GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer
Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Diploma de jornalismo


“O fato de obrigar um profissional da imprensa a ser formado em jornalismo não fere o direito de outros à liberdade de expressão”
Mais uma vez a obrigatoriedade do diploma para exercer o jornalismo está em pauta. Desta vez o Senado aprovou a emenda que retorna com o curso superior obrigatório para quem quer exercer a profissão. Agora, o projeto vai para Câmara dos Deputados.
Lendo algumas opiniões sobre o assunto, gostaria também de fazer algumas colocações.
Primeiramente, quando se discute esta obrigatoriedade ou não, os juízes ou políticos do contra, que não entendem nada da profissão, colocam a liberdade de expressão como fator fundamental para cair o diploma. Gostaria de explicar estes dois pontos, que considero distintos. O fato de obrigar um profissional da imprensa a ser formado em jornalismo de maneira alguma está ferindo o direito de outros à liberdade de expressão. 

Considero livre aquele que pode em praça pública expor qualquer pensamento ou ideia, mesmo que política, como também escrever em panfletos ou até em livros, blogs e colunas de jornais. Para isso que os veículos impressos possuem articulistas. 
Não podemos comparar o direito ao exercício da profissão diplomada com a liberdade de expressão, pois um jornalista formado vai muito além desta liberdade, que também se deve ter, pois é um cidadão como outro qualquer. 
Outro argumento do contra, fala de que um jornalista pode ser outro profissional qualquer, como médico, advogado, economista. Também discordo desta linha. Um texto jornalístico, em uma parte do jornal que trata de informação a leitores que vão de leigos a intelectuais, não pode ser meramente específico em um tema. Um veículo de comunicação deve atingir todos os cidadãos por igual.

Textos jurídicos, com leis, só serão entendidos por advogados, assim como de médicos e outras profissões semelhantes. O que o jornalista formado neste caso faz ao se deparar com estes textos ou informações científicas ou jurídicas é justamente reescrever ou editar as informações de uma forma que todos possam entender. Esta é a diferença em se estudar e obter a formação para esta escrita. No final o jornalista é aquele que, sabendo um pouco de tudo, deve generalizar e explicar àquela informação de forma clara e leiga.
Mais do que discutir a queda de um diploma, deveria é debater os cursos em questão, talvez até reduzi-lo de quatro para três anos, e o quarto estágio obrigatório em redações, mas com certeza deixá-lo obrigatório, para garantir a qualidade de informação nos veículos de comunicação.  Não somente de jornalismo, mas de todas as profissões. Precisamos é de qualidade no ensino e adequá-lo sempre a realidade do mercado que vive em expansão, principalmente com a tecnologia existente no mundo virtual.

E como o médico, o jornalista também necessita estar sempre “estudando” e se aperfeiçoando com as novidades. É assim em qualquer profissão. Como é com todos os profissionais recém-formados adquirir experiência e “aprender” de fato o ofício no cotidiano seja de um hospital ou uma redação de jornal.
Por fim, o que ainda considero injusto nesta discussão é que na turma do contra estão empresários, ou seja, proprietários de veículos de comunicação, que na verdade podem estar querendo acabar com a obrigatoriedade do diploma para baixá-lo a um curso técnico e consequentemente o piso salarial e a cultura da classe, que sem formação pode facilmente aceitar tudo. Sendo assim, não é a qualidade da informação que está em discussão, mas o interesse de alguns. 

Pop cult 92


Alguma coisa parece errada com a nossa vida quando amanhecemos vendo as fotos íntimas de um risoto fotografado por uma pessoa que você mal conhece. E toda aquela comunicação estabelecida, através do aplicativo (tão inteligente, tão revolucionário), entre a manifestação da emoção dos donos do risoto e as respostas empolgadas dos animados emoticons das palminhas, do coração partido, da lacraia, dos sushis, do cocozinho e das dançarinas gêmeas.

Tenho andado com saudade até dos cento e quarenta caracteres do Twitter. Quando ele surgiu, muito se falou sobre o desafio e o poder da concisão e sobre as grandes obras que ainda surgiriam pensando esse formato. Continuamos daqui, ansiosamente, esperando.

Esta semana li o início de um diálogo até interessante: juju_cabral disse: “OBA! vou tomar banhoo... delicia ...depois vou pra casa do @nabuco comer pipoca”. Ao que @ricardosegundo respondeu: “quem quer saber se vc vai comer pipoca vai pra puta que pariu”. @ulyssesdepaula, outro promissor candidato a Tolstoi dos novos tempos, anunciou resumo do 11 de Setembro: “pum catapluft tchu papapapapapapa ioioiioioiom tratrtatratrtatraaaaa”. Os #hashtags trending topics indicam os possíveis temas da nova obra-prima contemporânea: #VouAoBanheiro- FazerONumero2 (nada original, até Leopold Bloom já filosofou sobre o assunto), #UFCdaora e #Rodeioanimal.

Eu não sei o que Thomas Pynchon faria hoje, em uma gruta, só com argila, sangue de animal e excrementos de morcego, mesmo saindo quarenta mil anos na frente. Talvez nem o que os empolgados com o risoto andam fazendo. Mas é sempre bom lembrar que havíamos construído uma civilização crítica bastante interessante, bem-humorada, capaz de manifestar suas ideias, suas emoções, sua linguagem, sem depender daquele bonequinho yellow face, rubro, que chora, ri, beija, grita, pisca, lambe.

É claro que isso parte da minha frustração por ainda não ter entendido para que serve o símbolo da melancia, da avestruz e da tartaruga urinando. Essa redução vem sendo praticada pelos editores de jornais de cultura já há um certo tempo: “duas estrelinhas para a obra de Antunes Filho”. Oscar Wilde ofereceu à Humanidade o ensaio “O crítico como artista”, falando sobre este senso, comum à todo cidadão grego. Sobre sua decadência e importância. Palminhas para Oscar Wilde.

Digressão perigosa: o que são esses avisos de privacidade em um lugar como o Facebook? É como frequentar uma orgia e pedir pra que não passem a mão em você.

O.k., ninguém será mais Korngold, que compôs sua primeira obra-prima com dezessete anos. Indicado por Mahler como o talento raro, teve aulas com Zemlinsky. Mais tarde, judeu, fugiu da Europa para Hollywood. Fez trilhas para cinema, ganhou Oscars, voltou para a Europa e, segundo críticos preconceituosos, havia perdido sua genialidade em alguma colina de Los Angeles. Tom Stoppard respondeu para uma pilha de jornalistas parvos que os maiores talentos da literatura que ele reconhece estão escrevendo para a TV americana. Resposta difícil de se lidar, hein?

“A aventura” do Antonioni, “Playtime” de Tati, a obra de Babel, Bulgakov, quase todos os grandes artistas dependeram do tempo que enterrou as injustiças e os preconceitos e conduziu o que era nobre até o lugar clássico e eterno na história da nossa cultura.

Tomara que o esperado gênio dos novos tempos e das novas formas e linguagens não se distraia do seu tempo precioso arremessando as três vidas de suas galinhas contra porquinhos que explodem.

Segunda digressão (a minha fala preferida de “O livro de itens do paciente Estevão”): “Oitenta e três por cento dos consultados votaram pela opção do seu apodrecimento seguido de devoração. Setenta e quatro por cento desses eleitores, diga-se de passagem, também compram regularmente produtos on-line de decoração doméstica.

Não sei muito bem o que isso significa, mas eles escolheram.”

Antonio Abujamra fez 80 anos. Não tenho palavras pra dizer o que devo a ele e ao Antunes. Minha carinha amarela mandando beijos, duas mãos aplaudindo, um fatia de um bolo de aniversário, um Homer Simpson segurando uma caneca de chope, um coração cortado por uma flecha, um mar de uma gravura japonesa.

ERREI, SIM


 Não é verdade a piada de que o médico pensa ser Deus, o jornalista tem certeza. Erramos, sim
Meu caro,

Achei de extrema correção ética seu gesto de vir a público, rasgar a camisa e abrir o peito ferido para a confissão de erro na deliciosa história de ter chamado de Roberto, num perfil de página inteira, um sujeito que era Ricardo. Foi uma peça de brilho e bom humor que já imagino servindo de tema nas escolas de Comunicação. Parabéns. Venho aqui para elogiar o colega, manifestar minha solidariedade, mas também cartar marra. Já errei mais, Xexéo. Foram tombos estrondosos e, cá entre nós, inevitáveis a quem abraça um trabalho desses.

Não quero te desestimular nem torcer contra, mas, tenha certeza, outros virão.

O jornalismo diário é dos maiores exercícios de humildade que o ser humano pode praticar.Pedimos informações como quem mendiga a subsistência, como quem cata latinhas no fim de um show de rock. Temos o reconhecimento constitucional de que não somos obrigados a saber nada em profundidade, sendo-nos indispensável apenas um estilo de escrever que exclua expressões como “sendo-nos” e a imensa curiosidade. Ela nos absolve para as perguntas mais elementares, renova o sangue para continuar a eterna busca por carne nova. Leia na minha camisa, Xexéo: “Eu nada sei, mas quero”.

Os pontos cardeais de nossa bússola existencial são Quem? Quando? Como? Onde? e Por quê? Com essas interrogações vamos longe. Sempre que abdiquei delas, errei feio — como vou demonstrar.

Meu saudoso pai, com os tamancos da objetividade que trouxe de Trás-os-Montes, não se conformava quando me flagrava na ignorância de alguma coisa. “Um jornalista, e não sabes?”, dizia. Pacientemente, eu redarguia, evidentemente usando outro verbo, com um “que tal encontrarmos uma boa fonte?”.

Não vejo outra definição para esse trabalho. Eu pergunto, você pergunta, e em seguida, como faz a empacotadora das Casas Bahia com os eletrodomésticos, nós empacotamos as respostas de um jeito bonito para o leitor.

Você deve conhecer, Xexéo, a piada de que a maneira mais prática de um jornalista se suicidar é saltando de cima de seu próprio ego. Acho que foi feita por quem nos olhou de longe. O Zuenir Ventura sempre me disse: “Jornalista não sabe nada, só sabe a quem perguntar”. O Elio Gaspari me corrigia sempre que eu apresentava um texto em que, à guisa de pretenso estilo, eu fazia umas perguntas para o leitor. Paciente, Gaspari cortava aquele brilhareco de garoto e ainda se dava ao trabalho de explicar: “O leitor te paga pra fazer perguntas ao entrevistado, não a ele”.

Errei, sim, Xexéo, manchei o meu nome sempre que não perguntei. Eu assinei, por exemplo, décadas atrás, uma nota anunciando a demolição implacável do restaurante Assirius, do Teatro Municipal. Ainda jovem e sem a humildade que a velhice e a profissão vão formatando, não perguntei nada a ninguém. Corri, açodado como imaginava ser o espírito da coisa, para colocar no chão o monumento, embora de gosto duvidoso, instalado no subsolo do teatro. Tratavase, soube minutos depois de o jornal na rua, de um botequim, também na Rio Branco, mas na Praça Mauá, com o mesmo nome de Assirius.

fracassei sempre que desprezei a humildade de checar a grafia exata de palavras duvidosas (já imprimi “bossal”, que de brincadeira talvez possa até significar “cheio de bossa”, para identificar um sujeito oposto, o “boçal”). Fracassei sempre quando tive a soberba da sabedoria, essa doença juvenil. Na semana passada mesmo, passei um texto inteiro elogiando a música “Bode velho”, que creditei exclusivamente a Sérgio Sampaio, quando ela também pertence ao grande letrista Sérgio Natureza.

Enfim, Xexéo, você não está só. Eu poderia escrever outras colunas sobre as erratas a que fui obrigado pela pressa, a ignorância e a ausência da pergunta certa à pessoa exata. Fico por aqui, na segurança de que quanto menos se escreve, menos erros se comete — e só quem não escreve viverá a glória do erro zero. Recentemente, numa crônica sobre o fim do “Jornal do Brasil”, quis fazer o elogio público de jornalistas com quem trabalhei lá e matei sem dó o coleguinha Luarlindo Ernesto, que graças a Deus continua entre nós.

Já foi o tempo em que colocávamos a culpa no revisor, mas, estes sim, estão praticamente mortos, e agora é tudo com quem assina. Erramos, tentaremos diminuir a taxa desse colesterol ruim com muito exercício, mas os equívocos continuarão assim mesmo, e o importante, Xexéo, é que os jornais façam como você fez, publiquem a retificação.

Definitivamente, não é verdade a outra piada, de que o médico pensa ser Deus, o jornalista tem certeza. Erramos, sim, manchamos diariamente o nosso nome, e eu não poderia terminar esse texto de solidariedade sem abraçar o colega de um grande jornal paulista. Ele foi obrigado a uma errata no dia seguinte à publicação de uma matéria que, num certo trecho, passava pela morte de Jesus Cristo. A coisa não tinha sido exatamente como ele descrevera no texto, e daí veio a retificação: “Diferentemente do publicado na edição de ontem, Jesus Cristo morreu crucificado e não enforcado”.

Que Deus o proteja, a errata o absolva e a sorte o persiga. Se tivesse enforcado Maomé, o jornalista estaria morto.

O FUMANTE EM PAZ


 O fumante de tabaco, hoje, está no nível mais baixo de prestígio social.
É mais discriminado que um usuário de crack

Para evitar que as más línguas amarelas venham denunciar minhas intenções com este texto, esclareço, logo, que me refiro ao fumo de tabaco, muito embora os textos controversos sobre maconha hoje abundem nas páginas de jornais, gerando debates os mais doidos e doídos.

