Recém-indicada candidata a vice de Fernando Haddad (PT) à prefeitura
paulistana, Luiza Erundina, 77, questiona o papel do provável aliado e
adversário histórico Paulo Maluf (PP) na campanha e diz considerar o
slogan petista, que valoriza o "novo", preconceituoso contra os idosos.
Em entrevista exclusiva à Folha, concedida na noite de sexta-feira (15),
minutos após ter seu nome formalizado pelo PSB, a ex-prefeita cobra que
seu partido deixe as administrações de Gilberto Kassab e Geraldo
Alckmin.
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Fernando Haddad e Luiza Erundina em evento em que PSB anunciou apoio ao petista |
Leia abaixo os principais trechos:
Folha - Em abril, a senhora se mostrava incomodada com a possibilidade de ser vice. O que mudou?
Primeiro, foi uma decisão partidária. Nenhum dos projetos políticos dos
quais participei foi resultado de vontade pessoal. Foi o partido que
construiu esta possibilidade e me consultou, me deixando à vontade. Eu
entendi que era mais uma missão que me cabia. A direção nacional está
muito envolvida. Isso me deu coragem, pois, se ganharmos, vou ter que
deixar minha função parlamentar.
Qual foi o momento em que foi tomada a decisão? Qual era a dúvida?
Basicamente o mandato. É um mandato que se ocupa de questões
estratégicas para o país, como a questão da democratização das
comunicações, a construção de um novo marco regulatório.
A senhora tratou da regulação da mídia no discurso de hoje [sexta-feira]. É um tema a ser discutido na campanha?
Não, foi só para justificar a minha ausência dessa tarefa. Porque estou absolutamente certa de que vamos ganhar a eleição.
Que marca da sua gestão trará para a campanha de Fernando Haddad?
Já marquei um encontro com um grupo grande de pessoas que está um pouco
afastada da atividade política desde o meu mandato. É um coletivo que
vai definir a agenda, como participaremos. Isso vai dar o tom. Vai ser
uma campanha criativa, nada burocrática, com alegria, tirando aquela
caretice das campanhas tradicionais.
A senhora impôs alguma condição para aceitar?
A condição que eu fiz foi que houvesse consenso entre PT e PSB. Não quis
entrar em divisão. Não estava disputando a condição de candidata a
vice. Decidi isso porque nunca me omiti na minha vida política. Por mais
difícil que fosse a tarefa, não me omiti. Imagina se eu ficasse fora do
processo? Estou percebendo que as minhas bases estão vibrando, estão
aprovando.
Em nenhum momento a senhora negociou sua participação no eventual governo?
Certamente não serei mera figurante. Nem na campanha e nem no governo.
Não que eu pleiteie esta ou aquela pasta. Vamos gerenciar a cidade
juntos, dividindo tarefas e mobilizando a sociedade. Acho que vou ser
uma ponte entre o governo e os segmentos mais excluídos do foco do poder
em São Paulo.
Sua participação é uma forma de resgatar seu legado, já que sua gestão na prefeitura terminou com baixa aprovação?
São tempos distintos. Eu não acho que saímos do governo com rejeição.
Claro que rejeição sempre tem, sobretudo com os compromissos que
assumimos. Devo ter contrariado interesses de segmentos que sempre foram
beneficiados no governo. Sofri boicote, ameaças. O que me salvou foi o
apoio popular. Tive problemas na Câmara porque tinha minoria. Para ter
maioria, teria que fazer concessões éticas e morais. E isso eu não faço.
Hoje, depois de 23 anos, nosso governo é mais reconhecido do que foi na
época. Muitas políticas que adotamos naquele tempo estão consolidadas
em outras administrações, de vários partidos.
A senhora diz que não fez concessões para ter maioria. E agora entra
numa campanha que faz concessões para ter aliados e tempo de TV,
atraindo personagens como Paulo Maluf, seu adversário histórico...
Esse é um problema de governos de coalizão. Eu tenho outra concepção de
governo. Por mais que tenhamos dificuldades, se isso significar alguma
restrição ao seus compromissos, eu acho que tem um preço que não vale a
pena pagar por ele.
Mas qual é o limite?
Não tem esse limite. Do ponto de vista ético é absoluto esse limite. É
uma questão difícil de ser administrada. Tem relação a tempo de TV e
rádio, recursos, meios. Nós sobrevivemos numa cultura política bastante
conservadora e permissiva do ponto de vista ético e moral e a nossa
sobrevivência não é uma coisa fácil. Não é fácil ser fiel a isso.
