O comando do Congresso Nacional vive um momento ímpar. Ainda que em estágios diferentes, os dois presidentes das principais Casas Legislativas do Brasil, o terceiro e quarto da linha sucessória da Presidência da República, encontram-se cada vez mais encurralados, e não só pela Lava Jato.
O parlamentar que preside a Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), luta em duas frentes, uma no Supremo Tribunal Federal, onde é alvo de ao menos três inquéritos, e outra no Conselho de Ética da própria Câmara, onde responde a uma representação por ter mentido aos seus pares e que pode resultar em sua cassação. Neste segundo caso, ele ganhou, após nova manobra, um tempo extra para se defender.
Já o congressista que chefia o Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pode se tornar réu nos próximos dias no caso em que ele é acusado de ter despesas pagas pela empreiteira Mendes Júnior em troca da apresentação de emendas que beneficiariam a empresa. O ministro do STF, Edson Fachin, liberou para que o plenário decida se Renan deve ou não se tornar réu pelos crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. ORenangate, como escândalo ficou conhecido em 2007 quando veio à tona, envolvia a então amante de Calheiros, a jornalista Monica Veloso, com quem ele tem uma filha. O aluguel do apartamento dela em Brasília e a pensão alimentícia da criança (totalizando 16.400 reais) eram pagos pela empreiteira, segundo a denúncia do Ministério Público apresentada em 2013. O senador nega as irregularidades.
Assim, mal os trabalhos do Legislativo retornaram em 2016, Cunha e Calheiros voltaram a dividir a atenção da mídia e da classe política brasileira. O deputado conseguiu nesta semana, pela oitava vez, postergar o andamento do processo que corre contra si no Conselho de Ética. Um aliado dele, o primeiro vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão - (PP-MA), outro parlamentar investigado pela Lava Jato, acatou um pedido de anulação da sessão que votou pela abertura do processo contra o peemedebista.
Dessa forma, dificilmente o caso, que tem tudo para resultar na cassação do mandato parlamentar de Cunha pelos conselheiros, será encerrado antes de junho no colegiado. A previsão era de que a conclusão ocorresse em abril. “Eduardo Cunha é um dos deputados que mais conhece o regimento interno e o usa de todas as maneiras para prorrogar a análise de seu processo”, afirmou o relator do caso, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO). Rogério diz que tentará ser célere na apresentação de seu relatório complementar, mas já está contando que a tropa de choque de Cunha tentará encontrar novas brechas regimentais (legais ou não) para adiar ainda mais o processo.
“Ainda que eu discorde do mérito, tenho que admitir que quase todos os recursos apresentados pelos aliados do deputado Cunha tinham alguma fundamentação legal, menos este último. A decisão do deputado Maranhão foi ilegal e o Conselho deverá recorrer ao STF para tentar mudá-la”, disse Marcos Rogério.
O objetivo do deputado peemedebista e de seus aliados é adiar as discussões sobre sua suposta quebra de decoro parlamentar e misturar o assunto com a análise do pedido deimpeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) pela Câmara dos Deputados. “Se conseguirmos focar na presidenta, todo mundo se esquece do Eduardo”, afirmou um de seus aliados sob a condição de não ter seu nome divulgado. “Só queremos que o regimento seja seguido”, disse outro membro da tropa de choque de Cunha, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS).
O próprio Cunha, contudo, diz que as prorrogações só o prejudicam e acusa o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), de agir irregularmente para “continuar na mídia”. “O presidente do Conselho de Ética parece agir ao meu favor e acaba me prejudicando. Basta ele agir seguindo o regimento. Ele me prejudica na medida em que a mídia coloca essa prorrogação como uma manobra minha”.
Cunha e o Supremo: Se por um lado Cunha ainda demonstra força e ganha tempo entre os seus colegas, por outro, até o fim do mês ele pode ser afastado de seu cargo, ainda que preventivamente. Pouco antes do recesso parlamentar do ano passado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou uma denúncia no STF de que Cunha estaria usando de seu cargo para “delinquir” e obstruir o trabalho dos investigadores da Lava Jato. Na ação, Janot pede que Cunha tenha seu mandato suspenso. A expectativa no Judiciário é que esse pedido seja analisado pelo plenário do Supremo até o fim de fevereiro.
As principais suspeitas contra o deputado são de que ele recebia propina dentro do esquema que desviou bilhões de reais da Petrobras e que parte desses recursos circulavam por ao menos contas suas em bancos do exterior que jamais foram declaradas à Receita Federal. Em sua defesa, Cunha afirma que não era obrigado a declarar esses valores e nega que faça parte do grupo político que agia na empresa petroleira.
Déjà vu no Senado: Ao ver o processo que envolve a jornalista Monica Veloso reavivado, com a possibilidade de ele ser aceito pelo STF, Renan Calheiros teme o retorno de alguns de seus fantasmas. Há quase nove anos, ele também era o presidente do Senado e teve de fazer um acordo, deixando o cargo máximo na Câmara Alta, para se safar da cassação. Esse foi seu maior revés político em 38 anos de vida pública. Agora, poderá responder oficialmente por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.
No Senado, nesta quarta-feira, um grupo de parlamentares reviveu aquele período. “Se ele [Renan] virar réu, não duvido nada que algum colega justiceiro faça uma nova representação contra ele no Conselho de Ética. Aí o caos da Câmara vai chegar aqui. Será que é isso que precisamos?”, perguntou um dos parlamentares ouvidos pela reportagem.
Uma breve análise feita por outro senador mostra, no entanto, que as cabeças brancas do Senado, o apelido dado aos senadores, mais velhos e mais moderados que os deputados,dificilmente serão envolvidas por esse furacão. “Não vamos cair nessa. Nem o Governo quer que a gente caia. Somos a principal fonte de apoio da presidente. Se o Senado for envolvido na crise, corremos sério risco de aumentar a instabilidade política”, disse.