Defender o uso de maconha, atualmente, é fácil e, por vezes, até recomendável pela lógica não só das liberdades individuais, mas do liberalismo econômico mais avançado e vanguardista da escola de Chicago.

Difícil, mesmo, é defender o uso de tabaco, essa droga insidiosamente cancerígena, causadora de impotência aguda, infarto prévio e tudo o mais, grande vilão num mundo de consumo, de resto, altamente saudável.

Ironicamente, o uso de tabaco, assim como o de Ovomaltine, é um direito, enquanto o de maconha é um delito ainda grave. Mas isso é outra coisa.

O que pretendo dizer está engasgado em minha garganta pós-limpa de ex-tabagista que parou de fumar há 17 anos. Digo: o fumante de tabaco, hoje, está no nível mais baixo de prestígio social. É mais discriminado que um usuário de crack.

Afinal, o craqueiro é um desgraçado, um infeliz abandonado, vítima das convulsões socioeconômicas, da desigualdade, dos mandos e desmandos da selva metropolitana, da lógica inclemente dos piores barões do tráfico e dos milicianos mais desumanos.

Já o tabagista é um pilantra da pior espécie: um assassino de criancinhas indefesas, um chato incômodo, um patife que se levanta a cada cinco minutos da mesa de bar para cuspir sua fumaça tóxica na cara do guardador de automóveis, que está lá na sua paz, a respirar avidamente cano de descarga de carro de playboy na noite de neon.

Para equilibrar essa injustiça, vou confessar o inconfessável: sinto pena dos tabagistas, não pelos riscos que correm em decorrência do seu vício, mas pelo bullying que sofrem. O que mais querem do fumante? Ele já renunciou a fumar em restaurantes e leva esporro até quando fuma na calçada.

Nas empresas, são confinados em fumódromos, que antes eram áreas mais ou menos agradáveis, mas estão, progressivamente, se transformando em câmaras de fumaça minúsculas do tamanho de elevadores, onde uns 20 viciados se acotovelam e são obrigados a fumar, além dos próprios cigarros, as emanações dos cigarros alheios, pois têm mais é que morrer mesmo, esses filhos do demo.

Não vejo esse ódio todo dirigido, por exemplo, aos bebuns. Esses são vistos como santos, pois tudo que fazem é encher os cornos com o fruto da vinha, abençoado desde tempos bíblicos. Verdade que têm de enfrentar a Lei Seca, mas quem se preocupa com isso desde que o Twitter passou a prover os serviços mais sérios e honestos de despiste da fiscalização?

Por algum motivo que me escapa, o tabaco em cigarros (pois os charutos, os cachimbos e o rapé têm status bem mais respeitável) é visto como vício dos infernos, enquanto outros vícios igualmente lícitos são contemplados com ternura e saudados com risadas de hiena.

As intoxicações por cafeína, por exemplo, são não apenas praticadas a granel no ambiente de trabalho, mas estimuladas como hábito motivador de produtividade. Alguém já viu, em alguma empresa do país, uma campanha de comunicação interna incentivando os funcionários a beberem menos café? E, entretanto, o excesso de cafeína, conforme qualquer psiquiatra pode atestar, produz surtos de ansiedade graves, capazes de gerar um tipo de violência que, a olhos nus, passa por inexplicável.

Os quilos de chips industrializadas, o Lexotan, os energéticos destruidores de estômagos, os hambúrgueres de fast food, as porcarias açucaradas de todos os tipos, sem falar no consumo cultural compulsivo de bobagens e da aderência doentia às redes sociais, tudo pode ser visto como questões de saúde pública ou pautas para reportagens.

Pode-se alegar, e é verdade, que o fumante lesiona o outro e expõe o próximo a emanações tóxicas (isso quando é permitida sua presença, pois hoje em dia isso é raro).

Mas... e o ronco porco do automóvel? E o maníaco digital, com seu isolamento e sua compulsão a expor os outros ao ridículo?

O fumo é um hábito como qualquer outro. Respeitável. Uma vez limitado o cigarro a certos ambientes, é preciso que se deixe o fumante em paz, e que se pare de lhe passar esses sermões datados que informam aquilo que já está mais do que sabido.

Parei de fumar há quase duas décadas, mas gostaria de voltar um dia. Talvez volte. Gosto do gesto e do gosto.

Não voltei ainda porque hoje, quando arrisco um cigarro extemporâneo, fico tonto e tenho náuseas, o que me tira a vontade de insistir. Mas quando estou com um fumante, faço questão de continuar em sua presença, solidário e amigo.

Ele tem o direito de pitar seu fumo. De intoxicar- se o quanto quiser, de engolir a fumaça com prazer cinematográfico, de viver a seu modo e de morrer, se assim o desejar.

Falando de amor e responsabilidade, Rashid se consagra entre os novos nomes do rap nacional

Nos últimos anos, uma novíssima geração de rappers vem dando nova cara ao gênero no Brasil. 
Ampliou a temática das músicas, as batidas e, por tabela, o seu público, há muito não restrito à periferia.

Um dos principais arquitetos dessa mudança é o paulistano Michel Dias Costa, 24, o Rashid, nome que vem do árabe e quer dizer "justo" ou "verdadeiro" -palavras que ele tatuou no braço direito.

Com versos como "sua filha é linda, parabéns pra você! / deve ter caprichado na hora de fazer!", que fazem as "minas" pirarem, ele tem pavimentado a carreira que começou na base do perrengue.

Nascido no bairro de Lauzane Paulista, zona norte de São Paulo, onde mora hoje, Rashid foi criado em Ijaci (a 300 km de Belo Horizonte). Lá, começou a fazer rap aos 12 anos.

"Eu botava o boné na cabeça, olhava no espelho e ficava rimando para mim mesmo, mexendo as mãos como Mano Brown", diz.

Sem muito recurso tecnológico, ele se virava como podia, gravando trechos de músicas em fitas cassete e, depois, a própria voz por cima.

O primeiro computador só veio aos 21 anos, quando ele já estava enturmado com Projota e Emicida, outros dois novos rappers. Juntos, eles formam o projeto Os Três Temores.

Rashid conheceu a dupla enquanto passava férias em São Paulo, no final da adolescência.

Foi nessa época, por volta de 2008, que gravou profissionalmente suas primeiras músicas. A divulgação era na base do boca a boca ou, como ele lembra, "mandando para cada um dos 4.000 amigos que eu tinha no Orkut".

Deu certo, e suas rimas se espalharam rapidamente; público e outros rappers começaram a prestar atenção no moleque.

"A construção do texto e as rimas do Rashid são das mais afinadas dessa nova geração", analisa o produtor Daniel Ganjaman, que tem no currículo trabalhos com os Racionais e Criolo.

"Ele abriu a temática do hip- hop -que no final dos anos 1990 estava muito restrita ao próprio movimento- falando mais abertamente de amor, por exemplo."