A senhora se sentiria confortável participando de eventos ao lado de Paulo Maluf?
Eu não acredito que Paulo Maluf participará de eventos públicos junto
comigo e junto com Haddad. Isso é contraproducente do ponto de vista
eleitoral. Eu evitaria essa situação porque cria um certo mal-estar na
relação com aquelas pessoas que tem mais ligação com o povo, que sabem
quem é Maluf, que sabem quem é a direita nessa cidade, que ainda
continua no poder reproduzindo os privilégios. Eu vejo assim. Isso tem
uma questão de correlação de forças. Deve ser uma decisão de colegiado.
Vai participar deste colegiado?
Eu pretendo.
Se consultada, opinaria contra a participação dele?
Com certeza.
Em 2004, a senhora não quis apoiar Marta no segundo turno porque
dizia que o debate eleitoral foi pobre, muito centrado no candidato do
"bem" contra a candidata da "coragem". Agora se desenha uma campanha
cujos slogans transmitem um embate entre o "novo" e o "velho". Não é uma
discussão que a desagrada?
Estes valores não são pedagógicos numa campanha. Você termina negando
uma realidade que é própria dessa sociedade. É uma sociedade em que a
terceira idade cresce e exige uma nova postura e uma nova forma de ver o
problema geracional. Não dá para se imaginar que a São Paulo de hoje é
igual à de 30 anos atrás. Temos que estar antenados com o que a
sociedade diz.
A senhora acha que esse slogan do "novo" é preconceituoso?
Sim, pode reforçar isso. É ruim porque pode reforçar preconceitos. Em
partidos como os nossos temos que lutar para conquistar poder, mas temos
que ter ação pedagógica. Para que a gente avance na perspectiva de um
novo modelo de governo e de sociedade. É uma perspectiva de fazer um
governo para o povo.
Espera uma campanha agressiva?
Erundina - Nesta fase já houve manifestações indelicadas, no mínimo.
Falaram que eu ia terminar minha carreira política com essa tarefa, por
exemplo...
A senhora está segura de que não é um papel menor ser candidata a vice para quem já foi prefeita?
Claro que não. Modéstia à parte, eu tenho o que contribuir. A cidade
precisa da minha contribuição. E São Paulo não é uma cidade, é um país. O
que acontece aqui determina, em grande medida, o que acontece no país. E
nossa tarefa não é só administrar, o que nos diferencia é o respeito ao
povo. E nos submetermos ao controle, à fiscalização e à avaliação
popular. Eu mudei muito com aquela experiência dura, mas muito
enriquecedora de administrar a cidade.
Aliados relataram desalento seu com a política recentemente. Pensou em encerrar a carreira depois de cumprir este mandato?
Há 13 anos estou na Câmara lutando pela reforma política. O quadro
partidário brasileiro é um condicionante ao avanço da cultura política.
Muitos partidos não vão além de siglas. Não têm critério para se aliar,
para conviver, para participar de determinados processos. O sistema
político concorre para isso. O quadro partidário está exaurido em
propostas. Temos um esgotamento. Isso gera distorções e compromete a
democracia representativa.
Ainda na seara partidária, as chagas com o PT foram curadas?
Não acho que ficaram chagas. Fui fundadora do PT e aprendi muito lá. O
partido não havia acumulado até aquele momento em que saí uma situação
de governo efetiva. No momento em que aceitei o convite de Itamar Franco
para assumir uma pasta em seu governo... Se eu não fosse, iria me
culpar por não ter contribuído institucionalmente naquele momento
instável. Lamentavelmente nem todos discutiram o mérito. A política é a
disputar de poder. E nisso as idiossincrasias, as diferenças se
apresentam com muita força. Naquele momento me custou muito. Foi a
ruptura com o partido que ajudei a fundar, minha primeira filiação
partidária. Ter tido aquele julgamento do meu partido pelo fato de não
ter seguido a orientação nacional foi duro.
Durante a campanha terá início o julgamento do mensalão. Sua figura é
associada à rigidez ética, de valores. Há desconforto em estar numa
campanha do partido que terá vários personagens importantes sob
questionamento nacional?
Eu confio na Justiça. Quem deve tem que pagar, seja quem for, seja de
que partido for. A justiça tem que se cumprir, pois é assim que se
constrói maturidade política. Espero que a justiça se aplique
adequadamente, sem nenhuma influência que seja o estrito cumprimento da
lei, com base nas provas concretas. Tem que pagar se dever. Senão, tem
que ser absolvida. A demora é um incômodo para quem está sob suspeita.
