Em 2008, 30 anos após a estreia de uma de suas criações mais
celebradas, "Kontakthof", a coreógrafa alemã Pina Bausch decidiu
remontar o número com um elenco formado por adolescentes sem nenhuma
experiência anterior em dança. A fascinante experiência foi acompanhada,
ao longo de um ano, no documentário "Sonhos em Movimento", dos
diretores Anne Linsel e Rainer Hoffman - que registraram também as
últimas imagens filmadas de Pina, que morreu em junho de 2009.
De
várias maneiras, "Sonhos em Movimento" dialoga com outro documentário,
"Pina", de Wim Wenders. Isto acontece especialmente porque o filme de
Wenders, que realiza um amplo balanço do trabalho da coreógrafa, até por
ter sido feito após sua morte, inclui também alguns trechos de
"Kontakthof", que foi remontado em 2000, com um elenco de maiores de 65
anos. Além disso, as duas bailarinas que conduzem o treinamento dos
adolescentes em 2008, Josephine Ann Endicott e Bénédicte Billet, são
igualmente personagens de "Pina".
A partir destas interseções, os
dois filmes seguem caminhos muito diferentes e "Sonhos em Movimento",
embora restrito apenas a um dos muitos trabalhos de Pina, pode afirmar o
seu encanto. Ele se localiza especialmente na forma como a coreógrafa e
suas dedicadas bailarinas veteranas são capazes de esculpir o talento
de 40 jovens, entre 14 e 18 anos, da cidade de Wuppertal - sede da
companhia -, lidando com o desafio de sua falta de experiência.
A
primeira característica que salta aos olhos é a ausência de barreiras na
seleção. Não se exige, por exemplo, um físico especial. Há jovens de
todos os tipos, altos, baixos, magros, gordos, com óculos, aparelhos nos
dentes, tatuagens. A diversidade racial e étnica, típica de uma cidade
com forte presença de imigrantes, é outro aspecto evidente.
O
filme acompanha os jovens no dia a dia dos ensaios, aos sábados, e
também fora dali, no ambiente de suas casas. Assim, histórias pessoais
marcadas por tragédias, como a perda de pais e a fuga de ancestrais de
países em conflito, progressivamente vão entrando em foco.
A
enorme tarefa de Jo-Ann e Bénédicte será encontrar denominadores comuns a
estas dezenas de histórias pessoais, levando o grupo a alcançar uma
unidade capaz de levá-lo a dominar as muitas sequências do balé,
bastante complexo, até o espetáculo final. No meio do caminho, as
naturais inibições, dúvidas e crises da adolescência entrarão como
obstáculos que as condutoras tentarão acomodar, maternalmente.
Periodicamente,
a própria Pina comparece para supervisionar o andamento do trabalho.
Uma de suas primeiras atitudes é dissipar a atmosfera de medo que se
cria diante de sua presença. Exigente, mas compreensiva, ela virá às
vezes para afinar o ritmo. Mas fica sempre claro o quanto o processo é
difícil.
Aproximando-se de seus personagens, o filme os humaniza.
Assim fazendo, torna mais nítido o tamanho da façanha a que se propõem
ao encenar "Kontakthof" - um trabalho que lembra o filme "O Baile", de
Ettore Scola, e repassa diversas situações de relacionamentos humanos,
como sedução, timidez, paixão, ternura, solidariedade.