Entre as primeiras músicas divulgadas no MySpace e os primeiros shows que fez, mais dificuldades. 
Rashid chegou a morar sozinho em uma casa minúscula, sem geladeira e fogão. "As vezes eu até duvidava que conseguiria gravar um disco", conta.

Apesar disso, nunca quis um emprego fixo e se manteve focado no que chama de missão: o rap.

ENFIM, O SUCESSO 

Neste ano, veio a colheita. O clipe de "Quero Ver Segurar", da "mixtape" "Assim Seja", a terceira da carreira, concorre nas categorias Revelação e Hit do Ano do Video Music Brasil, da MTV. Ele também subirá ao palco da premiação para cantar com Emicida.

Sozinho ou acompanhado, Rashid faz uma média de 12 shows por mês e já lotou casas de Porto Alegre a Manaus.

A maior parte do público não chegou à maioridade. Por causa disso, ele virou o rei das matinês, levando uma média de 6.000 pessoas por apresentação.

"Ele está em ampla evolução da performance no palco e é um dos caras mais determinados que conheci", diz Kamau, rapper de uma geração anterior à de Rashid e um dos primeiros a notarem seu talento.

A internet também ajudou a propagar seus versos e rimas, independentemente de classe social. 
"Gente da periferia ou da classe média se identifica com a minha mensagem do mesmo jeito. Classe social não é importante. Eu quero ser ouvido e me interessa que as pessoas sejam melhores."

Para ele, isso não quer dizer mudança de discurso. Rap é compromisso e fala também de coisas sérias, além de, no seu caso, relacionamentos e cotidiano, com pitadas de humor.

Quando olha para os artistas que foram os seus guias, Rashid diz que a principal diferença de sua geração para "o rap antigo, dos Racionais MCs, por exemplo", é a linguagem.

"A criançada na periferia está sempre com o celular na mão. O nosso rap acompanha isso." 
Com cerca de 100 mil "amigos" no Facebook e 700 mil seguidores no Twitter, o rapper propaga uma espécie de (também título de uma música sua): "Foco, força e fé".

A vida melhorou nos palcos e fora deles. Neste ano, alugou uma casa mais confortável, para onde levou a avó.

Quando encontrou a reportagem do "Folhateen", Rashid carregava debaixo do braço um exemplar de "O Poderoso Chefão", do italiano Mario Puzo.

"A história parece um pouco com a filosofia dos samurais, tem a coisa do foco na missão. Acredito nisso. Se você tem uma certeza, foque nisso, que vai funcionar", diz.

Os segredos do Mensalão


O empresário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema, diz que, em troca do seu silêncio, recebeu garantias do PT de uma punição branda. Condenado pelo STF por vários crimes, cujas penas podem chegar a 100 anos de prisão, ele revela que o ex-presidente Lula sabia de tudo e que o caixa para subornar políticos foi muito maior: 350 milhões de reais.

Faltavam catorze minutos para as 7 da manhã da última quarta-feira quando o empresário Marcos Valério, o pivô financeiro do mensalão, parou seu carro em frente a uma escola, em Belo Horizonte. Alvo das mais pesadas condenações no julgamento que está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), ele tem cumprido religiosamente a tarefa de levar o filho todos os dias ao colégio. Desce do carro, acompanha o menino até o portão e se despede com um beijo no rosto. Chega mais cedo para evitar ser visto pelos outros pais e alunos e vai embora depressa, cabisbaixo. "O PT me transformou em bandido”, desabafa. Valério sabe que essa rotina em breve será interrompida. Ele é o único dos 37 réus do mensalão que não tem um átimo de dúvida sobre seu futuro. Na semana passada. o publicitário foi condenado por lavagem de dinheiro, crime que acarreta pena mínima de três anos de prisão. Computadas as punições pelos crimes de corrupção ativa e peculato, já decididas, mais evasão de divisas e formação de quadrilha, ainda por julgar, a sentença de Marcos Valério pode passar de 100 anos de reclusão. Mesmo com todas as atenuantes da lei penal brasileira, não é improvável que ele termine seus dias na cadeia. Valério tem culpa no cartório, mas fica evidente que ele está carregando sobre os ombros uma carga penal que, por justiça, deveria estar mais bem distribuída entre patentes bem mais altas na hierarquia do mensalão. É isso que mais martiriza a alma de Valério neste momento, uma dor que ele tenta amenizar lembrando, sempre que pode, que seu silêncio sobre os responsáveis maiores acima dele está lhe custando muito caro.

Apontado como o responsável pela engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o maior esquema de corrupção da história, Valério enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele confidenciou a pessoas próximas detalhes do pacto que havia firmado com o partido. Para proteger os figurões, conta que assumiu a responsabilidade por crimes que não praticou sozinho e manteve em segredo histórias comprometedoras que testemunhou quando era o "predileto" do poder. Em troca do silêncio, recebeu garantias. Primeiro, de impunidade. Depois, quando o esquema teve suas entranhas expostas pela Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas. Valério guarda segredos tão estarrecedores sobre o mensalão que não consegue mais reter só para si — mesmo que agora, desiludido com a falsa promessa de ajuda dos poderosos que ele ajudou, tenha um crescente temor de que eles possam se vingar dele de forma ainda mais cruel. Os segredos de Valério, se revelados, põem o ex-presidente Lula no epicentro do escândalo do mensalão. Sim, no comando das operações. Sim. Lula, que, fiel a seu estilo, fez de tudo para não se contagiar com a podridão à sua volta, mesmo que isso significasse a morte moral e política de companheiros diletos. Valério teme, e fala a pessoas próximas, que se contar tudo o que sabe estará assinando a pior de todas as sentenças — a de sua morte: "Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até hoje".

Sua mulher, Renilda Santiago, já tentou o suicídio três vezes. Há duas semanas, ela telefonou a uma amiga para dizer que iria a um reduto do tráfico encravado na região central de Belo Horizonte comprar uma arma. Avisou que havia decidido dar um tiro na cabeça. Renilda está mergulhada em crise aguda de depressão. Os dois filhos do casal vivem dramas à pane. Meses atrás, o menino, de 11 anos, tentou fazer um teste de admissão em  uma escola mais perto de casa, mas a  diretora nem deixou o garoto começar a prova. A direção da escola não queriaí entre seus alunos o filho de Marcos Valério. A filha mais velha, de 21 anos, passou por constrangimentos cruéis. Em um debate na faculdade de psicologia, o assunto escolhido pelos colegas foi justamente o comportamento do pai dela. Humilhada, ela saiu da sala. Chega a ser assustador, mesmo que previsível, que as pessoas esqueçam a mais consagrada prática cristã, civilizada e jurídica — a de que os filhos não devem pagar pelos erros dos pais. Marcos Valério sofre de síndrome do pânico e praticamente não prega os olhos à noite. Sobre o PT e seus antigos parceiros ele vem dizendo: "Eu detesto esse pessoal. Esse povo acabou com a minha vida. me fez de um tamanho que eu não sou. O PT me fez de escudo, me usou como um boy de luxo. Mas eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo". O medo ainda constrange Marcos Valério a limitar suas revelações a pessoas próximas. Até quando?

