Na próxima semana, com a ida de Jair Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial em Davos, o vice-presidente Antônio Hamilton Martins Mourão assumirá o País. Investido no cargo de presidente, o general terá uma oportunidade histórica: a de, num gesto de grandeza, talvez o mais eloquente de sua trajetória, revogar a promoção do próprio filho.
Não é trivial. Recentemente, Mourão deu por encerrada a refrega. Relegou-a a “assunto morto”, de morte matada, não de morte morrida, como dizia João Cabral de Melo Neto. O triplo twist carpado do salário de Mourinho, depois de um ato de generosidade do presidente do Banco do Brasil, não é, ou não deveria ser, como tentou fazer crer Mourão, motivo de regozijo nem para ele, nem para o filho, muito menos para quem neles depositaram as mais sinceras esperanças de mudar o País, a partir do fulgir de uma “nova era”. O futuro presidente interino precisa entender que a glória é fugaz, mas a obscuridade dura para sempre. Ao fim, é como a conclusão melancólica do Eclesiastes (XII, 8) sobre a pequenez da alma humana: ‘vanitas vanitatum et omnia vanitas’ ou “vaidade das vaidades. Tudo é vaidade”.
Se quiser, no entanto, Mourão terá a chance de dar a “meia volta, volver” mais enobrecedora de sua carreira pública. Basta lembrar da distinção estabelecida pelo sociólogo alemão Max Weber entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Quando diz ao filho e funcionário de carreira do Banco do Brasil Antônio Rossell “isso é mérito seu, é uma coisa que é sua, lhe pertence, acabou”, Mourão age movido pela ética da convicção. Mostra-se convicto de que o rebento não errou e, por isso, deve permanecer onde está, sem ser acossado. Equivoca-se, porém. Weber ensinou que quanto maior o grau de inserção de qualquer político na vida nacional, maior deve ser o afastamento de suas convicções estritamente pessoais. Ao primar por um bem maior para o seu povo, o governante maduro, como o Spoudaios de Aristóteles, deve saber a hora de se orientar pela ética da responsabilidade. Ou seja, de colocar a responsabilidade acima da convicção. Pois aproxima-se aquele momento em que estadistas são separados de cambalachos de farda. É contigo, Mourão. Ao abrir mão dos encantos e delícias do poder, mesmo que para o filho, Mourão pai inauguraria uma nova galeria da história, onde perfilaria um militar capaz de prescindir de ser “dono do poder”, como escreveu Raymundo Faoro em seu antológico diagnóstico certeiro da origem do patrimonialismo brasileiro.
Comenta-se em Brasília que, diante da repercussão negativa da ascensão do filho a assessor especial da Presidência do Banco do Brasil, Mourão só não teria forçado a renúncia de Mourinho até agora porque teme sair do episódio ainda mais desmoralizado do que entrou. “Como alterar o Diário Oficial? Está feito”, insiste uma pessoa próxima a ele. Há saída para tudo, ensina a vida nacional. Reza a lenda que, durante o governo JK, o ex-telegrafista dos Correios Rômulo Marinho foi a Alicio Sales Coelho, então diretor do Departamento Nacional do Trabalho, para que ele intercedesse junto ao presidente da República no sentido de permitir-lhe um financiamento do Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Servidores para a compra de uma casa, uma vez que seu casamento estava próximo. Disse-lhe Sales Coelho: “Vou pedir ao presidente, mas se ele escrever autorizo com “s” não é para valer e não vou poder fazer nada. Sei que ele usa esse código secreto”. JK autorizou. Só que com “s”.
Quando tudo caminhava para o infortúnio, Rômulo encontrou uma maneira de revogar a decisão presidencial. Comprou uma Parker 51, idêntica a que Juscelino usava, e rasurou o documento. Resultado: o “s” virou “z” e o financiamento foi aprovado. Popularizou-se, então, o termo canetada. A partir da próxima semana, Mourão estará a uma canetada de alterar o rumo de sua própria história.
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