O ministro do STF Gilmar Mendes embebe-se em fúria toda vez que o acusam de mover-se ao sabor das conveniências pessoais e políticas. Nenhum escrúpulo de delicadeza o detém no arremesso à dignidade de quem ousa criticá-lo. Trata-se de uma compreensível reação humana de quem, não raro, adota comportamentos camaleônicos. Mendes, de fato, prefere ser uma metamorfose ambulante. Senão vejamos. Em 2008, o ministro — então presidente da corte — protagonizou o estrepitoso episódio que resultou na saída de Paulo Lacerda do comando da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Chamou o então presidente Lula às falas alegando ter sido grampeado numa conversa com o ex-senador Demóstenes Torres — segundo o livro Operação Banqueiro, de Rubens Valente, o famoso grampo sem áudio. “Não há mais como descer na escala da degradação institucional. Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário.
É deplorável. É ofensivo. É indigno”, esbravejou o ministro em setembro daquele ano. “Cabe ao presidente da República punir os responsáveis por essa agressão”, acrescentou.
Mais de uma década depois, Gilmar Mendes imprime novas cores a tema análogo. Agora, a invasão da privacidade de um magistrado deixou de ser “deplorável”, “ofensivo”, “indigno” ou “coisa de regime totalitário”. O ministro não se insurge mais contra quem possa ter violado as conversas do então juiz, seja lá quem for. Pelo contrário. Em recente entrevista, disse enxergar a prática de crime nos diálogos, não mais no hackeamento ou grampo — tanto faz. Na última semana, passou a defender abertamente a anulação da condenação de Lula, o mesmo a quem lá atrás havia chamado às falas.
Na época em que Gilmar Mendes foi grampeado sem áudio, o ápice da ousadia política, louvada como uma iniciativa de quem nada tem a temer, era colocar à disposição da Justiça as quebras dos sigilos telefônico, bancário e fiscal. O correspondente hoje de tal destemido gesto é a abertura do whatsapp ou telegram pessoal. Gilmar Mendes aceitaria desvelar o seu? O ministro costuma ler em alemão. Deve conhecer, portanto, a frase cunhada por Franz Kafka em conversa com o escritor germânico Max Brod. Ela se ajusta com perfeição aos nossos tempos: “Há esperança. Esperança infinita, mas não para nós”.
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