Um ano depois que o rompimento da barragem do Fundão da mineradora Samarco, da Vale e da BHP, em Mariana (MG) matou 19 pessoas e despejou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, o Brasil corre o risco de ver desastres como esse proliferarem por seu território.
O alerta é de Fabiana Alves, coordenadora da campanha de água do Greenpeace.
Ela se refere ao
PLS 654 de 2015, proposto pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), que sinaliza regras menos rígidas e prazos mais curtos para a obtenção da licença ambiental.
“Não vai ser só o rompimento da barragem Samarco. Outros empreendimentos vão ter outros problemas já que não se está levando o licenciamento ambiental a sério”, afirmou.
Veja trechos da entrevista que ela concedeu a
EXAME.com na última quinta-feira por telefone.
EXAME.com: O Ministério Público abriu um inquérito contra 22 pessoas e quatro empresas ligadas ao desastre em Mariana, mas nenhum ente governamental foi penalizado. O poder público também tem culpa na tragédia que aconteceu em Minas Gerais no ano passado?
Fabiana Alves: Tudo nos dá indícios de que a Samarco sabia que a barragem poderia romper. No momento em que uma empresa mineradora está atuando, deveria haver um governo verificando se ela está fazendo isso da maneira correta. Então, há, sim, uma responsabilidade governamental.
Onde os governos falharam nesse processo?
Vou falar como o governo federal pode continuar falhando nesse processo. Quando você tem passando no Congresso um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental em vez de torná-lo mais responsável com melhores mecanismos, há um problema que pode resultar em várias fábricas de Mariana. Não vai ser só o rompimento da barragem Samarco. Outros empreendimentos vão ter outros problemas já que não se está levando o licenciamento ambiental a sério.
É importante salientar também a responsabilidade do governo estadual de Minas que fechou um acordo com a Samarco, que agora está anulado, dando aval para que a empresa que cometeu o crime seja a responsável total por aquilo que será feito com os atingidos e com o meio ambiente. A gente está falando de um impacto que vai durar mais de dez anos. Então, me parece mais algo criado para inglês ver.
Você disse que o impacto do desastre pode durar mais de dez anos. Nesse período, será possível ver o Rio Doce recuperado?
Ninguém atualmente consegue dar essa resposta. Mas diante da situação que você vê um ano depois do desastre … Você vê um rio Gualaxo ainda cheio de lama, com a margem inteirinha com um nível de ferro muito alto que impede o crescimento de plantas. Você fica imaginando quanto tempo vai levar para recuperar esse rio. Tem como recuperar o Rio de maneira correta? Claro que tem. Só que falta força de vontade.
Como foi o processo de recuperação em locais com desastres semelhantes?
Não há nenhum tipo de desastre comparado ao que aconteceu aqui.
Após o rompimento das barragens, havia alguma maneira de impedir que o desastre tomasse essas proporções?
As hidrelétricas que existiam pelo meio do caminho chegaram a segurar parte da lama. Mesmo assim, você tem que ter um plano de segurança adequado em casos de acidente. Como a Samarco não tinha, fica difícil saber como eles poderiam ter segurado essa lama. Por isso é tão importante ter um documento sério de impactos em caso de acidentes, porque aí se pensa, por exemplo, se a lama for a todo rio Doce, que partes do rio poderiam conter essa lama…
O que falta no Brasil, em termos de legislação, para evitar que casos semelhantes aconteçam?
A flexibilização do licenciamento ambiental é um erro. Isso não pode acontecer. Isso não é desenvolvimento. Você achar que vai desenvolver um país com construção de infraestrutura imprópria é um erro. Desenvolvimento está associado à segurança das pessoas e do meio ambiente, e à qualidade de vida das pessoas. Esse licenciamento ambiental que está em curso no Congresso vai na contramão de tudo isso.
Outra coisa é o novo Código de Mineração que tem que ser muito bem olhado e cuidado. A parte de segurança de grandes barragens tem que estar muito bem explícito, a parte de verificação para auferir se elas estão operando em condições seguras ou não. Hoje o governo diz que não tem equipe técnica para isso, então, recebe os laudos das empresas. No momento em que o governo recebe um laudo da própria empresa, recebe apenas o que a empresa quiser dizer para ele.
Se nada disso mudar, qual é a chance da gente ver novamente uma tragédia como a de Mariana?
As chances são muito grandes. A flexibilização de licenciamento ambiental é um erro. Licenciamento ambiental que não leva em consideração comunidades ribeirinhas, populações indígenas. O Ibama anulou [a licença da hidrelétrica do] Tapajós, mas e no futuro? Se flexibiliza licenciamento ambiental, você pode ter um complexo gigantesco no Tapajós que vai afetar milhares de pessoas, como aconteceu em Belo Monte.
Além das mortes, das pessoas desabrigadas, um ano depois desse desastre, quais são as consequências que ainda saltam aos olhos?
Estamos numa luta hoje de pessoas que foram indiretamente afetadas pelo desastre e que a empresa Samarco não aceita como atingidos. Um exemplo são os pescadores na foz do Rio Doce que não têm mais como pescar porque houve uma mortandade de peixes muito grande e [os que sobraram] têm muita dificuldade de se recuperar porque a turbidez da água está muito alta. Turbidez significa que a água está escura e com menos oxigênio. Mas a Samarco não reconhece como atingido.
Há locais em que o gado está tomando água do rio e não há nenhuma preocupação de contaminação da cadeia alimentar. Esse tipo de contaminação de minério não vai ser percebida agora, só será percebida daqui 20 anos. Se daqui 20 anos as pessoas estiverem com sintomas de contaminação de minério, vão lembrar que foi por causa desse desastre que aconteceu em 2015 ou vão associar a outra coisa? É muito preocupante.