A revista eletrônica Consultor Jurídico noticiou no dia 21 passado que o juiz Rocky Coss, de Ohio (EUA), em meio a uma audiência, deixou seu celular ligado e isso gerou uma chamada, através de um som de gaita de fole, com a música Scotland The Brave. Ele pediu desculpas aos presentes e aplicou uma multa de US$ 25 a si mesmo, por desacato ao juízo.
O fato, totalmente inusitado, criou uma série de comentários. Sua análise é oportuna, pois envolve aspectos éticos e jurídicos, vai muito além de um riso no canto da boca ou de uma comparação com o que aconteceria no Brasil.
Mas atenção, não é caso único. Na Comarca de Apiaí (SP), onde trabalhei no início dos anos 1970, contava-se que o promotor Júlio Cesar Ribas, certo dia, entrou com seu veículo, involuntariamente, na contramão de direção. Como não havia nenhum guarda no local, dirigiu-se à polícia, narrou o fato e exigiu ser multado, o que acabou acontecendo, apesar da resistência dos PMs. O fato certamente ocorreu, pois referido promotor era conhecido pelo extremo zelo à função pública e à inflexibilidade na luta contra a ilegalidade.
O que leva uma autoridade a tomar tal tipo de atitude? Certamente, um forte sentimento de ética. A ética impõe um juízo de avaliação entre o bem e o mal.
Hermes Lima registra que “cada sociedade humana possui seus valores éticos”, que nada mais são do que os “padrões ideais da vida individual ou coletiva” (Introdução à Ciência do Direito, Liv. Freitas Bastos, p. 13). Para José Renato Nalini, “a única matéria-prima em falta da República brasileira é a ética” (A rebelião da toga, Millennium, p. 123).
Paradoxalmente, apesar das dificuldades de conceituar-se a ética, é relativamente fácil visualizá-la nos casos concretos. Para auxiliar na identificação, algumas entidades de classe criam seus Códigos de Ética ou de Conduta. Assim, exemplificando, os advogados possuem seu Código de Ética e Disciplina da OAB, criado em 13 de fevereiro de 1995. Os juízes têm oCódigo de Ética da Magistratura Nacional, elaborado pelo CNJ em 6 de agosto de 2008.
No Conselho Nacional do Ministério Público foi apresentada proposta de criação de um Código de Ética, porém não se tem notícias de sua aprovação. As Defensorias Públicas estão editando Códigos de Ética estaduais. É o caso de Mato Grosso que, em 16 de maio de 2014, criou seu estatuto.
Para a análise do tema, façamos a divisão da matéria em quatro perguntas:
1ª) Até onde faz diferença existir ou não um Código de Ética?
2ª) Os Códigos existentes são conhecidos?
3ª) São eles respeitados?
4ª) Em caso de inobservância de suas regras, há sanções?
Na verdade, vivemos em um limbo, pouco conhecemos e discutimos o assunto e, menos ainda, exigimos o cumprimento de normas éticas. Para ficar só na área jurídica, vejamos alguns exemplos.
O procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, segundo notícia da ConJur em 21 de maio de 2015, além de requisitar investigação contra o ex-presidente da República Lula da Silva, teria feito comentários políticos contra o seu partido no seu perfil no Facebook. Em 5 de outubro de 2014, teria escrito “É hoje. 5 de outubro. Dia de expulsar os corruptos do Estado brasileiro”.
A notícia tem dois aspectos. O primeiro, requisitar investigação com base em publicação na imprensa, é incensurável. É direito inalienável do MP. O segundo, emitir publicamente opinião pessoal contra determinado partido, evidentemente não é adequado a uma autoridade cujas funções exigem imparcialidade. Óbvio, portanto, que um Código de Ética deve dispor pelo respeito e discrição dos agentes do MP nas suas manifestações nas redes sociais ou na mídia.
O fato é que os Códigos de Ética são pouco conhecidos. Na verdade, poucos os consultam, sejam os que estão sob sua égide, sejam terceiros interessados. No entanto, eles podem auxiliar muito na condução de um pedido de impedimento. Por exemplo, fere a ética o juiz que julgar processo de escritório de advocacia do qual faça parte sua mulher ou filho, ou até mesmo tios e primos, ainda que não constem na procuração (Resolução 200 do CNJ).
Na advocacia podem ocorrer muitas infrações éticas. Por exemplo, aceitar procuração, tendo advogado constituído, sem dar-lhe conhecimento prévio (art. 11 do Código de Ética e Disciplina da OAB). Por vezes isso ocorre na execução da sentença, jogando por terra o trabalho desenvolvido pelo advogado constituído durante anos. Outro exemplo: o advogado deixa o emprego por qualquer razão, inclusive a aposentadoria (p. ex., da Caixa Econômica Federal) e depois, valendo-se desse conhecimento, conquista clientes e aciona o ex-empregador (art. 20).
A OAB possui seus Tribunais de Ética e Disciplina em cada seccional, para avaliar tais casos. Eles variam conforme o número de advogados, tendo, por vezes, apenas uma Turma (por exemplo, no Amapá) e chegando a nada menos que 23 Turmas na OAB de São Paulo.
A polícia brasileira não se vale de Códigos de Ética ou de conduta. Todavia, recentemente (29.3.2015), o Departamento de Polícia Federal editou oCódigo de Ética do Policial Federal. Nele se prevê, por exemplo, a necessidade de o policial apresentar-se ao trabalho com vestimentas adequadas ao exercício da função (art. 6º, IV). Algo aparentemente simples, mas que recomenda o alerta para que não se ultrapassem as fronteiras entre a liberdade de cada um e a imagem do serviço público.
A terceira indagação é sobre serem os Códigos de Ética respeitados. A resposta é complexa, porque não se sabe exatamente o que se passa em cada Tribunal ou órgão em outros órgãos, como a Defensoria, OAB ou outra entidade. O certo é que não há divulgação de resultados e isso induz à inexistência de efetividade.
A última indagação refere-se à existência ou não de sanções. Na verdade, Códigos de Ética são sinalizações de condutas e não regras administrativas sancionadoras. Por tal motivo, neles, não há sanções. No entanto, nada impede, e até seria bom, que seus dispositivos fossem mais divulgados e utilizados como fundamento de requerimentos administrativos e judiciais.
Registre-se, finalmente, que o Tribunal de Justiça de São Paulo, através daPortaria 8.922/14, de 24 de janeiro de 2015, criou o Comitê de Ética do Tribunal de Justiça de São Paulo, que atua como órgão consultivo destinado a apontar caminhos para os magistrados mais jovens, nos casos de dúvida. Por exemplo, qual o limite para receber um presente? Deve ser rejeitada uma garrafa de vinho, no valor de R$ 80, ofertada por um supermercado em cidade do interior? E um computador oferecido por um escritório de advocacia para uso em um cartório sem qualquer estrutura, pode ser aceito?
Em suma, a atitude do juiz norte-americano Rocky Coss estimula a discussão. Ele, implicitamente, deu uma lição que vale para todos os que exerçam cargo de mando: não pode exigir quem não faz a sua parte. Na sua Corte Distrital (equivalente à nossa comarca), certamente, é respeitado e suas ordens não são discutidas. É exemplo a ser seguido.