GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

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Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

sábado, 16 de julho de 2016

GUERRILHA JUDICIAL Magistratura do Paraná se articula para atacar jornal e repórteres nos tribunais

A magistratura do Paraná se articulou para levar o jornal Gazeta do Povo à Justiça depois que reportagens mostraram remunerações de juízes e membros do Ministério Público que ultrapassavam o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o teto do funcionalismo. As reportagens foram publicadas em fevereiro deste ano, e até esta terça-feira (7/6) já são 36 ações, todas em juizados especiais, mas espalhadas em 15 cidades.
Todos os pedidos dos juízes são idênticos, pedindo direito de resposta e indenizações por danos morais, que somam R$ 1,3 milhão, segundo o jornal. De acordo com a Gazeta, os pedidos são sempre no teto do limite do juizado especial, de 40 salários mínimos. Já houve uma condenação, em R$ 20 mil. Das 36 ações, só duas são de promotores.
Para o jornal, é uma tentativa de intimidação e uma forma clara de retaliação pela publicação dos textos. No dia seguinte à publicação da última reportagem, que saiu na versão impressa do jornal, o presidente da Associação de Magistrados do Paraná (Amapar), Frederico Mendes Junior, avisou aos associados, em uma mensagem de voz, que está “providenciando um modelo de ação individual feito a muitas mãos (...) para que cada um, na medida do possível, e respeitadas as peculiaridades do que foi divulgado ali, possa ingressar com essa ação individual” (Clique aqui para ouvir o áudio, divulgado pelo jornalista Zé Beto).
As reportagens constataram que, embora os juízes e promotores recebam salários abaixo do teto, também recebem auxílios e benefícios como forma de “indenização”, que não se submetem a esse limite. De acordo com a reportagem, juízes e desembargadores ganham até 28% acima do teto.
As informações foram descobertas pela editoria de dados do jornal, a partir do cruzamento de informações fornecidas pelo Tribunal de Justiça do Paraná e pelo portal da transparência do estado. Todos os dados são, portanto, públicos. E a Gazeta do Povo faz questão de ressaltar que os pagamentos são todos legais. O que a matéria discute são os subterfúgios usados pela magistratura e pelo MP para fugir da imposição constitucional do teto da remuneração.
Paraná adentro
Outra parte da estratégia dos juízes é pedir em juizados especiais. Por lei, antes de as ações serem instruídas, as partes devem participar de audiências de conciliação. E como as ações são em 15 municípios diferentes, os jornalistas autores das reportagens têm de viajar pelo interior do Paraná para comparecer às audiências.

Em uma das audiências de conciliação, os repórteres e advogados da Gazeta do Povo ouviram de um juiz que seriam ajuizadas outras 300 ações.
Em Brasília, o jornal é representado pelo advogado Alexandre Kruel Jobim. Em maio deste ano, ele ajuizou uma reclamação (Rcl 23.899) no Supremo Tribunal Federal pedindo que o tribunal julgue os casos. Ele se baseia no artigo 102, inciso I, alínea “n”, da Constituição Federal. O dispositivo diz que cabe ao STF julgar processos que sejam de interesse de todos os membros da magistratura ou que mais de metade dos membros do tribunal de origem esteja impedida ou seja interessada no caso.
A relatora, ministra Rosa Weber, negou o pedido no dia 20 de maio. Disse que a competência do Supremo descrita no dispositivo constitucional citado só existe “quando em litígio interesse qualificado como privativo — peculiar e exclusivo — da magistratura”. Também argumentou que a reclamação só é cabível contra decisão judicial que afronta a jurisprudência do Supremo, o que não havia acontecido até a data do julgamento, segundo ela.
Jobim já agravou da decisão, mas o recurso ainda não foi julgado.
Lamentos
Procurada, a Assessoria de Imprensa da Amapar apenas enviou à ConJur as respostas que deu às perguntas da reportagem do jornal Folha de S.Paulo, por e-mail. E, na mensagem o presidente da entidade, diz que, depois das reportagens, “a Amapar recebeu centenas de reclamações, lamentos, manifestações de indignação e desabafos de juízes das mais variadas regiões do estado”.