“O caixa do PT foi de 350 milhões de reais”

A acusação do Ministério Público Federal sustenta que o mensalão foi abastecido do 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se domaram a 74 milhões, desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse é o valor é subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. Valério diz que pelas arcas do esquema passaram pelo menos 350 milhões de reais. “Da SMP&B vão achar só os 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA” afirma o empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era abastecido com dinheiro oriundo de  operações tão heterodoxas quanto os empréstimos fictícios, tomados por suas empresas para pagar políticos aliados do PT. Havia doações diretas diante da perspectiva de obter facilidades no governo. "Muitas empresas davam via empréstimos, outras não." O fiador dessas operações, garante Valério, era o próprio presidente da República.

Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no governo federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata Marcos Valério, se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido. Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: "Dirceu era o braço direito do Lula, um braço que comandava”. Valério diz que, graças a sua proximidade com a cúpula petista no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade real. Ele conta que a entrada e a saída de recursos foram registradas minuciosamente em um livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu relato, o restante do dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao dos 55 milhões de reais obtidos por meio dos empréstimos fraudulentos tomados pela DNA e pela SMP&B. Foram usados para remunerar correligionários e aliados. Os valores calculados por Valério delineiam um caixa clandestino sem paralelo na política. Ele fala em valores dez vezes maiores que a arrecadação declarada da campanha de Lula nas eleições presidenciais de 2002.

O presidente - 
“Lula era o chefe”

A ira de Marcos Valério desafia a defesa clássica do ex-presidente Lula de que não sabia do Mensalão e nada teve a ver com o esquema arquitetado em seu primeiro mandato. Com a segurança de quem transitava com desenvoltura pelos gabinetes oficiais, inclusive os palacianos, e era considerado um parceiro preferencial pela cúpula petista, Valério afirma que Lula “comandava tudo". Em sua própria defesa, diz que como operador dos pagamentos não passava de um “boy de luxo" de uma estrutura que tinha o então presidente no topo da cadeia de comando. "Lula era o chefe”, repete Valário às pessoas mais próximas. A afirmação se choca com todas as versões apresentadas por Lula desde que o esquema foi descoberto, em 2005. Primeiro, escudou-se no argumento de que tudo não passou do uso de dinheiro "não contabilizado” que havia sobrado das campanhas políticas, prática suprapartidária e recorrente na política brasileira — não por acaso tem sido essa a estratégia de defesa dos mensaleiros no STF. Num segundo momento, Lula se disse traído e pediu desculpas à nação em rede de televisão.

A rota de fuga de Lula evoluiu mais tarde para a negação completa, com a tese nefelibata de que o mensalão nunca existiu, tendo sido apenas uma armação das elites para abreviar seu mandato. A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele faz outra revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o ex-ministro José Dirceu, cujo gabinete ficava no 4o andar do Palácio do Planalto, um andar acima do gabinete presidencial. A frase famosa e enigmática de José Dirceu no auge do escândalo — "Tudo que eu faço é do conhecimento de Lula” — ganha contornos materiais depois das revelações de Valério sobre os encontros em palácio. Marcos Valério reafirma que Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz uma sombria ressalva. “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse na semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex-presidente não respondeu.

Pacto - 
“Meu contato era o Okamotto”

Há menos de dois meses, VEJA revelou a existência de encontros secretos entre Marcos Valério e Paulo Okamotto, petista estrelado que desempenha a tarefa de assessor financeiro, ou tesoureiro, de Lula. Procurado para explicar por que se reunia com o principal operador do mensalão. Okamotto disse que os encontros serviam apenas para discutir política. Não, não era bem assim. Marcos Valério tinha um pacto com o PT, e Paulo Okamotto era o fiador desse pacto. “Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o era o Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa reservada dias atrás. É o próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: "O papel dele era tentar me acalmar“.

O empresário conta que conheceu o Japonês, como o petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de seu primeiro depoimento à CPI que investigava o mensalão, Okamotto o procurou. “A conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para dizer o que eu não devia falar na CPI”, relembra. O pedido era óbvio.

Okamotto queria evitar que Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em troca do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia dinheiro e proteção. A relação se tomaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos de dificuldade, Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela primeira vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para falar com Okamotto. Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de tirar seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério até hoje. "Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o banheiro, chorando." O empresário jura que nunca recebeu nada do PT, Já a promessa de proteção, segundo Valério, girava em tomo de um esforço que o partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em último caso, tentar amenizar a sua pena. "Prometeram não exatamente absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso. vamos aquilo’... Amenizar", conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.

Poder - 
“0 Delúbio dormia no Alvorada“

Dos tempos em que gozava das intimidades do poder em Brasília, Marcos Valério diz guardar muitas lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que personagens centrais do mensalão transitavam no coração do governo Lula antes da eclosão do maior escândalo de corrupção da história política do país. Valério lembra das vezes em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema, participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que não raro servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. "O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem registro." O operador do mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma dessas reuniões noturnas no Alvorada. Sobre sua aproximação com o PT. Valério conta que, diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu Delúbio durante a campanha de 2002. Quem apresentou a ele o petista foi Cristiano Paz. seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de Lula. A primeira conversa foi em Belo Horizonte, dentro de um carro. a caminho do Aeroporto da Pampulha. Nessa ocasião, conta. Delúbio lhe pediu ajuda. "Ele precisava de uma empresa para servir de espelho para pegar um dinheiro”. A parceria deu certo e desaguou no mensalão. Hoje, os dois estão no banco dos réus. Valério se sente injustiçado. Especialmente na pane da acusação que diz respeito ao desvio de recursos públicos do Banco do Brasil. Ele jura que esse dinheiro não caiu no caixa da corrupção. "No processo tem todas as notas fiscais que comprovam que esse dinheiro foi gasto com publicidade. Não estou falando que não mereço um tapa na orelha. Não é isso. Concordo em ser condenado por aquilo que eu fiz.”

Empréstimo - 
"O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?"

 Os ministros do STF já consideraram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro — com garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores — não foi um favor a ele, mas ao governo Lula. "Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas agências quebradas e pediu: "Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu dar pro PT"? O que um dono de banco ia responder?" Valério se lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. "O Zé Augusto, que não era bobo. falou assim: "Pra você eu não empresto". Eu respondi: "Vai lá e conversa com o Delúbio"."" A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. "Se você é um banqueiro, você nega um pedido do presidente da República"?" Foram essas mesmas credenciais palacianas, segundo ele, que lhe abriram as portas no Banco Central para interceder pela suspensão da liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco, que interessava ao Rural. Valério foi destacado para cuidar do assunto em Brasília. Uma tarefa executada com todas as facilidades e privilégios. "Valério chegou lá no Banco Central e foi atendido. Você acha que o Banco Central receberia um imbecil qualquer, dono de uma agência de publicidade quebrada?"

