CAIRO - O presidente do Egito, Hosni Mubarak, não renunciou, como apontavam os
rumores ao longo do dia, mas em discurso à nação nesta quinta-feira anunciou mais reformas e passou todos os poderes para o seu vice, Omar Suleiman.
Na prática, as mudanças significam que o ditador manterá apenas o título de chefe de Estado e que o presidente de fato passa a ser Suleiman, como confirmou à CNN o embaixador egípcio em Washington, Sameh Shoukry. Durante o discurso, o ditador falou em "passar poderes" ao vice, mas sem entrar em detalhes.
- Todas as decisões relativas ao cargo deverão ser tomadas por Suleiman, que passa a ser o presidente de fato - afirmou o embaixador.
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A multidão no centro do Cairo, que coloca a renúncia imediata do presidente como exigência para encerrar os protestos, já em seu 17º dia, reagiu com ira ao discurso e não demorou a gritar: "Fora, fora!". Alguns pegaram os sapatos nas mãos para pedir a saída do ditador.
Reforçando o coro, o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, principal nome da oposição,
considerou as decisões insuificientes. Para ele, não há diferença entre o Egito de Mubarak ou o de Suleiman.
- O Egito explodirá. O Exército deve salvar o país agora - disse ElBaradei.
Num indício de que nenhuma grande concessão mais será feita, Suleiman, que comanda as negociações com a oposição, discursou logo após Mubarak e pediu que todos os manifestantes vão para casa e retomem seus trabalhos.
O vice de Mubarak se disse comprometido em atender as demandas do povo através do diálogo, especificamente por
um cronograma já estipulado com a oposição.
Omar Suleiman já era, mesmo antes de receber esses poderes, o homem mais poderoso do país. Controla todas as forças de segurança - dos espiões aos militares e policiais - é o elo das Forças Armadas com o Parlamento e tem a simpatia do empresariado. Cuida, ainda, da alta diplomacia, tarefa que exerce há uma década, sempre na surdina.
Mudanças constitucionais
No discurso desta quinta, o ditador disse que transferiria suas funções, como manda a Constituição, para provar que as reivindicações dos manifestantes serão atendidas por meio do diálogo.
- Não penso em deixar o país e não vou aceitar ou ouvir qualquer intervenção ou determinação externa - afirmou Mubarak.
Mubarak explicou que serão estudadas mudanças em cinco artigos da Constituição e o cancelamento de outro. E afirmou que continuará com a transição de poder até setembro, quando acontecerão o que chamou de "eleições honestas".
O presidente confirmou também que porá fim à chamada lei de emergência, em vigor há 30 anos e que a oposição vê como uma forma de calar a dissidência. Ele disse, no entanto, que isso só será feito quando as condições de segurança permitirem.
Promessa de grande protesto A recusa a renunciar deixou os manifestantes nas ruas do Cairo e de Alexandria ainda mais irritados. Os protestos devem continuar nesta sexta com o já batizado "Dia dos Mártires", uma grande manifestação em homenagem aos pelo menos 300 mortos nos protestos desde 25 de janeiro.
Além de raiva, a sensação coletiva era de profunda decepção, já que horas antes do discurso, os egípcios chegaram a comemorar — errônea e antecipadamente — a saída do ditador.
Hazem Khalifa, um jovem químico no meio da multidão, disse que os protestos vão continuar.
- Ele já tentou dividir o povo antes. Mas o povo já conhece seu jeito de agir - disse.
Hisham Bastawisi, um juiz pró-reforma, defendeu a interferência do Exército.
- O presidente já perdeu sua legitimidade há muito tempo. As Forças Armadas devem interferir e tirá-lo antes que seja muito tarde.
Ditador frustra Obama Antes do pronunciamento, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou a dizer, durante discurso em Michigan, que os egípcios estão fazendo história.
- Acompanhamos de perto a situação. Nós faremos tudo o que for possível para apoiar uma transição ordenada. Estamos testemunhando a História se desdobrar - disse Obama, em rápida menção à situação no Egito.
A CIA, a principal agência de inteligência dos EUA, também trabalhou com a possibilidade de renúncia ao longo do dia. Leon Panetta, chefe da agência, chegou a dizer em audiência no Congresso que a saída imediata seria significativa para uma "transição ordeira".
A Casa Branca tem se pronunciado a favor das aspirações democráticas dos manifestantes e pressionou o governo do Cairo a realizar mudanças significativas, mas sempre alertando que uma transição repentina poderia gerar um caos no país.