Frederico Mendes Junior também nega que as ações façam parte de uma ação coordenada. “O magistrado é dotado de capacidade intelectiva e de senso ético e de justiça destacado”, justifica.
Sobre o áudio, diz que ele “decorre de comunicação interna realizada pela associação”. “Cabe a cada associado decidir, caso entenda haver lesão ao seu direito da personalidade, se vai fazer uso das medidas processuais destinadas a reparar ou neutralizar eventual ato ilícito.”
Leia as respostas da Amapar à Folha:
INFORMAÇÕES SOLICITADAS PELO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO
Em 15 de fevereiro de 2016, a gazeta do povo publicou a matéria “TJ e MP pagam superssalários que superam em 20% o teto previsto em lei - Na média, em 2015 procuradores e promotores ganharam 23% a mais. Juízes e desembargadores ficaram com 28% além do máximo legal”.
No bojo da matéria, há conteúdo ofensivo à magistratura e ao Ministério Público, na medida em que, equivocadamente, se averba que Juízes e Promotores estariam a receber acima do teto legal. Acima, por consequência, do previsto em lei. Circunstância indicativa, portanto, de que os juízes e promotores paranaenses estariam a praticar ato ilícito, improbidade administrativa, desvio funcional e, até, crime. Se não bastasse, a matérias replicadas no jornal e na internet trazem a imagem de uma pessoa (ou de um boneco), vestido de toga, que se agarra a um enorme saco de dinheiro, com um sorriso avermelhado no rosto. Numa segunda charge, veiculada em matéria divulgada na internet, consta um homem segurando um saco de dinheiro, dando gargalhadas e apontando para o resto da cidade. Em típica postura de indiferença para com o povo.
Após a veiculação das reportagens, a Amapar recebeu centenas de reclamações, lamentos, manifestações de indignação e desabafos de juízes das mais variadas regiões do Estado. Percebeu-se que, em razão da replicação das reportagens, magistrados de todo Estado passaram a experimentar algum tipo de dissabor ou constrangimento, a exemplo da indagação de populares sobre os supersalários.
1) A defesa do jornal argumenta que há uma “ação coordenada” dos magistrados, numa tentativa de “intimidação da imprensa”. Diz que as iniciais são praticamente idênticas e que nenhum magistrado paranaense é isento para julgar a causa. Qual o posicionamento da Amapar a respeito?
Nos Estado do Paraná, há aproximadamente 1350 associados.
Não há falar-se em controle ou patrulhamento ideológico da figura do Juiz. O magistrado é dotado de capacidade intelectiva e de senso ético e de justiça destacado. Passa por criterioso concurso de ingresso, com, no mínimo, 05 (cinco fases). A propósito, diuturnamente está a resolver conflitos variados inseridos na sociedade. Aplica o direito ao caso concreto visando à pacificação social. De certo, haveria suicídio associativo na pretensão de tentar influir agentes políticos a ajuizar ações contra determinado jornal.
Não há tentativa de intimidação, mas, sim, exercício de um direito constitucional que é o direito de ação. Tanto não há ação coordenada pela Amapar que se tem notícia de várias ações ajuizadas por magistrados não associados.
Nós Juízes valorizamos a liberdade de imprensa. Não há democracia sem imprensa livre e forte. A liberdade de imprensa, em última análise, é a grande acauteladora do sistema de proteção dos direitos fundamentais.
Sem embargo, não há direito absoluto. Se, excepcionalmente, como parece ter ocorrido no caso, houver abuso de direito (art. 187, do Código Civil), pode o lesado – qualquer cidadão - acionar o Poder Judiciário.
Toda lesão em bloco a determinado grupo de pessoas naturalmente tem a capacidade de gerar a aproximação entre os lesados. Estes, obviamente, em razão da origem comum da lesão (reportagens com o mesmo conteúdo) podem dialogar sobre a estratégia a ser adotada por um e outro. O fato de haver a apresentação de ações semelhantes não traz qualquer entrave. As reportagens são delimitadas, com links permitindo acesso à situação individual de cada magistrado (o que não é ilegal, já os dados são públicos), contendo charges, comentários negativos de leitores etc. Em razão de uma única ação por parte do jornal (reportagens), é de se esperar sejam as demandas semelhantes. Há uma mesma causa de pedir (veiculação de reportagens que extrapolam o direito à liberdade de expressão e de imprensa) e um mesmo pedido (dano moral a ser individualmente examinado pelo Judiciário).
Dizer que os magistrados não são isentos é inadequado. O judiciário julga com habitualidade questões envolvendo colisão entre os direitos à liberdade de expressão, manifestação do pensamento e de imprensa, de um lado, e direito à intimidade, à honra e à imagem, de outro, por exemplo. A seguir como correto o raciocínio de que nenhum magistrado paranaense é isento para julgar a causa, teremos de sustentar o absurdo de dizer que os Juízes não podem ajuizar ações, já que ninguém estará isento para julgar seus pares. Não é o que vemos no dia a dia. Inúmeros juízes, quando lesados em seus direitos, com base no acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF/88), direcionam as pretensões ao Judiciário. Uns perdem. Outros ganham. A parte sucumbente pode recorrer e o sistema tem a sua funcionalidade operacionalizada, como em qualquer outro caso.
A Ministra Rosa Weber, ao julgar a Reclamação Constitucional n° 23.8999, proposta pela Gazeta do Povo em face de Juiz de Direito do Paraná, que tentava deslocar para o Supremo Tribunal Federal a competência para o julgamento da questão, negou seguimento. Disse que não comporta, a regra do art. 102, I, da Carta Política, interpretação que desloque para o Supremo Tribunal Federal o julgamento de toda e qualquer ação ajuizada por magistrados; que basta que a causa se reflita em alguns ou muitos magistrados, mas, sim, a todos, direta ou indiretamente interessados.
A ação é um direito público subjetivo de provocar o Estado-Juiz a exercer a jurisdição. Todo o cidadão, indistintamente, tem esse direito de acesso à justiça. Se haverá certificação do direito reclamado é outra questão. Caberá a cada juiz, de acordo com as provas dos autos, assim decidir. A parte insatisfeita (autor ou réu) poderá apresentar inúmeros recursos previstos em lei.
2) O jornal cita um áudio divulgado no blog do Zé Beto em fevereiro, em que o presidente da Amapar, Frederico Mendes Júnior, diz que a instituição está providenciando um “modelo de ação individual” para cada magistrado. Este áudio é autêntico? A Amapar de fato se mobilizou para que cada magistrado entrasse com uma ação indenizatória?
A Associação dos Magistrados do Paraná, por meio da Presidência e da Diretoria, tem a função de atender aos anseios de seus associados. O art. 1º de nosso estatuto alinha, como uma das finalidades da associação, defender interesses relevantes dos juízes, de modo a tomar as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias, inclusive as de natureza coletiva; dar assistência jurídica ao associado.
O áudio citado, de fato, existe e é decorre de comunicação interna realizada pela associação. A Amapar realiza comunicação instantânea com seus associados, inclusive via programas instalados em telefones móveis. Nele se pode observa um esclarecimento ao associado sobre as medidas tomadas pela Amapar após a veiculação das reportagens: a) acesso à assessoria jurídica para estudar as medidas que deveriam ser tomadas; b) reunião com a Associação dos Promotores de Justiça para estudar as medidas cabíveis; c) requerimento ao Tribunal de Justiça esclarecendo a situação; d) realização de reunião com o departamento jurídico da gazeta do povo, visando a obter direito de resposta; e) realização de nota pública esclarecendo os fatos; f) suporte aos magistrados que optem por ajuizar as ações individuais.
A Amapar, após a veiculação da reportagem ofensiva, trabalhou com três frentes de atuação: 1 - retratação do jornal; 2 - ação coletiva; 3 - ações individuais. A ação coletiva não foi adiante, por motivos técnicos. A AMAPAR não tem legitimidade ativa para ajuizar ações individuais.
Cabe a cada associado decidir, caso entenda haver lesão ao seu direito da personalidade, se vai fazer uso das medidas processuais destinadas a reparar ou neutralizar eventual ato ilícito. Tratam-se de pessoas esclarecidas e que trabalham com o direito, com capacidade plena de avaliar a viabilidade técnica e a necessidade de reparação de danos.
Portanto, já se posicionou sobre o tema.
3) Os magistrados argumentam nas ações que o jornal abusou do direito de informar e agiu de forma caluniosa e difamatória. Qual a opinião da Amapar sobre as reportagens?
Sob o ponto de vista eminentemente associativista e de defesa do associado, entendemos que as reportagens da gazeta do povo extrapolaram o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Houve mau uso do direito à liberdade de imprensa.
O próprio jornal gazeta do povo, ao conferir o direito de resposta à Amapar e à Apmp, reconheceu o equívoco da reportagem (http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/direito-de-resposta-conferido-a-amapar-e-a-apmp-b9plqepfhly40y937irhasz9a). Mas o estrago já estava feito.
O nosso posicionamento não é irrefletido, já que está lastreado no entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a ação de arguição de preceito fundamental nº 130 (Relator Min. Carlos Ayres Brito), declarou não recepcionada pela Constituição da República a Lei n° 5.210/1967 (Lei de Imprensa). O Supremo bem delimitou a questão da liberdade de imprensa. A imprensa deve ser livre. Não pode haver – todos nós sabemos – qualquer censura. No entanto, caso haja lesão, após a veiculação da reportagem, o ofendido pode, se assim o quiser, com base na Constituição Federal (art. 5°, XXXV), buscar eventual reparação. O que não se pode conceber é calar a imprensa, evitar que informe a população. A censura “prévia” é de todo indesejada. Mas, se abuso houver, deve ser reparado em momento futuro.

CENSURA JUDICIAL Ministra Rosa Weber suspende ações de juízes contra jornalistas do Paraná

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os processos de juízes do Paraná contra o jornal Gazeta do Povo e seus jornalistas. O caso ganhou bastante repercussão, pois foi uma ação coordenada dos juízes, depois de o jornal publicar notícias mostrando os vencimentos dos magistrados.
Inicialmente a ministra havia negado o pedido dos jornalistas, representados pelo advogado Alexandre Kruel Jobim. No entanto, nesta quinta-feira (30/6), reconsiderou sua decisão na Reclamação 23.899 e concedeu a medida, para suspender o trâmite das “ações de indenização propostas em decorrência de matéria jornalística e coluna opinativa apontadas pelos reclamantes, até o julgamento de mérito desta reclamação”.
Para o advogado Alexandre Jobim, "a reconsideração da ministra Rosa Weber confirma a seriedade e imparcialidade do STF". O abuso do direito de ação, diz ele "será apreciado pelo STF e não por aqueles que possuem interesse nas demandas. Acredito que a liberdade de expressão prevalecerá na linha dos precedentes da Suprema Corte".
O caso é polêmico. Em evento em São Paulo na última semana, a ministra Cármen Lúcia afirmou que as ações coordenadas dos juízes contra os jornalistas deram um novo sentido à expressão "censura judicial". Cármen explicou que, até então, a censura judicial tratava-se de liminares concedidas por juízes para impedir a publicação de determinadas notícias. Agora, com o novo caso, os juízes passaram para o polo ativo do processo.
O jornal já foi notificado de cerca de 40 ações, quase todas em juizados especiais. No entanto, o número pode ser maior. Nos juizados, todos os pedidos dos juízes são idênticos, pedindo direito de resposta e indenizações por danos morais, que juntas ultrapassam R$ 1 milhão, segundo o jornal. Os pedidos são sempre no teto do limite do juizado especial, de 40 salários mínimos. Já houve uma condenação, em R$ 20 mil.

