Poucos cineastas brasileiros ousam se arriscar na ficção, mesmo depois do avanço da tecnologia e do barateamento dos equipamentos.
Má há indícios de que esse desprezo pelo gênero pode mudar, já que alguns jovens estão ganhando destaque internacional nesse terreno arenoso da ficção científica.
O principal trabalho do tipo é o curta-metragem "The Flying Man", escrito, dirigido e financiado pelo brasiliense Marcus Alqueres, 34, que fez desenho industrial na UFRJ e há oito anos trabalha fora do país como animador. Outros brasileiros fizeram parte da sua empreitada: o roteirista Henry Grazinoli, o animador João Sita e o compositor Roger Lima, que fez a trilha sonora.
Alqueres vive em Toronto, no Canadá, onde concebeu seu curta sobre uma figura voadora estranha que aparece nos céus da cidade e assusta a população --apesar de apenas atacar quem tem ficha criminal.
"A maioria dos filmes de super-heróis é sob a ótica deles mesmos, mas eu queria pensar como seria o outro lado, a surpresa de ver alguém voando", conta Alqueres.
Com bons efeitos especiais e trama, "The Flying Man" começou a se espalhar rapidamente. Em uma semana, havia sido visto mais de 300 mil vezes. O site Vimeo o escolheu como destaque da semana e o jornal americano "USA Today" estampou em suas páginas o sucesso do curta de apenas 9 minutos.
Mas o grande elogio veio de Joe Quesada, chefe criativo da Marvel Entertainment: "Palavras não podem expressar o quanto amei esse curta", escreveu no Twitter.
"Fiquei satisfeito com o comentário, é um reconhecimento por alguém que entende do assunto", diz o cineasta, que sonha um dia adaptar um dos filmes da Marvel para o cinema e já tem um agente em Hollywood para transformar "The Flying Man" em longa-metragem.
Assista "The Flying Man":
Gabriel Kalim Mucci, paulista de 31 anos, não teve o apoio da Marvel na divulgação informal, mas o trailer de seu curta pós-apocalíptico "Lunatique" (veja o trailer) foi uma das atrações do site americano "Twitch", segundo o qual "a América do Sul continua provando ser um celeiro de novos talentos para o gênero".
Os brasileiros seguem o exemplo do diretor uruguaio Fede Alvarez, que foi contratado para dirigir o remake milionário de "A Morte do Demônio", em Hollywood, após seu curta-metragem sobre robôs gigantes virar uma sensação na internet.
VISÃO ROMÂNTICA
"Lunatique", que foi todo filmado no centro antigo de Santos por R$ 200 mil, está agora em pós-produção.
O curta conta a história de uma sobrevivente solitária que precisa fazer incursões pela cidade para angariar mantimentos --até ser caçada por uma criatura. O filme chama a atenção pelo cuidado na direção de arte e pelos ângulos de câmera.
"O cinema de gênero não é valorizado no Brasil, mas tenho uma visão romântica de que posso ajudar a consolidar a ficção científica por aqui", diz Mucci, o diretor formado em cinema pela Faap.
É a mesma ideia de Carlos G. Gananian, 33, ex-sócio de Mucci na Geral Filmes, que rodou o mundo com seu curta vampírico "Akai", em 2006, mas agora investiu em um conto de ficção científica chamado "AM/FM", que fica pronto mês que vem e usa recursos de stop-motion (quadro-a-quadro), animatronics (criaturas animadas mecanicamente) e miniaturas.
O curta é entrelaçado por imagens do presente de um mendigo atacado por visões e por flashbacks em preto e branco que homenageiam antigos filmes do gênero.
Os três cineastas têm em comum a dificuldade de financiar os filmes no Brasil e de mostrá-los em festivais.
"Não sinto entusiasmo com o cinema fantástico por aqui. Será mais fácil fazer um longa fora do que no Brasil, como o diretor de 'A Morte do Demônio'", crê Gananian, também formado na Faap.
"O cinema brasileiro está se solidificando como mercado", diz Cláudio Torres, que dirigiu a comédia de ficção científica "O Homem do Futuro", um sucesso com mais de 1 milhão de espectadores.
"A ficção científica é um gênero curioso no mundo inteiro e não tem aceitação garantida. Mas temos um terreno fértil, como o ET de Varginha, [o paranormal] Thomas Green Morton e pistas de aterrissagem de discos voadores no Planalto Central", diz ele.
É, também, um dos gêneros mais lucrativos do cinema: o filme "Avatar", por exemplo, é a maior bilheteria da história, com US$ 2,7 bilhões em caixa.
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