Policial que investigava o chefe da Rocinha foi preso escoltando criminosos. Governador Sérgio Cabral reclama da dificuldade para expulsar maus policiais
Nem, o traficante que desafiava a polícia do Rio e a Justiça, é conduzido para o blindado 'Caveirão', da PM, para ser levado para o presído de Bangu 1 (Paulo Araújo/AG.ODia)
Por mais genialmente diabólico que seja o bandido, nem na ficção uma quadrilha se estabelece com a mesma facilidade que Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, fincou sua bandeira no coração da zona sul do Rio de Janeiro. Só a corrupção, alimentada tanto pela fartura de dinheiro do tráfico quanto pelo apetite da banda podre da polícia, é capaz de explicar o longo e perverso reinado de Nem, elevado à condição de mito mais pela fraqueza moral dos policiais que deviam combatê-lo que por seus poderes à frente do bando.
A prisão de um policial civil, na tarde de quarta-feira, expõe a extensão dos tentáculos da corrupção na Rocinha. Carlos Daniel Ferreira Dias, agente da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Saúde Pública, foi detido em flagrante, acusado de escoltar comparsas de Nem em fuga, buscando abrigo longe da Rocinha. O policial, ironicamente, já combateu a quadrilha, como mostrou reportagem do jornal Extra desta sexta-feira. Até 2006, Dias era inspetor da 15ª DP (Gávea), delegacia que tem a Rocinha em sua área de responsabilidade. Ele conduziu um inquérito que resultou em processo que tramita na 33ª Vara Criminal contra o bandido.
No mesmo ‘bonde’ que escoltava comparsas de Nem, na quarta-feira, foram presos Carlos Renato Rodrigues Tenório e Wagner de Souza Neves, policiais civis lotados na Delegacia de Roubo e Furtos de Cargas; José Faustino Silva, PM reformado; e Flávio Melo dos Santos, ex-PM.
Não há razões para crer que sejam os únicos, nem que os ‘amigos ocultos’ da facção ‘Amigos dos Amigos’ estejam restritos a poucas unidades das polícias. A prisão de três policiais civis escoltando bandidos causou constrangimento para a instituição. Na coletiva sobre a prisão de Nem, a Polícia Civil não se pronunciou. A ausência, ou o silêncio, de algumas subdivisões da polícia causam estranheza no último capítulo da guerra da polícia contra o tráfico na Rocinha.
Rocinha e Vidigal estão na área do 23º BPM (Leblon). Mas as prisões de bandidos e o cerco são executados não por eles, que são, em tese, os maiores conhecedores daquela área e dos criminosos que lá atuam. Em vez disso, são homens do Batalhão de Choque, que fica no centro do Rio, os escolhidos para o chamado ‘cerco tático’ às favelas. O Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope), sempre presente nas ocupações de favelas para criação de UPPs, também não são, dessa vez, os ‘cabeças’ da operação que antecede a ocupação.
Na manhã desta sexta-feira, o governador Sérgio Cabral (PMDB) cobrou punição aos policiais envolvidos com traficantes e apelou para o Poder Judiciário para que esses homens sejam mantidos foram das corporações das quais são expulsos. As declarações ocorreram na solenidade de assinatura de convênios com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O ministro informou que a Polícia Federal também está mobilizada para identificar e deter policiais envolvidos com traficantes e outros desvios de conduta. Cabral acusou os agentes que protegem ou que fazem negócios com bandidos de ajudar a matar "colegas sérios que estão combatendo o crime”. “A coisa é tão cruel porque eles estão matando os próprios colegas. Aqueles colegas que verdadeiramente estão se dedicando a enfrentar o crime organizado”, afirmou o governador.
Cabral lembrou que muitos agentes processados por desvio de conduta e expulsos das polícias Militar e Civil acabam sendo reincorporados a partir de liminares concedidas pela Justiça.
Ele acredita que o assassinato da juíza Patricia Acioly, morta por policiais que participavam de grupos de extermínio em agosto, deve fazer com que os magistrados passem a atuar de maneira diferente nesses casos.
"A partir do caso Patrícia, eu acho que a Justiça passou a enxergar de uma outra maneira. Porque muitas vezes o cidadão é expulso da PM, é expulso da Polícia Civil, mas consegue uma liminar para as vezes até voltar para a corporação", disse o governador. "Expulsar um policial corrupto ou por má conduta é uma dificuldade. Um delegado, caso se comprove a participação de algum delegado, é uma dificuldade. A Justiça tem que nos ajudar também cada vez mais, como já tem nos ajudado".