VONTADE POPULAR Lei da Ficha Limpa é constitucional e vale para 2012

O Supremo Tribunal Federal concluiu, nesta quinta-feira (16/2), pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A aprovação, por 7 votos a 4, foi conquistada já com os dois primeiros votos proferidos na sessão desta quinta, pelos ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, que seguiram o relator da matéria, Luiz Fux, a favor da lei.
Os ministros também concluíram que a Lei Complementar 135 pode incidir sobre fatos ocorridos antes da sua vigência, além de terem considerado constitucional o dispositivo que torna inelegíveis por oito anos os políticos condenados por órgãos colegiados da Justiça, mesmo que ainda caiba recurso.
Em relação ao dispositivo que proíbe a candidatura de políticos que renunciaram a mandatos para evitar processos de cassação, a despeito da renúncia ser anterior à vigência da lei, a corte também julgou como válido.
A sessão desta quinta-feira foi aberta com o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que começou evocando o amplo apoio popular à Lei da Ficha Limpa. Ele lembrou que a lei surgiu do amparo de mais de 1,5 milhão de assinaturas e disse que o Supremo estava diante de uma norma que contava, além do anseio popular, com o apoio expresso dos outros dois poderes constituídos. "Estamos diante de um diploma legal que conta com o apoio inequívoco e explícito dos representantes da soberania nacional", disse.
Lewandowski questionou a interpretação de que a lei foi forjada às pressas, carecendo de amparo técnico e qualidade legislativa. Segundo o ministro, a norma foi fruto de "intensos e verticais debates nas duas casas do Congresso". Respondendo às críticas de ministros opositores, Lewandowski disse que a própria lei traz mecanismos que permitem que excessos sejam prontamente reparados.
O ministro Ayres Britto explicou que seu consentimento à lei nasceu justamente da comparação da norma com sua matriz constitucional. Segundo ele, a Lei da Ficha Limpa vem atender o que dispõe o parágrafo 9º do artigo 14º da Constituição, que antecipa o estabelecimento de outros casos de inelegibilidade, além dos previstos pela Carta.
Para Ayres Britto, a própria Constituição reage de forma severa, "drástica na proteção da probidade administrativa", uma vez que "nossa tradição política não é boa [...], é péssima em matéria de respeito ao erário". O ministro não deixou de mencionar, mais uma vez, que a origem etimológica da palavra 'candidato' guarda relação com 'cândido' e que 'candidatura' tem semelhança semântica com 'pureza'. A ministra Rosa Weber já havia defendido, no dia anterior, tese semelhante ao postular que as exigências colocadas aos homens públicos são maiores dos que as apresentadas ao "homem comum".
O voto de Ayres Britto garantiu previamente a aprovação necessária para assegurar a constitucionalidade da Lei Complementar 135. Coube em seguida, como previsto, a Gilmar Mendes exprimir voto de contrariedade aos dispositivos da lei.
Mendes começou afirmando que o princípio de presunção da inôcência não está restrito ao campo penal, sendo, assim, irradiado para todos os aspectos da vida civil e projetando seus efeitos para esferas processuais não penais. "Não cabe a esta corte a relativização de princípios constitucionais dando vazão a anseios populares", opinou o ministro. (clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes)
Mendes citou a obra A crucificação e a democracia, em que o autor Gustavo Zagrebelski defende a tese de que a crucificação de Cristo decorreu de um processo naturalmente democrático para os padrões da época e daquele local, quando então o "anseio das massas" teve um papel decisivo no desfecho da história contada pelos Evangelhos.
Citando o jurista Hans Kelsen, o ministro disse ainda que remeter a aprovação de uma lei ao princípio representando pelo aforismo Vox populi, Vox Dei (voz do povo, voz de Deus) é conceder à população a condição de infalibilidade e onipotência. Gilmar Mendes defendeu que leis com expressivo apoio da opinião pública devem inadvertidamente passar pelo "controle constitucional do juízo".
"A população acredita que a solução para improbidade é a Lei da Ficha Limpa. Daqui a pouco não bastarão o colegiado, o 2º grau", protestou Mendes. "Daqui a pouco isso seria insuficiente. Bastará a denúncia em 1º grau e talvez um inquérito policial", disse.
Mais uma vez Celso de Mello se uniu a Gilmar Mendes nas críticas aos dispositivos apreciados pela corte. "Pode o Congresso, sob ponderação de valores, submeter garantias individuais? Um direito fundamental é marginalizado", disse o decano.
Retroatividade da lei
Logo depois do intervalo, foi a vez do ministro Marco Aurélio proferir seu voto de concordância em relação à nova lei. Marco Aurélio foi o único integrante da corte que não havia se manifestado até o momento de declarar o voto. O ministro provocou um impasse ao dizer que o cálculo de desconto da pena de ineligibilidade, como sugerida pelo relator, decorria execessivamente da "fé na morosidade da Justiça". Ele defendeu o entendimento dos legisladores ao estabelecer o prazo de oito anos, e rejeitou assim a proposta de subtração pelo tempo decorrido entre a condenação e o julgamento de recursos.

Frente a seus argumentos, a ministra Cármem Lúcia mudou seu voto no ponto em que consentia com a proposta do relator. Toffoli também saudou o raciocínio do colega, reconhecendo que o prazo estipulado originalmente pela lei "tem um fundamento constitucional, pois se baseia no cargo de maior longevidade da República, o de senador".
Ao defender o caráter da Lei Complementar 135, Marco Aurélio disse que é diferente "selar o destino de alguém em efeito criminal e o fazer no âmbito de um cargo eletivo". Apesar do voto favorável, o ministro rejeitou o princípio de retroatividade, que estende a pena a casos anteriores à edição da lei.
Penúltimo a votar, Celso de Mello, reconhecendo o voto vencido, criticou o que considera uma afronta ao princípio de presunção de inocência. O decano também criticou severamente o dispositivo de retroatividade. "O Congresso não tem o poder de escolher fatos consumados no passado para, a partir dessa indentificação, elegê-los como critérios para restrição de direitos fundamentais", disse.
Cezar Peluso, que votou por último, contra a lei, bateu na mesma tecla. "Retroatividade maligna", disse o presidente do Supremo, classificando o dispositivo como "confisco de cidadania". "A lei deixa de ter caráter prospectivo e geral passa a ter caráter particular", disse Peluzo. "Se transforma em lei num ato estatal de caráter pessoal de privação de bem jurídico à pessoa determinada."
Adiamentos
O relator da matéria, ministro Luiz Fux, ainda em 2011, considerou a plena aplicabilidade dos dispositivos da lei e que ela deve incidir sobre fatos anteriores à sua vigência. Sugeriu, contudo, que o prazo de suspensão dos direitos políticos ativos por oito anos sofresse desconto pelo tempo que o candidato perdeu com recursos na Justiça. A única ministra, que havia votado com o relator neste ponto, voltou atrás e votou a favor da totalidade da lei.

Os ministros Joaquim Barbosa Rosa Weber, Cármem Lúcia, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram pela constitucionalidade e validade da lei em sua integralidade, pedindo vênia ao relator no que tange ao desconto da suspensão de oito anos pelos anos ocupados, pelo candidato, com recursos na Justiça.
voto do ministro Dias Toffoli confirmou a validade dos efeitos da lei para as próximas eleições municipais, mas rejeitou que o impedimento de candidatura sobrevenha antes do esgotamento dos recursos devidos, o que, em termos gerais, acata a ação de inconstitucionalidade. Gilmar Mendes concedeu procedência total ao pedido de inconstitucionalidade.
O julgamento foi provocado por duas ações declaratórias de constitucionalidade e outra que questionava a alínea da lei. Em novembro, por conta de um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, a corte suspendeu o julgamento. Em dezembro, foi a vez de de Dias Toffoli solicitar maior prazo para estudar a matéria.
A fim de não comprometer o julgamento com novos impasses, a corte constitucional brasileira aguardou a posse da ministra Rosa Weber, mais nova integrante do tribunal para avaliar a extensão e os termos de aplicação da Lei Complementar 135.
Recepção da norma
Mal foi assegurada a maioria na aprovação da nova lei, ainda na sessão desta quinta-feita, e o fato foi saudado por entidades favoráveis à sua vigência nas eleições de 2012.

