Raqqa era pouco conhecida até o grupo autodenominado Estado Islâmico declará-la sua capital, em 2014.
Cidade semideserta de menos de 200 mil pessoas no nordeste da Síria, não teve muita importância nos últimos séculos. Isso mudou com o surgimento do grupo extremista e, agora, sua brutalidade e violência são conhecidos em todo o mundo.
Mulheres são proibidas de andarem sozinhas nas ruas, e enfrentam a vigilância constante da polícia feminina. Salões de beleza ou exibições de partidas de futebol foram banidos. Até quem for flagrado com uma foto de uma mulher no celular pode ser condenado a chibatadas.
Mas nem sempre foi assim.
A vida antes do EI
A principal transformação de Raqqa no último século se deu nos anos 1970, quando uma grande usina hidrelétrica foi construída perto dali, no rio Eufrates.
Grandes projetos de agricultura na área atraíram dezenas de milhares de novos moradores de outras partes da Síria em busca de oportunidades, o que alterou a demografia da região.
Antes disso, ela era meramente uma estação remota para policiar as rotas de comércio entre as principais cidades sírias no oeste e as cidades mais ocidentais do Iraque, de Mosul a Bagdá.
Raqqa está numa área que dá acesso a todas as partes da Síria, e também ao Iraque, através de uma grande região semideserta ao leste da cidade. Talvez esteja aí a razão pela qual o Estado Islâmico a tenha escolhido como sua capital.
Havia uma universidade particular e algumas escolas técnicas do governo na cidade. Raqqa era cheia de cafés e seus moradores costumavam ficar até tarde nas ruas durante o verão, em parques e restaurantes, onde jovens homens e mulheres conversavam juntos.
Aliás, eles estavam juntos também em protestos contra o regime do presidente, Bashar Al-Assad. Isso, claro, antes do EI tomar a cidade.
Não havia indústrias na província de Raqqa, a terceira maior da Síria, e a maior parte das pessoas trabalhava em fazendas ou para o governo. Costumes tribais são fortes na cidade e em sua região.
A cidade é povoada por árabes sunitas, ligados a tribos sunitas do oeste do Iraque. Havia uma minoria curda na cidade, e também em outras cidades de etnias mistas na província, como Ain Issa. Mas os curdos foram expulsos pelo EI, que questionaram sua lealdade após combates entre o Estado Islâmico e forças curdas em outras partes da Síria.
A nova rotina: violência e brutalidade
Ao assumir a cidade e a província, expulsando outros grupos rebeldes, o EI estabeleceu um estilo de governo que se centra na boa relação com profissionais locais e ex-funcionários do governo.
Leis islâmicas rígidas, ou sharia, foram impostas e tribunais especiais, comandados por juízes do EI, foram criados.
O comandante de Raqqa é chamado de "wali". Ele é apoiado por diversos emires, cada um responsável por um departamento de serviço.
As punições e penas duras introduzidas pelo EI fizeram com que seja impossível protestar ou resistir às políticas e práticas do grupo. Decapitações públicas são comuns, assim como punições para a longa lista de atos considerados crimes sob suas regras.
O EI depende, basicamente, de força brutal e violência para governar, e essa política é, geralmente, reforçada por jihadistas estrangeiros.
Os residentes que, inicialmente, ficaram na cidade, adaptaram suas vidas ao regime do grupo. Àquela época, havia segurança, alguma lei, serviços e acesso à comida.
Mas com o aumento dos bombardeiros aéreos recentes de Rússia e França e a destruição de sistemas de eletricidade e água, a vida se tornou difícil para civis. Há, agora, falta de combustível, já que a maior parte das refinarias foram atacadas.
Mulheres e meninas não podem deixar suas casas se não estiverem acompanhadas por um parente homem adulto - geralmente o pai, irmão ou marido - e o (véu) niqab é uma obrigação para elas, cobrindo topo o corpo, da cabeça ao tornozelo.
Há, também, uma força especial da polícia patrulhando as ruas para reforçar a aplicação da sharia, que incluem normas sobre como homens devem se vestir.
Fumar é proibido e quem for flagrado pela polícia "Al-Hisba" pode ser chicoteado. Todos os homens devem ir a mesquitas para orações durante o dia.
Entre as leis impostas pelo EI, há uma punição de 30 chibatadas para qualquer um pego com a foto de uma mulher gravada no celular.
Assistir jogos de futebol também é ilegal, e cafés podem ser fechados se flagrados exibindo partidas.
Uma força policial feminina, o batalhão "Al-Khansaa", patrulha as ruas para prender mulheres que não estão vestidas de acordo com a lei do grupo. Integrantes dessa força são, na maioria, esposas de combatentes do EI. Elas são responsáveis por punir quem não está vestida adequadamente e torturar detentas.
Salões de beleza foram banidos e a maioria das mulheres evita as ruas para evitar a vigilância da polícia feminina ou ser escolhida para se casar um jihadista se forem solteiras ou viúvas.
As esposas de combatentes mortos são forçados a se casarem com outros combatentes. Há incentivo para que não se tenha filhos, já que os casamentos duram pouco: a maioria dos jovens maridos estão em combate e muitos são mortos.
Sírios em Raqqa acreditam que o domínio do EI irá acabar, mais cedo ou mais tarde. Até lá, a repressão e a violência devem continuar.