivos, atribuindo-lhes
características.
O resultado final revelou que a maioria dos entrevistados, aí incluídos
também os negros, limita-se a reproduzir os chavões sociais. O negro é
alegre porque gosta de samba e Carnaval, forte porque se dá bem nos
esportes e competente para trabalhos braçais. "O adjetivo é positivo,
mas o papel social ligado ao negro mostra um preconceito arraigado na
nossa cultura", concluiu a estudiosa.
Mesmo nas exceções, a regra se confirmou. "Houve um entrevistado que
disse que o negro pode ser um advogado competente, mas apenas para
livrar outros negros da cadeia, isolando-os à condição de bandidos e
marginais". A pesquisa reforçou a tese de que o brasileiro pratica um
"racismo camuflado": em tese, diz que não tem preconceito, mas prefere
limitar as possibilidades e potencialidades da raça negra. Por exemplo,
na pesquisa, não houve identificação do negro com o intelectual ou o
político.
Os dados da pesquisa foram semelhantes em todos os estados pesquisados,
inclusive na Bahia - cuja capital, Salvador, tem população
predominantemente negra e esta culturalmente ligada a tradições
africanas. Ela apontou que o modelo, a conduta e a história dos brancos
são mais valorizados em nossa sociedade. Com isso, os próprios negros
acabam incorporando uma imagem negativa sobre sua raça.
O problema do racismo brasileiro é antigo. Tem início por volta do final do primeiro século de colonização, quando os portugueses constataram a impossibilidade de escravizar os índios. O negro, então, foi trazido à força para o país, para servir de escravo
nas plantações de cana de açúcar. Independentemente da miscigenação, o
negro e os mestiços sempre foram discriminados socialmente no Brasil.
A própria legislação brasileira, durante quase 500 anos, estimulou a
discriminação e o preconceito. Nem após a abolição da escravatura e a
proclamação da República, o negro deixou de ser discriminado. Só em
1988, com a promulgação da Constituição
que está em vigor (art. 5º - inciso XLII), a prática do racismo passou a
ser considerada um crime inafiançável e imprescritível.
Nazismo: um regime político racista
O Nazismo
ou Nacional-Socialismo foi uma doutrina que exacerbava as tendências
nacionalistas e racistas e que constituiu a ideologia política da
Alemanha, durante a ditadura de Adolf Hitler
(1939-1945). O pensamento nazista apregoava a superioridade cultural e
racial dos alemães, que estariam vocacionados a impor-se sobre os outros
povos da Europa. Elegeu como seus inimigos ideológicos o liberalismo e o comunismo, que estariam corrompendo as nações européias e pelos quais seriam os responsáveis o povo judeu.
Considerados como uma raça inferior, além de inimigos do regime, os
judeus foram inicialmente discriminados e, depois, violentamente
perseguidos. Não só na Alemanha mas em todos os países que foram
dominados pelo nazismo, a partir de 1939, os judeus tinham seus bens
confiscados pelo Estado e eram confinados em guetos. Com o início da
guerra, passaram a ser utilizados como escravos. O ápice do projeto
nazista para os judeus, entretanto, era a chamada "solução final",
ou seja, o extermínio de todos os judeus europeus. Estima-se que seis
milhões de judeus tenham sido massacrados pelo nazismo.
Vale, porém, lembrar que o furor do preconceito nazista não se
restringiu aos judeus. Outros povos também foram perseguidos, como os
ciganos, ou considerados inferiores, como os eslavos. O nazismo também
perseguiu e confinou os homossexuais e chegou a instituir um programa de
eliminação dos deficientes mentais da Alemanha.
A esse propósito, pode-se apresentar os diversos tipos de preconceitos
sociais mais frequentes, deixando de lado o racismo, já suficientemente
comentado:
a) Preconceito quanto à classe social:
Em geral, é a tendência a considerar o "pobre" como um ser humano
inferior, em função de sua pobreza, para prevalecer-se dele. A diferença
social não pode ser transposta para o plano intelectual ou moral. Neste
último, em especial, todos os homens desfrutam e devem desfrutar de uma
mesma dignidade.
b) Preconceito quanto à orientação sexual:
Atualmente, é cada vez mais reconhecido, inclusive no aspecto legal, o
direito de o indivíduo se relacionar sexual e afetivamente com outro(s)
indivíduo(s) do mesmo sexo. A escolha sexual não interfere no caráter e
não é obstáculo ao desenvolvimento de qualquer atividade. A
homossexualidade (homo = igual), porém, ainda é muito discriminada no
Brasil, o que é um resquício da sociedade patriarcal e machista que o
país foi até cerca de 40 anos atrás.
c) Preconceito quanto à nacionalidade:
Entre nós, brasileiros, é frequente tachar os portugueses de burros.
Isso também é um vestígio do passado colonial: uma forma de nos
vingarmos do povo que naquela época mandava em nosso país. Em São Paulo,
no começo do século 20, devido à imigração,
havia preconceito contra os italianos, chamados pejorativamente de
"carcamanos". Na Argentina, há décadas atrás, os brasileiros eram
chamados de "macaquitos", por supostamente imitarem as modas vindas dos
Estados Unidos.
d) Preconceito contra deficientes:
Há uma grande diferença entre deficiência e incapacidade. No entanto,
não é incomum que os deficientes sejam discriminados, particularmente em
termos profissionais. Recentemente, o governo brasileiro tem
desenvolvido políticas que visam a integrar o deficiente à sociedade e
coibir a discriminação.
Finalmente, você pode estar se perguntando: tudo bem, já está muito
claro o que é preconceito, como ele se origina e quais são seus tipos
mais frequentes, mas a questão principal é como acabar com ele? Pois
bem, veja a resposta dada pelo próprio Norberto Bobbio:
“Quem
quer que conheça um pouco de história, sabe que sempre existiram
preconceitos nefastos e que mesmo quando alguns deles chegam a ser superados,
outros tantos surgem quase que imediatamente. Apenas
posso dizer que os preconceitos nascem na cabeça dos homens. Por
isso, é preciso combatê-los na cabeça dos homens,
isto é, com o desenvolvimento das consciências e, portanto,
com a educação, mediante a luta incessante contra toda forma
de sectarismo. Existem homens que se matam por uma partida de futebol.
Onde nasce esta paixão senão na cabeça deles? Não
é uma panacéia, mas creio que a democracia pode servir também
para isto: a democracia, vale dizer, uma sociedade em que as opiniões
são livres e portanto são forçadas a se chocar e,
ao se chocarem, acabam por se depurar. Para se libertarem dos preconceitos,
os homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre.”