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, comemorou o acolhimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 30, ajuizada pela entidade. "É uma vitória da cidadania, da ética e do povo brasileiro, que foi às ruas e disse para todo o Brasil que quer mudança na política", disse. "Agora os partidos terão de avaliar se o candidato tem o passado limpo. Isso é muito importante para mudarmos o caminho da política atual no sentido da ética e da moralidade".
O presidente da seccional da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, também saudou o resultado do julgamento como um passo na depuração dos costumes políticos do país. "A aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições municipais de outubro próximo vai ajudar na depuração dos costumes políticos no Brasil", declarou.
"Queremos, de fato, moralizar a política brasileira mas não a custa de perseguição a adversários. Por isso, a Lei da Ficha Limpa põe sobre os ombros do Poder Judiciário uma grande responsabilidade nesse sentido", afirmou.
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), em nota oficial, também saudou a aprovação da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Nas palavras do presidente da entidade, Fernando Fragoso, a decisão atende aos anseios populares e reflete a busca da ética na política brasileira.
Considerando apenas as sessões de quarta e quinta-feira (15 e 16/2), o julgamento conjunto que avaliou a constitucionalidade de alguns dos dispositivos da Lei Complementar 135 levou mais de 11 horas de duração.
No que diferem os votos dos que são favoráveis à Lei da Ficha Limpa?
O ministro Luiz Fux (relator), em voto favorável à lei, entendeu, contudo, que o período de ineligibilidade que pesa contra o candidato (8 anos) deveria sofrer descontos contabilizados pelos anos que o político gastou na Justiça com recursos.

Os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto decidiram pelo apoio integral aos dispositivos da Lei Complementar 135, pedindo vênia a sugestão do relator. Cármem Lúcia inicialmente votou em consentimento com o relator, amparando a sugestão de supressão de tempo do cálculo do tempo de inelegibilidade. Porém, voltou atrás, reconhecendo a constitucionalidade dos dispositivos da lei em sua integralidade.
Marco Aurélio, ao contrário dos demais colegas favoráveis a lei, rejeitou o princípio de retroatividade, que estende o impedimento de candidatura aos políticos que respondem na Justiça por atos ocorridos antes da sanção da lei.
No que diferem os votos dos que votaram contra a Lei da Ficha Limpa?
O ministro Dias Toffoli rejeitou somente o dispositivo que impede a candidatura do político antes do esgotamento do processo judicial, mas consentiu ao entender que a pena possa se estender àqueles que renunciaram o mandato antes da promulgação da lei, embora tenha afirmado não estar totalmente certo sobre sua decisão neste pormenor. Gilmar Mendes rejeitou ambos os dispositivos.

Celso de Mello a exemplo de Gilmar Mendes rejeitou o dispositivo de retroatividade, assim como Cezar Peluso.

CÁLCULO FUTURO Político condenado antes da Lei da Ficha Limpa poderá ser candidato este ano

Como o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu se a Lei da Ficha Limpa pode retroagir para impor prazo de inelegibilidade, é possível que políticos condenados antes da norma sejam candidatos às eleições de 2016, para evitar prejuízos a essas pessoas. Esse foi o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso ao conceder liminar reconhecendo a quitação eleitoral de um político sul-mato-grossense.
Ele conseguiu a certidão na Justiça Eleitoral de Mato Grosso do Sul, embora tenha sido julgado e responsabilizado por abuso de poder político durante a campanha de 2008. A Lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa), de 2010, proíbe por oito anos a candidatura de quem é condenado por órgão colegiado em casos de crimes contra a administração pública.
Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o reconhecimento de quitação eleitoral afrontaria teses do STF — Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.578 — que teriam concordado com a aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores a sua vigência.
Para Barroso, porém, não há certeza de que a questão tratada neste caso foi pontualmente enfrentada pelo Plenário naqueles julgamentos.
Ele disse que alguns ministros se manifestaram em sentido contrário à possibilidade de aplicação retroativa do prazo, e que o Plenário vai analisar o mérito da questão no julgamento do Recurso Extraordinário 929,670, com repercussão geral já reconhecida. O andamento do processo está parado por pedido de vista do ministro Luiz Fux, mas há dois votos contrários à retroatividade.
O ministro apontou ainda o perigo de irreversibilidade de eventual decisão cautelar a ser tomada na reclamação. “Com o início do período eleitoral, avizinham-se as convenções partidárias e o registro de candidatura, de modo que o deferimento da liminar poderia implicar a perda dos respectivos prazos pelo beneficiário da decisão reclamada”, afirmou, em decisão do dia 30 de junho, antes do período de recesso da corte. 

ATENTADO AUTOMÁTICO Lei que restabelecer doações de empresas será inconstitucional, diz Fux

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, avalia que novas iniciativas legislativas restabelecendo o financiamento empresarial de campanhas eleitorais podem ser declaradas inconstitucionais, assim como a corte fez na última quinta-feira (17/9) ao julgar dispositivos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995) que autorizavam a prática.
Uma norma autorizando a doação por empresas, disse, já trará “em si o gérmen da inconstitucionalidade”, como de forma automática. “O STF reconheceu a invalidade da doação de pessoa jurídica para campanha eleitoral. Então qualquer iniciativa que viole essa decisão é considerada um atentado à dignidade da jurisdição, e a lei vai ter o mesmo destino que teve esta”, afirma o ministro.
Em 10 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei alterando a legislação eleitoral e liberando possibilidade da doação de empresas. “Se o Executivo sancionar essa lei, no meu modo de ver, o caminho será o mesmo”, analisa Fux.
Caso o Congresso Nacional aprove uma emenda constitucional que estabeleça o financiamento de campanha, Fux entende que a norma precisaria ser analisada pelo Supremo. “O STF já declarou a inconstitucionalidade de emendas constitucionais, como a dos precatórios”, lembrou o ministro, mencionando o julgamento das ADIs que resultaram na declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 62/2009.
O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, tem visão semelhante à de Fux. Segundo ele, se qualquer lei que restabelecer as doações eleitorais por empresas violar os princípios da isonomia, da paridade de armas, da democracia e da normalidade das eleições - que foram usados pelo STF para fundamentar a decisão dessa quinta -, deverá ter o mesmo destino dos dispositivos questionados pela Lei das Eleições e pela Lei dos Partidos Políticos e ser declarada inconstitucional.
Como esses princípios são cláusulas pétreas e não podem ser alterados via emenda constitucional, o Supremo poderia derrubar as doações de empresas para campanhas eleitorais mesmo se elas fossem reinseridas no ordenamento jurídico por uma norma desse tipo, apontou Lewandowski.
Já está valendo
O presidente do STF também deixou claro que a proibição ao financiamento empresarial de campanhas começou a valer na última quinta. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não gostou do julgamento e fez duras críticas ao Supremo: disse que a proibição vai gerar “um limbo de dúvidas” nas próximas eleições municipais e que pode acelerar a proposta de emenda à Constituição já aprovada por aquela Casa que autoriza as adoções por empresas. O texto seguiu para o Senado.

Lewandowski disse que não queria “polemizar com o presidente da Câmara, que é chefe de um Poder e tem suas razões”. No entanto, destacou que a decisão do STF não deixou dúvidas sobre a inconstitucionalidade da doação às campanhas por pessoas jurídicas. “Entendo que a decisão do Supremo Tribunal Federal foi extremamente clara e ao proclamar o resultado deixei explícito que as normas valerão já para as próximas eleições”, disse.
"Caixa dois"
Na visão de Fux, o entendimento adotado pelo STF também não deverá aumentar o uso das doações ilegais, ou “caixa dois”.  “O panorama atual mostra o quão arriscado é fazer o ‘caixa dois’ e ser descoberto depois, de modo que há um desestímulo. Sem prejuízo, na audiência pública [sobre doação eleitoral] nós tivemos informações de que tudo o que as empresas gostariam é de se ver livres dessa contribuição”, analisou.