"Nojento e vexatório"

Ex-superintendente do Banco Rural em Brasília, Lucas da Silva Roque foi um dos principais colaboradores nas investigações da Polícia Federal destinadas a desbaratar a quadrilha do mensalão. Foi ele quem revelou onde estavam os recibos que mostraram quais políticos receberam dinheiro para votar com o governo Lula no Congresso. Nesta entrevista, Roque conta que pagou um preço alto por agir de forma correta e relata um plano ambicioso urdido pela cúpula da instituição financeira em parceria com José Dirceu. Eles queriam montar um banco popular, do qual Rural e BMG seriam sócios, para conceder empréstimos consignados aos aposentados. Um negócio companheiro e bilionário.

Por que o senhor decidiu ajudar a polícia?

Não tinha nada a temer. Não entrei no jogo deles, não sou bandido. Fui mandado para a agência do Rural em Brasília para moralizá-la, porque ali estava uma bagunça. 0 que estava acontecendo no banco era acintoso, nojento e vexatório. 0 delegado disse que queria todos os documentos. Apontei onde estavam as caixas. Àquela altura, já estava tudo encaminhado para fazer sumir as provas, mandando-as de Brasília para Minas Gerais. Mostrei onde estavam os documentos e falei para o delegado que procurasse papéis também numa construtora, que servia de almoxarifado do banco.

Como a diretoria reagiu à sua colaboração com a PF?

Fui atacado de tudo quanto é jeito. Me colocaram em um porão que não era uma agência bancária, depois em uma loja de shopping que foi fechada por ser irregular. Pior, mandaram me avisar que eu estava proibido de aparecer na diretoria do banco. Isso foi em outubro de 2005. Virei a Geni. Fui demitido em agosto de 2010. Eu, minha esposa e meus filhos fomos achincalhados na rua como mensaleiros. Tive sérios problemas de saúde, perdi meu casamento.

O senhor tinha relação de proximidade com Marcos Valério. Ele disse a algumas pessoas que teve um encontro com Lula na Granja do Torto. Vários encontros. É verdade?

Sim, ele deixava para viajar para Belo Horizonte no sábado à noite para passar lá.

 Levado por quem?

Delúbio Soares, Silvinho Pereira e José Dirceu.

 Quais eram os planos da cúpula do Banco Rural e dos petistas?

Eles tinham um projeto de montar um banco popular com a CUT. Juntariam o Banco Rural, o BMG, a CUT. Era um projeto com capital de 1 bilhão de reais.

Quem capitaneava esse projeto?

Eram os bandidos do mensalão. Como o PT não tinha cultura bancária, o Rural e o BMG seriam sócios. Um banco privado com a participação da CUT, que direcionaria todos os beneficiários do INSS para tomar dinheiro em empréstimos consignados nessa instituição popular. Quando o mensalão estourou, o projeto foi abortado.

ELEIÇÕES - CAETANO VELOSO


O PT, quando na oposição, foi o mais udenista

Estou correndo para conseguir terminar a gravação de voz para meu novo disco e viajar para a Bahia sem mais preocupações quanto a isso. Vou para o aniversário de minha mãe. Ela faz 105 anos, e eu não deixaria de ir mesmo que fossem 53.

 A questão de concluir as vozes para o disco não se restringe aos três dias que são o mínimo requerido para eu ir do Rio a Santo Amaro e voltar: um adiamento desse tamanho se multiplica por pelo menos dez. Se você tem tudo pronto para mixagem e masterização num determinado dia, tudo pode correr de modo a termos o CD pronto para lançamento em X de novembro. Inclusive (muito importante) minha disponibilidade para realizar ou acompanhar os trabalhos de feitura de capa e encarte. Levando em conta tudo isso, três dias de adiamento podem significar mais de um mês de atraso para a entrega do disco. Não tenho muito tempo para pensar. Pelo menos para pensar em outras coisas.

As eleições se aproximam. Minha decisão por Freixo foi tomada, sem hesitação, logo que soube que ele era candidato. Ter confiança política em alguém por conhecer seu modo de agir no passado não significa abandonar a pesagem das circunstâncias e adotar um critério messiânico. Entro assim nesse assunto porque ele me veio à cabeça. Ouvi de amigos e conhecidos ponderações sobre os ganhos do Rio devidos à parceria de Paes-Cabral com Dilma-Lula, ou seja, com o governo central. E acabo de ler um panfleto pró-Paes que cita Aristóteles e Kant e desqualifica os eleitores de Freixo como “playboys neofascistas da Zona Sul”.

Uma amiga já tinha me escrito em e-mail que é eleitora de Aspásia (trata-se de uma moça que mantém um blog ecológico) e que não votaria em Freixo porque ele não atinge sua “sensibilidade Zona Norte”. Percebi nessa sua observação o efeito de definições, nascidas de resultados de pesquisas eleitorais, da candidatura de Freixo como um fenômeno “Zona Sul”. Mesmo porque as candidaturas verdes têm sido, até aqui, consideradas de modo semelhante. Vide Gabeira e Marina.

Bem, eu moro na Zona Sul do Rio. Mas não fui formado nesse ambiente. Minhas escolhas respondem mais a Santo Amaro e a Guadalupe do que ao Leblon. Mas a Zona Sul é Antonio Carlos Jobim fazendo “A felicidade”. É Carlos Lyra escrevendo “Você e eu”. Vinicius achando as rimas de “Maria Moita”. É sobretudo o ambiente que acolheu a batucada embutida no violão de João Gilberto — e que mudou a medula do samba, de Lúcio Alves aos mestres de bateria de escola de samba, passando por Beth Carvalho — tendo sido concebida em Juazeiro e desenvolvida em Diamantina. A bossa nova é fogo. Então, vamos deixar de crer que podemos desvalorizar o que brota ou viceja na Zona Sul.

 Mas, se eu quisesse continuar usando a metáfora da bossa nova, o caso Freixo está mais para a batida de João Gilberto do que para as composições e arranjos de Tom. O mesmo para minha adesão à sua candidatura. Algo que vem se formando desde Santo Amaro e Niterói encontra primeiro receptividade entre alunos da PUC-Rio. O que não quer dizer que pare por aí.

Apoio Freixo como apoiei Brizola, Mangabeira, Gabeira e Marina. E também como apoiei Lula contra Collor. Na eleição Lula versus Serra, votei — e declarei voto — em Lula. Mas não com a mesma decisão interna com que apoiei os outros citados. Uma adesão semelhante a essas muito definidas se deu quando da candidatura de Ciro Gomes à presidência. Mas tal adesão não resistiu ao comportamento a um tempo afoito e desmotivado do candidato.