Espero que no processo eleitoral isso não seja pretexto para se
interferir na decisão do Supremo.
A senhora acredita na absolvição do ministro José Dirceu?
Erundina - Eu não tenho elementos e informações sobre isso. Por falta de
tempo mesmo. Eu sei da minha responsabilidade na opinião pública e
acredito que se fará justiça. Hoje temos mecanismos que nos dão
segurança sobre o julgamento, que será aberto. Há condição de acompanhar
o desempenho de juízes até da Suprema Corte inclusive pela internet.
Confio na decisão.
O presidente Lula teve algum papel no convencimento para que a senhora aceitasse ser candidata?
Teve, sim. Eu recebi sinalizações de pessoas próximas dele de que era o desejo dele.
Mas não teve contato direto? Pretende procurá-lo?
Sou muito amiga do Lula, tenho um carinho e uma identidade até de origem
com ele. Era sindicalista também e estivemos juntos em todas aquelas
greves da década de 80. Temos cumplicidade política e um afeto grande um
pelo outro.
A senhora conhece Fernando Haddad bem? Conhece há muito tempo?
Não. Ele esteve no governo, se não me engano da Marta. Mas não convivi
muito naquela época. Acompanhei mais de perto no ministério. Acho que é
um moço idealista, que tem potencial grande. Ao passar pelo crivo das
urnas, terá melhores condições políticas para administrar.
Como deputada, como avalia a gestão dele à frente do Ministério da Educação?
Foi positiva, as dificuldades com o Enem, que ganharam repercussão,
foram mais administrativas. Não podemos julgar apenas pelo aspecto
administrativo. Temos que julgar pelo aspecto político também. Eu mesmo
governei com esse lado predominantemente político. As decisões de
governo são, em boa parte das vezes, políticas.
Como crítica do atual modelo de administração municipal, acredita que o PSB deve deixar o governo de Gilberto Kassab?
O partido tem que discutir mais estas questões. Nós não nos reunimos,
não debatemos. O partido precisa melhorar. Quero contribuir para que as
decisões sejam colegiadas, em que a maioria tome decisões. A dificuldade
que o PSB enfrenta nestas questões é que ele tem pouca democracia
interna.
Pessoalmente, recomendaria que o partido entregasse seus cargos na prefeitura?
Não só no município, mas também no governo do Estado. Por questão de
coerência. O dirigente até tem suas razões, mas o que me ressinto é de
que as decisões não foram partidárias, de maioria.
A senhora acredita ter algum papel no engajamento da senadora Marta na campanha?
Vou querer saber pessoalmente os motivos da sua resistência. Temos
relação de confiança, respeito e carinho. Na última vez que ela disputou
a eleição para prefeita houve cogitação de que eu pudesse ser vice
dela. Tem uma relação pessoal boa com ela. Acho que vou convencê-la do
quanto ela tem interesse por São Paulo. E mostrar a ele que o projeto
partidário tem que ter o apoio de suas lideranças
Seu ingresso preenche a lacuna que ela tem deixado na campanha de Haddad?
Nada disso. Eu sou eu, Marta é Marta. Eu sou o povo, minha origem é
nordestina, família pobre, de camponeses. Vim pra São Paulo como
migrante para sobreviver. Sofri preconceito por ser nordestina. Não sou
de família tradicional, nem de sobrenome, nem de participação política.
Como pretende participar das atividades eleitorais, já que está na Câmara?
Vou para as ruas, certamente. Vou a Brasília quando tiver trabalho e
votação. Minha agenda vai ficar livre para a campanha sextas, sábados,
domingos e segundas. Vou me organizar para isso. Vamos ter um
representante na equipe de coordenação.
Teme-se que sua presença nas visitas, sobretudo à periferia, ofusque o candidato, menos conhecido do eleitor...
As pessoas confiam em mim. Sabem que eu não escolheria ninguém que não
vá governar com o povo. Eles me conhecem e confiam nas minhas decisões
políticas. Vou estar junto do Haddad e convencê-los de que é o melhor
candidato. O entusiasmo das pessoas é impressionante. Não imaginava
isso. Tenho apelo popular muito forte, a política é meu sangue, minha
energia, é aquilo que respiro. É mais do que qualquer outra coisa, que a
profissão, a família, qualquer coisa. Essa paixão pela política temos
que trazer de novo às sociedade. Tem uma mesmice, uma repetição de
práticas na política. O afastamento das pessoas da política é grave.
Muitas vezes me insurgi com certas coisas que ferem a dimensão maior da
política.