“Entendo que o julgamento é importante para a democracia, porque os valores inerentes à democracia pressupõem uma participação livre, uma participação ideológica nas eleições, e essas doações pelas empresas acabam contaminando o processo democrático, o poder político pelo poder econômico, o que é absolutamente inaceitável numa democracia”.
Segundo ele, hoje empresas que não têm ideologia financiam candidatos das mais diversas correntes, colocando em risco a higidez dos princípios republicanos e o Estado de Direito. “Boas reformas politicas têm sido engendradas pelo STF, assim ocorreu com a Lei Da Ficha Limpa, e este julgamento concluído hoje se aproxima da ‘higienização’ do ambiente político”, disse o ministro. 

EXCEDEU A RENDA TRE-SP condena eleitora a pagar multa por doação ilegal nas eleições de 2014

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo acolheu manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral e fixou multa de R$ 69.622,80 a uma eleitora que doou, nas eleições de 2014, R$ 17.575 à campanha do deputado estadual Samuel Antonio Zanferdini. Pessoas físicas podem doar até 10% de seu rendimento bruto pessoal, de acordo com a lei. Os rendimentos brutos da doadora, no ano anterior, haviam sido de R$ 36.504,49. Ela poderia ter doado, portanto, até R$ 3.650,44.
Em primeira instância, a eleitora fora condenada pelo juízo da 266ª Zona Eleitoral (Ribeirão Preto) a multa de R$ 74.159,75. No recurso, ela alegou que teve prejudicado o direito ao contraditório e à ampla defesa em razão de a quebra de sigilo fiscal ter sido efetuada antes do ajuizamento da representação pelo Ministério Público Eleitoral.
Entretanto, o procurador regional eleitoral em São Paulo, André de Carvalho Ramos, esclareceu que a jurisprudência consolidada no Tribunal Superior Eleitoral é de que qualquer informação fiscal destinada à fiscalização dos recursos financeiros utilizados nas campanhas deve ser precedida de autorização judicial. No caso, a representação contra a doadora foi instruída com documentação encaminhada ao Ministério Público Eleitoral pela Receita Federal, feita a partir de cruzamento de dados que resultou em listagem de doação acima do limite legal. Esse procedimento está previsto em resolução do TSE.
Rendimento familiar
No mérito, a doadora alegou que é casada sob o regime de comunhão parcial de bens, e alegou que o rendimento bruto conjunto do casal em 2013, no valor de R$ 197.226,63, seria suficiente para afastar a ilegalidade da doação. Apresentou, para comprovar, a declaração de renda de seu marido. O TRE-SP seguiu o entendimento da PRE-SP e afastou essa alegação, pois atenta contra o objetivo da legislação eleitoral, que estabelece limites pessoais para as doações, desconsiderando o rendimento do grupo familiar.

Carvalho Ramos enfatizou que "a lei eleitoral é bastante clara ao estabelecer a renda pessoal do doador como limite para a doação eleitoral, e não a renda de sua família". "Sem contar que a lei estabelece o crivo entre a doação individual e o rendimento individual. Aceitar o rendimento familiar sem incorporar as doações de toda família faria todo o sistema de controle legal ruir", acrescentou
A manifestação da PRE-SP foi pelo provimento parcial do recurso em razão de a multa, fixada no juízo de primeiro grau em R$ 74.159,75, ter sido calculada a partir do rendimento tributável (R$ 27.430) quando deveria considerar o rendimento bruto da doadora (R$ 36.504). A lei prevê, em doações acima do limite, multa correspondente a cinco vezes o excesso da doação.

FINANCIAMENTO POLÍTICO Projeto quer proibir doação eleitoral por ocupante de cargo de confiança

As pessoas que atuam em cargos de confiança da administração pública ou são donas de empresas que prestam serviços ao poder público podem ser proibidas de fazer doações eleitorais. Foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, nesta quarta-feira (6/7), um projeto de lei que impede esse tipo de transferência quando faltarem seis meses para as eleições, sejam elas municipais, estaduais ou federais.

O texto segue agora para o Plenário do Senado. O projeto, idealizado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), busca evitar que pessoas sejam nomeadas para esse tipo de cargo ou que empresas sejam contratadas em troca das doações. Os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Lasier Martins (PDT-RS) chegaram a propor que a proibição fosse permanente.
Entretanto, o relator, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), optou por adotar a emenda substitutiva apresentada pelo senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que mantém a proibição da doação nos seis meses anteriores à eleição e de os candidatos a receberem três meses antes do pleito eleitoral.
Se a mudança passar, ficam proibidos de doar nos seis meses anteriores às eleições os ocupantes de cargo comissionado ou de função de confiança no serviço público, além de empregados, proprietários ou diretores de empresas prestadoras de serviços terceirizados que tenham contrato com a União, estados, Distrito Federal ou municípios. 

LIBERDADE DE EXPRESSÃO A imprensa não é um mal à democracia nem quem avacalha a política

Desde o regresso da democracia no Brasil, a partir da Constituição de 1988, é comum assistirmos atores políticos e seus respectivos partidos acusando a imprensa de estar a serviço da oposição política daquele momento. Foi assim em todos os governos. Diante das inúmeras revelações das mazelas do Estado, em vez de seus representantes prestarem esclarecimentos à sociedade ou buscar uma correção de rumo, acusa-se a imprensa de ser golpista e de estar a serviço de fins inconfessáveis.
Como disse, todos os recentes governos assim agiram nos últimos anos, mas não há como destacar a postura reiterada daqueles que ocupam três mandatos no governo federal. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência do Brasil em 2002, de lá para cá passaram-se cerca de 12 anos de permanência do Partido dos Trabalhadores no poder, mantendo um discurso absolutamente idêntico durante momentos de crise.
No ano de 2005, no início do que até então se entendia como o maior escândalo da República brasileira, o mensalão, a imprensa fazia cobertura jornalística do assunto, publicando diuturnamente manchetes e informações sobre os descalabros que a sociedade, atônita, presenciava. Cumpre ressaltar que, após as investigações e a decisão da Corte Suprema do Brasil, alguns agentes políticos ainda negam peremptoriamente a existência desse esquema de corrupção.
Como dizia, a imprensa fazia cobertura jornalística dos fatos, que a cada dia pululavam com novas circunstâncias, novas declarações, novos envolvidos. Qual seria o papel da imprensa senão a cobertura crítica desses acontecimentos? Pois bem, diante de todo o material jornalístico desenvolvido pela imprensa brasileira, inúmeros políticos envolvidos nas investigações ingressaram com ações contra a imprensa, acusando-a de forjar dados e perseguir o governo federal, exercitando o papel de oposição.
Dentre os autores dessas demandas está a agremiação política PT, que entendeu por bem buscar no Poder Judiciário tutela jurisdicional contra determinado veículo de imprensa, a fim de que reparasse a perseguição que entendia sofrer, bem como buscava, naquele momento, fazer com que aquele veículo se calasse e nada mais divulgasse a respeito daqueles fatos.
A Justiça paulista, na oportunidade, afastou por completo a pretensão do partido, declarando, com propriedade, que “pode-se discordar ou concordar com os textos, fatos, tom das matérias, temperaturas da crítica e chamadas de capa, mas inegavelmente todas elas se revestem de inegável interesse público” (AP 535.323.4/5-00, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, v.u., Des. Francisco Loureiro).
Passados cerca de 10 anos do início das investigações do chamado mensalão, eis que outro escândalo, de dimensões bem maiores, surge no horizonte da república, tendo como protagonista o mesmo partido que há anos ocupa, de forma legítima, o posto mais alto do sistema presidencialista brasileiro.  E com o escândalo, novamente a ideia de responsabilizar a imprensa, chamando-a de golpista e atribuindo a ela a responsabilidade de uma crise política, de erros cometidos no equilíbrio das contas públicas, do envolvimento de políticos — que até então dispunham de credibilidade perante a sociedade — investigados e denunciados pelo Ministério Público.
No V Congresso do Partido dos Trabalhadores, a maior liderança do partido, que tem voz nos fóruns internacionais sobre democracia, debochou das inúmeras demissões de jornalistas, como se fossem adversários políticos, argumentando que teriam como causa o desinteresse da sociedade pelas mentiras produzidas pela imprensa. Em outros tempos, declarou que a imprensa é um mal à democracia. No recente programa eleitoral de seu partido, asseverou que a imprensa criminaliza o partido.
O espaço aqui não é para criar um contraditório e demonstrar que, de fato, o partido tem suas principais lideranças envolvidas em crimes, mas sim que é dever da imprensa realizar cobertura jornalística de fatos de interesse da sociedade. Se tais fatos acabam por, recorrentemente, afetar os interesses do governo, não é a imprensa a responsável pela criação deles. A imprensa noticia o que acontece.
Também é bem natural que o noticiário se ocupe, em quase sua totalidade, dos escândalos — públicos — desses últimos anos. Não nos parece razoável que desvios de dinheiro, demissões de ministros, prisão de políticos, governos ineficientes e promessas impossíveis possam passar à margem do noticiário. Ignorar tais fatos — aí sim — constituiria violação ao dever de informação à sociedade de assunto de seu interesse, conforme previsão expressa no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal.
É verdade que, se linhas ideológicas existem nas redações dos veículos de comunicação, melhor que sejam reveladas. Nem por isso — aliás, bem longe disso — as matérias veiculadas com eventual linha ideológica ou política são, por si sós, ilícitas. Não é a isenção de quem elabora um texto, bem como a quantidade de notícias a respeito de determinado político ou partido, que qualifica o material jornalístico como lícito ou ilícito, mas sim o interesse público e a verdade revelada.
Aliás, sobre o argumento de que “só falam de mim”, quando utilizado nos autos do processo acima referido, foi plenamente provado o contrário, tendo o acórdão feito merecida referência a isso:
A Editora Abril, que faz circular a revista semanal Veja, ao fazer a juntada de inúmeras capas de periódicos anteriores (inclusive das concorrentes Época e Isto É), provou que a exposição de partidos políticos representativos nas manchetes não ocorre por opções de critérios pessoais e políticos dos redatores, mas, sim, porque caracterizam fatores sociais que reclamam chamadas ao conhecimento. Ficou provado que isso se deu no tempo do governo de Fernando Collor e no de FHC, do PSDB, revelando a falta de prova da denúncia do partido sobre o sentido predatório dirigido para escarnecer essa ou outra entidade de políticos.”
Absolutamente natural que a imprensa fale do exercício do governo federal em maior quantidade, pois, como ensina Duane Bradley (A Imprensa: Sua Importância na Democracia, tradução de Pinheiro de Lemos, Ed. O Cruzeiro, RJ, 1966, p. 76), “o governo é uma das maiores fontes de notícias que interessam ou devem interessar a todos os cidadãos”.
Recentemente, os noticiários deram conta de que novamente lideranças do governo avançam contra a imprensa no Judiciário por causa da cobertura jornalística que se faz neste novo momento de crise. O papel da imprensa neste mais novo retumbante escândalo tem sido fiel ao normativo constitucional, mesmo que, por algumas vezes — ou mesmo que em todas as vezes —, tenha se valido de uma verve exaltada e ácida, o que, como já declarado pelo Supremo Tribunal Federal, não constitui crime ou qualquer ato ilícito, menos ainda quando o objeto da notícia crítica é uma autoridade pública:
“O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado.” (Min. Carlos Ayres Brito, j. 30.04.2011)
Portanto, a julgar pelas notícias que ocupam as Redações de jornais, revistas, rádio e televisão, que divulgam a cada dia desvios bilionários de dinheiro, delações homologadas, tentadas e prometidas, detenções, envolvimento de políticos de diversos partidos e, sobretudo, aliados ao governo federal, não é a imprensa um mal à democracia, tampouco é ela quem avacalha a política, como Lula disse em certa ocasião.
Ao olhar o cenário político atual, percebe-se bem quem faz mal à democracia e avacalha a política, e, nessa perspectiva, melhor nos filiarmos ao entendimento de Millôr: “a imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO Imprensa ajuda no controle da legitimidade da utilização dos recursos públicos

Em um dos primeiros artigos aqui na ConJur, escrevi a respeito do direito de acesso à informação. Na oportunidade, discorremos acerca do princípio da transparência, valor fundamental para a democracia, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Reiteramos a ideia de que a Constituição e a Lei 12.527, Lei de Acesso à Informação, tratam a transparência como regra geral a guiar os objetivos da república, indicando, como exceção a esse valor maior, situação que importar risco à segurança da sociedade e do Estado.
Chamamos a atenção para a administração pública, em especial a federal, que negava recorrentemente o acesso a documentos e informações públicas, estabelecendo como regra a não observância dos valores de transparência. Citamos alguns casos já judicializados, como, por exemplo, o mandado de segurança impetrado pelo jornal Folha de S.Paulo — e seus jornalistas — em face do BNDES, objetivando acesso ao relatório técnico em que o banco fundamenta as razões pelas quais concede ou nega empréstimo a entidades públicas e privadas.
No caso mencionado, muito embora o Tribunal Regional Federal da 2ª Região tenha concedido a ordem, os documentos ainda não foram acessados pelo veículo de comunicação, pois em primeira instância o processo foi suspenso, aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal[1].
Acontece que, mesmo diante de uma verdadeira avalanche de suspeitas de desvio de dinheiro público, o que deveria impor ao governo uma maior transparência de seus atos, fazendo valer a afirmação de Bobbio[2], quando define “governo da democracia como o governo do poder público em público”, temos que a sociedade continua restringida do exercício do direito de acesso a algumas informações e documentos, tais como os critérios que justificam a concessão de recursos públicos pelo BNDES.
Em função dos acontecimentos revelados por investigações que acabam por trazer à baila algumas mazelas do Estado, começa-se a olhar com maior desconfiança para os recursos empregados pelo BNDES. Apenas para resumir esse interesse público a respeito do assunto, que não é de hoje, é sabido que o referido banco aplicou bilhões de reais no grupo JBS, cuja transação acabou por ser objeto de requerimento de instauração de inquérito civil pelo Ministério Público. Também o Tribunal de Contas da União questionou operação envolvendo milhões de reais emprestados para empresas de Eike Batista. Mais recentemente, o mesmo TCU questiona o BNDES a respeito de contratos de empréstimos a governos estrangeiros.
Acontece que, recentemente, foi publicado no jornal Folha de S.Paulo, e também nesta revista eletrônica, notícia que dá ao nosso Estado Democrático um certo alento, uma efetiva esperança de que a sociedade poderá tomar conhecimento do que, até hoje, tem sido tratado com sigilo inexpugnável: a motivação das decisões do BNDES para a concessão de empréstimos.
Mais uma vez provocado pelo jornal Folha de S.Paulo, o BNDES negou administrativamente acesso aos referidos documentos, o que motivou o ingresso de novo mandado de segurança contra o referido Banco de Desenvolvimento. O caso chegou ao Tribunal Regional Federal pela via do agravo de instrumento, interposto contra decisão de primeira instância que, a despeito de reconhecer a verossimilhança do direito, deixou de deferir a liminar sob o argumento de ausência de urgência. O desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a quem foi distribuído o agravo, deferiu a tutela antecipada recursal, determinando a apresentação do relatório em que estão presentes as informações e os fundamentos para a concessão de empréstimos pelo BNDES.
De forma acertada, disse o relator:
“...levando em consideração a característica da atualidade das informações de modo a permitir o exercício da atividade relacionada à imprensa quanto aos dados existentes nos arquivos do BNDES referentes às operações de financiamento ou empréstimo realizadas com valores acima de um milhão de reais no período de abril de 2011 a dezembro de 2014. É fato público e notório que há proposta de instalação de CPI em uma das Casas Legislativas referentes à atuação do BNDES, sendo atividade dos órgãos de comunicação social também o levantamento de dados para permitir a maior transparência possível à população a respeito do uso dos recursos públicos”.
A bem lançada decisão colocou novamente luzes à questão da participação da imprensa nesse processo de verificação e vigilância das coisas públicas, fazendo cumprir norma insculpida no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal. Na atual proposta constitucional, sabidamente democrática e com participação ativa da sociedade, a imprensa possui papel de destaque, na medida em que revela informações que consultam o interesse público, permitindo o acompanhamento vigilante da sociedade. O direito que a sociedade tem à informação dos atos praticados pela administração pública constitui premissa de todo Estado democrático.
De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto da Costa Rica), adotada em 1969, à qual aderiu o Brasil em 1992, o direito à liberdade de pensamento e expressão inclui não apenas o direito à liberdade de um indivíduo de expressar o seu próprio pensamento, mas também o direito e a liberdade de buscar, receber e distribuir informação e ideias de todo tipo. Ao expressamente dispor sobre o direito de buscar, receber e divulgar informação, o artigo 13 da Convenção protege o direito de todos os indivíduos de requerer acesso à informação ao Estado que a detém. Consequentemente, esse dispositivo protege o direito do indivíduo de receber informações e institui a obrigação do Estado em provê-la.
Ora, como já tivemos oportunidade de escrever em outros artigos, não é democrático um Estado em que as decisões políticas sejam tomadas sob a penumbra, sem que sejam dadas a conhecer não apenas as deliberações em si mesmas, como também as razões que as inspiram, uma vez que se tratam dos critérios utilizados pelos representantes do povo[3].
A propósito, o ministro Luiz Fux, no julgamento do Mandado de Segurança 33.340, impetrado pelo TCU contra o BNDES, foi bastante feliz ao dizer: “Quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos”.
O controle da legitimidade da utilização dos recursos públicos se faz, também, pelo papel exercido democraticamente pela imprensa como difusora de informações de interesse público e fiscalizadora dos agentes do Estado.
Para encerrarmos com uma citação, vale a lembrança do saudoso Norberto Bobbio: existe uma diferença entre autocracia e democracia, sendo que naquela o segredo do Estado é uma regra, e nesta, uma exceção regulada por leis que não lhe permitem uma extensão indébita.

DEMANDAS DA SOCIEDADE Estatuto das Famílias corrige enganos e injustiças

A propósito do debate aberto em face do trâmite legislativo da proposta denominada ‘Estatuto das Famílias’, apresenta o IBDFAM o seguinte pronunciamento:
O mundo viu nas últimas décadas as profundas alterações pelas quais passou a sociedade contemporânea. No Brasil, especificamente, mais liberdade, mais garantia de direitos, mais aceitação da diferença e dos diferentes. E o mais importante de tudo, o afeto sendo objetivamente reconhecido como norteador das decisões nos Tribunais do mais humano dos Direitos: o Direito das Famílias, antes marcado pela valorização da família patriarcal, com consequente exclusão dos interesses dos demais membros da família, e a prevalência do patrimônio ao invés das relações, e hoje, a busca permanente pela realização das pessoas.
Defender a família corresponde à proteção das mais diversas formas jurídicas de expressão do afeto, com liberdade e responsabilidade. O Estatuto das Famílias veio para corrigir a distância entre a realidade da vida e as normas. É o maior projeto de lei já criado para beneficiar todas as formas de família, e foi apresentado no Senado Federal neste mês pela Senadora Lídice da Mata (PSB-BA). A legislação atual está ultrapassada e defasada em relação à realidade da família que, hoje, deixou de ser essencialmente um núcleo econômico para dar lugar à livre manifestação do afeto. A apresentação do Estatuto das Famílias no Senado é um modo de debater, alterar e ampliar a proposta original. 
O projeto é de autoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), instituição técnico científica sem fins lucrativos fundada há 16 anos e reconhecida pelo Ministério da Justiça como entidade de utilidade pública federal. Reúne milhares de incansáveis especialistas, profissionais que lutam para atender as demandas da sociedade. Diante dos novos desafios, são previstas novas expressões das relações nas famílias, como, por exemplo, nos seguintes cenários: uma família movida durante anos pelo afeto, pelo companheirismo, mas desprovida de laços biológicos ou documentais, como é caso dos filhos do coração. Ou um filho que nunca recebeu afeto. O que o IBDFAM defende são os direitos de todas as famílias, independentemente de sua composição. Matrimonial, extramatrimonial, plural: eis o retrato das famílias nos dias de hoje. Essa nova fotografia deve ser captada pela lei. O Estatuto das Famílias tem esse objetivo, corrigir enganos, exclusões, injustiças, desrespeitos e a falta de responsabilização das pessoas pelos seus atos.
Para as novas famílias se propõe uma nova lei, atenta à força construtiva dos fatos e à valorização das famílias como refúgio do afeto, imprescindível à felicidade e à formação sadia da personalidade.
O Projeto de Lei reúne as principais demandas das famílias brasileiras, como exemplos, a inclusão da paternidade socioafetiva, a tese do abandono afetivo, alienação parental e as famílias recompostas, alguns dos avanços que o Instituto propõe inserir no ordenamento jurídico brasileiro, após a tramitação da proposta no Senado e na Câmara.
O texto originário foi elaborado no primeiro semestre de 2007 a partir de grandes eixos temáticos aprovados em congresso nacional da entidade, que, por sua vez, resultaram da consolidação de estudos voltados à modernização do direito das famílias brasileiras, de acordo com as transformações sociais nestas, ocorridas nas últimas décadas, particularmente após o advento da Constituição de 1988.
O anteprojeto foi perfilhado pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), que o submeteu à Câmara dos Deputados mediante o Projeto de Lei 2.285/2007. Na Comissão de Família e Seguridade Social, o projeto foi aprovado, porém com acréscimos e supressões, que desfiguraram ou suprimiram algumas de suas partes essenciais, afetando-lhe, notadamente, o modelo adotado de reconhecimento jurídico amplo das entidades familiares existentes em nossa sociedade. Essas restrições, em desacordo com as normas constitucionais, refletiram os interesses de grupos tradicionalistas e religiosos, contrários, principalmente, à tutela jurídica das uniões homoafetivas. Com tal comprometimento em suas finalidades, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Apesar disso, deputados representantes desses grupos recorreram ao Plenário, em 2011, com intuito de impedir sua aprovação final.
Apesar dos óbices criados para aprovação do Estatuto das Famílias, várias e importantes leis entraram em vigor, desde 2007, coincidentes com temas nele versados ou disciplinando matérias novas. Entre as mais importantes, podemos indicar: a) a Lei 11.698, de 2008, que instituiu a convivência compartilhada; b) a Lei 11.804, de 2008, que introduziu o direito aos alimentos gravídicos atribuídos à gestante; c) a Lei 11.924, de 2009, que, mudando a lei de registros públicos, autoriza o enteado a acrescentar o sobrenome do padrasto ou madrasta, ampliando o reconhecimento da família recomposta; d) a Lei 12.004, de 2009, que disciplina o efeito da recusa ao exame de DNA, na investigação da paternidade; e) a Lei 12.010, de 2009, que alterou inteiramente a sistemática da adoção, além de introduzir o direito ao conhecimento da origem genética sem efeitos de parentesco e o consentimento da gestante para entrega da criança para adoção; f) a Lei 12.013, de 2009, que, mudando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ampliou para o genitor separado e não guardião o direito de receber informações sobre a vida escolar de seu filho; g) a Lei 12.036, de 2009, que modifica a Lei de Introdução para melhor recepcionar o divórcio realizado no estrangeiro; h) a Lei 12.133, de 2009, que suprimiu a intervenção do juiz para a habilitação ao casamento; i) Lei 12.318, de 2010, que disciplinou a denominada alienação parental. Essa fragmentação legislativa demonstra a insuficiência do Código Civil de 2002 para lidar com a complexidade atual das relações de família.
A mais importante alteração legislativa após 1988, com grande impacto no direito de família brasileiro foi a Emenda Constitucional 66/2010, promulgada pelo Congresso Nacional, que deu nova redação ao parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal, suprimindo a separação judicial e o requisito de tempo para realização do divórcio. A entrada em vigor da Emenda implicou total reformulação do projeto do Estatuto das Famílias, para dele suprimir a regulação da separação judicial ou extrajudicial e de seus efeitos, além de sistematizar as matérias relativas ao divórcio, à separação de fato e à separação de corpos.
Por fim, mas não menos importante, o STF, no julgamento da ADI 4.277, em 2011, reconheceu explicitamente a união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe os mesmos efeitos da união estável heterossexual, com efeito vinculante, encerrando a controvérsia sobre sua fundamentação constitucional. Evocando os mesmos princípios constitucionais utilizados pelo STF na ADI 4.277, o STJ decidiu (REsp 1.183.378), igualmente, pela legalidade e constitucionalidade do casamento direto de casais homossexuais e não apenas por conversão da união estável. Nesse mesmo sentido, o CNJ editou a Resolução 175, de 2013, determinando que os oficiais de registro de casamento recebam as habilitações para casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa virada de Copérnico revelou a natureza puramente ideológica e preconceituosa dos grupos tradicionalistas que rejeitaram a inclusão no projeto do Estatuto das Famílias dessas uniões.
Essas são razões suficientes para recomendar ao IBDFAM o abandono do projeto inicial e a reformulação do Estatuto das Famílias, o que foi feito, após consultas aos especialistas e discussões aprofundadas em comissão de juristas, especialmente convocada. Esse novo texto atende, também, as sugestões recebidas após o início de sua tramitação legislativa.
O Estatuto das Famílias não é um código legal monotemático. Corresponde, muito mais, ao modelo legal plural dos denominados microssistemas jurídicos. Sua principal característica é a conjugação, no mesmo diploma legislativo, de normas de direito material e normas específicas de direito processual, além de normas de procedimentos exclusivos, como a habilitação para o casamento.
A doutrina jurídica contemporânea das relações de família tem salientado a inadequação de sua permanência no Código Civil geral. Não mais se aceita que relações existenciais estejam submetidas à mesma lógica das relações patrimoniais, que são predominantes na legislação civil, ainda que temperadas pelo esforço de algumas escolas doutrinárias no sentido de orientar as segundas à realização da dignidade da pessoa humana. Conceitos e categorias gerais da dogmática civil, cujos paradigmas são as relações patrimoniais e econômicas, são dificilmente ambientadas às relações existenciais, com evidente prejuízo para estas. Não podem ser tratadas no mesmo plano, por exemplo, as relações havidas entre proprietário e possuidor e entre pais e filhos.
O universo existencial onde são plasmadas as relações de família aponta para conceitos e categorias que se distanciaram, fortemente, das que se empregam nas relações civis em geral e da própria história do direito de família. O novo projeto do Estatuto das Famílias não procurou soluções que se constroem em outros sistemas jurídicos, mas na realidade brasileira, tal como se apresenta no século XXI. Assim, converte em normas claras o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial bem sucedido da socioafetividade na filiação, que relativizou a tradição hegemônica da consanguinidade legítima, uma vez que a filiação consanguínea extramatrimonial é de recente reconhecimento jurídico. O direito à convivência substitui o ultrapassado modelo de guarda exclusiva e de direito de visitas, iluminado pelo princípio do melhor interesse do filho. Do mesmo modo, sepultam-se definitivamente os resquícios do pátrio poder — atenuado pelo poder familiar do Código Civil — em prol da autoridade parental, que não é poder, mas sim complexo de direitos e deveres no interesse dos filhos.
O novo projeto do Estatuto das Famílias ingressa no Senado Federal, agora com a iniciativa legislativa da Senadora Lícide da Mata, na boa companhia do amadurecimento da sociedade brasileira, da doutrina jurídica, das recentes leis e decisões judiciais, retomando-se o esforço de propiciar ao Brasil uma lei ordinária que honre os valores sociais vertidos nos avançados e generosos princípios de nossa Constituição, para a adequada regulação das relações familiares, em nosso tempo.
O IBDFAM aplaude e conclama ao debate, mesmo quando a crítica à proposta contenha, no falso vigor da vanguarda do atraso, uma leitura propositadamente equivocada e distorcida; repele, apenas, a má fé hermenêutica. Propõe, por isso, um diálogo construtivo que não seja, no Brasil de hoje, como escreveu José Saramago, um ensaio sobre a cegueira. Jogar luz sobre os novos direitos e deveres das famílias é o propósito que anima o IBDFAM.
Em Araxá, durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, encerrado na última sexta-feira, dia 22 de novembro de 2013, assinam pela diretoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM):
Rodrigo da Cunha Pereira
Maria Berenice Dias
Eliene Bastos
Giselda Hironaka
Giselle Câmara Groeninga
Luis Edson Fachin
Paulo Lôbo
Rolf Madaleno
Zeno Veloso

EXCLUSÃO DE SOBRENOME Mudança de registro civil por capricho dos pais é rechaçada na Justiça

O "simples capricho" dos pais em pedir a exclusão de sobrenome, não é motivo suficiente para que o Judiciário aceite o requerimento. Assim entendeu a 6ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, seguindo voto do desembargador Alexandre d'Ivanenko, relator da matéria. 
A 6ª Câmara confirmou sentença de Balneário Camboriú para negar recurso de uma criança, representada pelos pais, que desejava retirar um dos sobrenomes do pai de seu registro civil. O argumento para o pedido é que o cartório se recusou em registrar o nome escolhido pelo casal, fato que resultou no acréscimo de mais um sobrenome paterno.
Em apelação, os pais alegaram que conseguiram fazer a mudança do sobrenome de sua outra filha, e que, caso indeferida a inicial, as crianças precisariam explicar o porquê de terem os sobrenomes diferentes, mesmo que filhas dos mesmos pais, situação que poderia ser constrangedora. A decisão foi unânime. 

PRETENSÃO JUSTIFICADA Filho abandonado desde a infância pode excluir sobrenome paterno

Com base no entendimento de que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça autorizou a exclusão dos sobrenomes paternos do nome civil de um rapaz, que foi abandonado pelo pai na infância. A 3ª Turma ainda permitiu o acréscimo do sobrenome da avó materna.
O rapaz recorreu ao STJ contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que acolheu o pedido de inclusão do sobrenome da avó em seu nome civil, mas manteve os sobrenomes paternos com base nos princípios da imutabilidade do nome e da indisponibilidade do sistema registral. Para o tribunal paulista, a mudança descaracterizaria o nome da família.
No recurso julgado pela 3ª Turma, o rapaz sustentou que a decisão violou o artigo 56 da Lei 6.015/73, já que estariam presentes todos os requisitos legais exigidos para a alteração do nome no primeiro ano após ele ter atingido a maioridade civil. Argumentou, ainda, que não pediu a modificação da sua paternidade no registro de nascimento, mas somente a exclusão do sobrenome do genitor, com quem não desenvolveu nenhum vínculo afetivo.
Posição flexível
Citando vários precedentes, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que o STJ tem sido mais flexível em relação à imutabilidade do nome civil em razão do próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade.

Para o relator, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, a pretensão do recorrente está perfeitamente justificada nos autos, pois, abandonado pelo pai desde criança, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna.
“Ademais, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, parece sobrepor-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos”, ressaltou o ministro em seu voto.
Ao acolher o pedido de retificação, Sanseverino enfatizou que a supressão do sobrenome paterno não altera a filiação, já que o nome do pai permanecerá na certidão de nascimento. A decisão foi unânime.