No caso de Freixo, estou seguro de que se o Rio der estatura à sua personalidade política demonstrará maturidade e saúde social. E sempre terminará obtendo ganhos. A começar pela situação imediata. Se Paes se elege sem contrapeso, contando com dezenas de legendas, dezenas de minutos na TV, poderosas corporações e a grande imprensa (no Rio isso se resume ao GLOBO), o Rio fica sem mostrar resistência aos abusos das empresas de transporte público, sem crítica ao desenho do metrô, sem exigência moral.

 Nada disso significa que Paes tenha sido ruim para a cidade. Mas é preciso ser menos vulnerável aos epítetos “udenista”, “lacerdista” etc. que se aplicam a todo e qualquer esboço de critério ético para a atividade política. O PT, quando na oposição, foi o mais udenista de todos, exigindo ações ilibadas e coerência nas definições entre amigos e inimigos.

FH nunca encontrou entre os que agora elogiam a aproximação entre Lula e Sarney, Lula e Delfim, Lula e Maluf quem quisesse justificar seu diálogo com Sarney ou ACM.

Minhas escolhas são públicas. Não é do meu feitio escondê-las. Escolhendo Freixo, estou sendo fiel ao que aprendi com meu pai, minha mãe, meu povo.

Sua filha gosta

Falando de amor e responsabilidade, Rashid se consagra entre os novos nomes do rap nacional 
 
Nos últimos anos, uma novíssima geração de rappers vem dando nova cara ao gênero no Brasil. 
Ampliou a temática das músicas, as batidas e, por tabela, o seu público, há muito não restrito à periferia.

Um dos principais arquitetos dessa mudança é o paulistano Michel Dias Costa, 24, o Rashid, nome que vem do árabe e quer dizer "justo" ou "verdadeiro" -palavras que ele tatuou no braço direito.

Com versos como "sua filha é linda, parabéns pra você! / deve ter caprichado na hora de fazer!", que fazem as "minas" pirarem, ele tem pavimentado a carreira que começou na base do perrengue.

Nascido no bairro de Lauzane Paulista, zona norte de São Paulo, onde mora hoje, Rashid foi criado em Ijaci (a 300 km de Belo Horizonte). Lá, começou a fazer rap aos 12 anos.

"Eu botava o boné na cabeça, olhava no espelho e ficava rimando para mim mesmo, mexendo as mãos como Mano Brown", diz.

Sem muito recurso tecnológico, ele se virava como podia, gravando trechos de músicas em fitas cassete e, depois, a própria voz por cima.

O primeiro computador só veio aos 21 anos, quando ele já estava enturmado com Projota e Emicida, outros dois novos rappers. Juntos, eles formam o projeto Os Três Temores.

Rashid conheceu a dupla enquanto passava férias em São Paulo, no final da adolescência.

Foi nessa época, por volta de 2008, que gravou profissionalmente suas primeiras músicas. A divulgação era na base do boca a boca ou, como ele lembra, "mandando para cada um dos 4.000 amigos que eu tinha no Orkut".

Deu certo, e suas rimas se espalharam rapidamente; público e outros rappers começaram a prestar atenção no moleque.

"A construção do texto e as rimas do Rashid são das mais afinadas dessa nova geração", analisa o produtor Daniel Ganjaman, que tem no currículo trabalhos com os Racionais e Criolo.

"Ele abriu a temática do hip- hop -que no final dos anos 1990 estava muito restrita ao próprio movimento- falando mais abertamente de amor, por exemplo."

Entre as primeiras músicas divulgadas no MySpace e os primeiros shows que fez, mais dificuldades. 
Rashid chegou a morar sozinho em uma casa minúscula, sem geladeira e fogão. "As vezes eu até duvidava que conseguiria gravar um disco", conta.

Apesar disso, nunca quis um emprego fixo e se manteve focado no que chama de missão: o rap.

ENFIM, O SUCESSO 

Neste ano, veio a colheita. O clipe de "Quero Ver Segurar", da "mixtape" "Assim Seja", a terceira da carreira, concorre nas categorias Revelação e Hit do Ano do Video Music Brasil, da MTV. Ele também subirá ao palco da premiação para cantar com Emicida.

Sozinho ou acompanhado, Rashid faz uma média de 12 shows por mês e já lotou casas de Porto Alegre a Manaus.

A maior parte do público não chegou à maioridade. Por causa disso, ele virou o rei das matinês, levando uma média de 6.000 pessoas por apresentação.

"Ele está em ampla evolução da performance no palco e é um dos caras mais determinados que conheci", diz Kamau, rapper de uma geração anterior à de Rashid e um dos primeiros a notarem seu talento.

A internet também ajudou a propagar seus versos e rimas, independentemente de classe social. 
"Gente da periferia ou da classe média se identifica com a minha mensagem do mesmo jeito. Classe social não é importante. Eu quero ser ouvido e me interessa que as pessoas sejam melhores."

Para ele, isso não quer dizer mudança de discurso. Rap é compromisso e fala também de coisas sérias, além de, no seu caso, relacionamentos e cotidiano, com pitadas de humor.

Quando olha para os artistas que foram os seus guias, Rashid diz que a principal diferença de sua geração para "o rap antigo, dos Racionais MCs, por exemplo", é a linguagem.

"A criançada na periferia está sempre com o celular na mão. O nosso rap acompanha isso." 
Com cerca de 100 mil "amigos" no Facebook e 700 mil seguidores no Twitter, o rapper propaga uma espécie de (também título de uma música sua): "Foco, força e fé".

A vida melhorou nos palcos e fora deles. Neste ano, alugou uma casa mais confortável, para onde levou a avó.

Quando encontrou a reportagem do "Folhateen", Rashid carregava debaixo do braço um exemplar de "O Poderoso Chefão", do italiano Mario Puzo.

"A história parece um pouco com a filosofia dos samurais, tem a coisa do foco na missão. Acredito nisso. Se você tem uma certeza, foque nisso, que vai funcionar", diz.

PATRIMÔNIO LITERÁRIO » Resgate de raridades


Seminário Episcopal de Diamantina desenvolve projeto de conservação de parte do acervo de 50 mil livros de sua rica biblioteca, submetidos à ação de insetos, fungos e do tempo 
 
Diamantina – Páginas escritas em grego, latim, francês, alemão e bom português saem da escuridão do abandono e ganham a luz da conservação. E, aos poucos, transformam a terra de Juscelino Kubitschek e Chica da Silva num gigantesco “livro aberto” para o conhecimento, pesquisa e preservação da memória. Na cidade do Vale do Jequitinhonha, a 292 quilômetros de Belo Horizonte, um projeto desenvolvido no Seminário Episcopal do Sagrado Coração de Jesus, fundado em 1867 e vinculado à Mitra Arquidiocesana de Diamantina, começa a recuperar cerca de 50 mil volumes, muitos deles raros, da biblioteca da instituição, os quais ficaram confinados, sem cuidado e atenção, durante 12 anos. Na primeira fase, prevista para terminar em 30 de novembro, o trabalho contempla 10 mil obras, com desinfestação de insetos xilófagos (cupins e traças) e higienização. “Este é um universo que está sendo desbravado e será de grande utilidade para os estudiosos”, diz, com entusiasmo, o diretor de estudos do seminário, padre Júlio César Morais.
Na realidade, três mundos literários se sucedem no subsolo do prédio pintado de amarelo-claro onde estudou, quando adolescente, o ex-presidente JK (1902-1976). No primeiro, na sala da antiga biblioteca, estão 40 mil volumes – hoje enfileirados nas estantes, de forma organizada – à espera de recuperação. No segundo, no ateliê montado desde julho para essa tarefa, especialistas e sua equipe verificam a situação dos livros, separando-os em bons (50%), regulares (30%) e ruins (20%), e fazem a conservação. E finalmente, no terceiro, estão os já higienizados e prontos para consulta. Os ambientes são próximos, mas o caminho para salvá-los é longo e cheio de surpresas.

O acervo ficou longe dos olhos, de 2000 até o ano passado, quando a direção do seminário detectou o estado de degradação, chamou profissionais da área de conservação e buscou recursos. “Monsenhor Celso de Carvalho, falecido há 12 anos, tinha esse acervo para uso pessoal. Com ele, morreu o domínio da biblioteca”, conta padre Júlio César. Até agora, o livro mais antigo encontrado data de 1615, embora o diretor de estudos tenha localizado, no meio das pilhas, uma lista constando um de meados do século 16. “Ainda o estamos procurando”, afirma com determinação. 

Com capa de pergaminho (pele de animal) e escrito em latim, o Prontuário moral sobre o evangelho dominical, de 1615, se encontra na condição de regular e recebe olhares de admiração da equipe envolvida na tarefa de recontar a história do seminário por meio de um dos seus maiores tesouros: os livros. “Esta biblioteca é irmã da existente no Santuário do Caraça, em Catas Altas. Começou em 1886, com o segundo reitor, padre Miguel Maria Sípolis, vindo da França junto com os sacerdotes lazaristas”, diz o diretor de estudos, que não para de fazer descobertas. A mais recente, registrada com caneta-tinteiro, é um caderno com a cronologia do seminário.

Na hora de escolher os primeiros livros para conservação, prevaleceu o critério de data e relevância da obra, explica a historiadora e arquivista da Mitra Arquidiocesana, Verônica de Mendonça Motta: “O acervo foi se formando desde os primeiros tempos da instituição. Desta forma, temos volumes do século 18 ao 21, pois os padres que vinham para cá traziam as suas coleções em várias línguas. Temos assuntos variados, com enfoque maior na teologia, a exemplo de missais, bíblias, vida de santos e direito canônico, bem como humanidades e história. Mas temos também obras de autoria de Marcel Proust, Dostoievsky e outros. “No século 19 e primeira metade do 20, a biblioteca recebia um exemplar de muitas obras sobre religião e cultura geral publicadas na França”, diz Verônica. Os recursos para a primeira etapa (R$ 100 mil) da empreitada são do Fundo Estadual de Cultura (FEC), da Secretaria de Estado da Cultura, com a contrapartida da Mitra Arquidiocesana de Diamantina, estando os serviços a cargo do Grupo Oficina de Restauro (desinfestação), Pedra Menina Arte, Cultura e Restauro (higienização) e Marca D’Água, que vai restaurar os livros mais debilitados. O primeiro da leva, Letras symbolicas e sibyllinas, de 1747, que mais parece uma “renda de guipir”, todo furadinho pelos insetos, já está, em Belo Horizonte, nas mãos da restauradora Blanche Thais Porto de Matos. 

No ateliê, o restaurador Adriano Ramos mostra o estado de degradação de alguns volumes. “Além dos danos causados por insetos e fungos, encontramos manchas decorrentes de flores, fita adesiva, riscos de caneta, marcas de santinhos, recortes de jornais velhos e outros fatores de alto risco. “A situação era de abandono, mas os mineiros vão ter de volta uma das bibliotecas mais importantes do estado”, revela Adriano. Quando terminar a primeira etapa do projeto, elaborado por ele, a intenção é partir para busca de mais recursos.

Nas mãos da estudante de história da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Iara Nunes Ferreira, de 24, há outro livro, desta vez de 1702, com encadernação em couro e de autoria de Augustini Barbosae. “A gente tem que se segurar para não ler todos esses livros”, brinca Iara, que, a exemplo dos demais integrantes da equipe, usa jaleco branco, máscara e luvas cirúrgicas. Depois de trabalhar como estagiária voluntária na Biblioteca Antônio Torres, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Centro Histórico de Diamantina, a estudante se sente bem no novo espaço. “São livros diferentes, muitos religiosos, mas sempre interessantes para se lidar”, explica. Ao lado, Maximiliano dos Santos Barroso, de 18, atuando como auxiliar, está gostando da experiência nesse universo formado por letras, palavras, ideias e pensamentos. Tem toda a razão de gostar. Impossível, para qualquer um, ao ver textos impressos há tanto tempo, não tentar um mergulho profundo nessas páginas guiado apenas pela vontade de conhecer outras épocas e costumes.
Saiba mais - 
Tecnologia de ponta

A técnica em higienização Fernanda Alves Guerra lembra que os maiores inimigos dos livros são a poeira, a umidade e o armazenamento em local inadequado, além, claro, dos agentes biológicos. “A prevenção é essencial para garantir a sobrevida das obras e a oxigenação das páginas (aeração).” Numa sala próxima ao ateliê, fica o terror dos insetos, algo comparável a uma bolha assassina. É o processo de anóxia ou atmosfera modificada: os livros são colocados em bolsas plásticas impermeáveis, hermeticamente fechadas, havendo a substituição do oxigênio, no interior, por um gás inerte – no caso, o nitrogênio, responsável pela redução do nível de oxigênio contido em cada bolsa para menos de 0,2%. O período de permanência do material dentro da bolsa pode ser de 30 a 60 dias.
Memória - Legado cultural

O fundador da biblioteca do seminário de Diamantina, padre Miguel Maria Sípolis, trabalhou também em Portugal. No Brasil, antes de seguir para Diamantina, aonde chegou em 1886 sucedendo o seu irmão, padre Bartolomeu Sípolis, que fora transferido para a corte do Rio de Janeiro como provincial, ele atuou como missionário, professor e reitor do Santuário do Caraça. Com o tempo, foram incluídas no acervo as bibliotecas pessoais dos bispos dom João Antônio dos Santos (1863-1905), dom Joaquim Silvério de Souza (1905-1933), dom Serafim Gomes Jardim (1934-1953) e dom Geraldo de Proença Sigaud (1960-1980) e de vários sacerdotes lazaristas e seculares, como a do monsenhor Celso de Carvalho (1913-2000), que era filósofo e trovador.