Após o Vaticano pedir perdão pela série de pecados cometidos no episódio da Santa Inquisição, pela intolerância, opressão e corrupção, agora é a vez de se desculparem pelos crimes de abusos sexuais cometidos por padres em todo o mundo. Como cristão, reconheço que o perdão deva ser concedido às fogueiras do Santo Ofício, mas, até quando a sociedade seguirá os preceitos cristãos da absolvição à Santa Igreja diante dos mais recentes casos de pedofilia no meio daqueles que estão levando a Palavra de Deus à humanidade?
Fico pensando, de que adianta as desculpas e os sentimentos de desgosto se nada tem sido feito? Toda instituição tem seus problemas internos, a diferença se faz no modo como elas se comportam perante os erros de seus membros. É notório que um dos problemas que originou o grande número de abusos sexuais de padres contra menores é o princípio do celibato, há muito pregado por algumas religiões.
Em vez de enfrentar o problema, as instituições navegam numa esteira de desculpas para a justificação da pedofilia celibatária. A primeira pérola das escusas foi a desastrosa relação entre pedofilia e homossexualidade citada pelo cardeal Tarcísio Bertone. A segunda, e em minha opinião a mais grave, foi a do bispo emérito de Blumenau, Dom Angélico Sândalo Bernadino, que mais parecia ter feito uma descoberta científica. O religioso teve a petulância de fazer um apelo à confusão generalizada que se instalou nas denúncias de pedofilia. Para ele, há uma grande diferença entre os casos de abusos cometidos contra crianças, daqueles contra os adolescentes.
Uma coisa é pedofilia e outra coisa é efebofilia, afirmou Dom Angélico. Minha esperança é de que essa distinção não tenha sido dirigida aos pais das vítimas, como se dissesse: “Olha pai, o caso do seu filho é menos grave porque ele é um adolescente e sendo assim não se trata de pedofilia”.
Hoje, a sociedade espantada com as centenas de denúncias, se vê obrigada a ouvir das autoridades eclesiásticas que um delito originado pelo mesmo ato é menor que o outro, simplesmente porque tem denominação distinta. Que atitude cristã é essa? Seria melhor que se calasse a continuar proferindo essa crueldade contra as vítimas.
E não parou por aí. O arcebispo de Porto Alegre, tentando consertar a desafortunada frase da distinção delituosa, afirmou que a sociedade atual é pedófila. Meu caro leitor, você é pedófilo? O meu ponto de vista sobre esta frase me leva a crer que o arcebispo quis dizer que todos nós temos um desvio de comportamento ligado à sexualidade e que todos somos criminosos, e como tais devemos ser levados aos tribunais, pois isso é pedofilia, ou ainda perdoados por sermos uma maioria, numa leitura ainda mais extrema!
Ora, a pedofilia sempre existiu no ambiente religioso. O problema maior é que ela geralmente é tratada como pecado e nunca como crime. Os criminosos ao invés de serem afastados do sacerdócio, são apenas transferidos de paróquias, disseminando assim suas práticas e fazendo vítimas em diversos territórios. Infelizmente, a falta de punição que vem da própria instituição parece que é recebida como um incentivo às avessas.
É óbvio que não é um caso exclusivo de uma instituição religiosa, mas, o assunto me leva a refletir. Até que ponto uma instituição refém de sua própria doutrina, formulada sem a participação de seus seguidores, tem o direito de avançar em sua missão para defender suas bases e preservar seu bom nome sob a égide do sagrado e de Deus?
Se essa defesa ocorresse em comunidades quaisquer de caráter estritamente fechado, e sua consequência não fosse contaminada pelo resultado invariavelmente perverso que assola para sempre a vítima da pedofilia ou de qualquer outra forma de maldade, talvez houvesse alguma tolerância em nome da autodeterminação estatutária. Ocorre que a pretensão vai além de passar seus dogmas e verdades supremas a seus fiéis quando se tergiversa fatos e se confunde a realidade.
Deus seja misericordioso com todos nós.
*Gilmaci Santos é deputado estadual e presidente do PRB - SP. Também participa das comissões de Defesa dos Direitos do Consumidor e de Economia e Planejamento da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo