De origem humilde, Rubens Teixeira viu nos estudos uma forma de sair da extrema pobreza que vivia e mudar sua realidade e, para isso, não poupou esforços para se tornar Doutor em Economia pela UFF e Mestre em Engenharia Nuclear pelo IME, para citar alguns de seus títulos.
Hoje, o analista do Banco Central, e também escritor, propõe a criação da moeda virtual como forma de combater a corrupção, o que pode ter lhe custado o cargo de diretor financeiro da Transpetro. Sua demissão do cargo veio após declarar em um debate que a moeda virtual seria uma forma de evitar que políticos corruptos andassem com malas cheias de dinheiro, o que pode ter atingido o atual presidente da Petrobras. Confira abaixo o nosso bate-papo.
Recentemente, em debate na Rádio Tupi e em entrevista à Band News FM, o senhor sugeriu a criação de uma moeda digital como forma de combate à corrupção. O senhor acredita que o Banco Central do Brasil teria algum meio para emissão e controle desta moeda digital?
Sim, já existe tecnologia disponível para a emissão de moeda digital como demonstra a vasta rede de teleprocessamento de informações do sistema de pagamentos no Brasil. O Banco Central e a Receita Federal possuem em seus quadros excelentes e bem qualificados profissionais que podem trabalhar em conjunto para obterem uma solução customizada para as características de nosso país. É um grande desafio, mas é um esforço que traria benefícios imensos, não apenas no combate à corrupção, como também para aumentarmos a formalização da economia, combatermos a sonegação, combatermos o tráfico e o terrorismo, e principalmente, seria um instrumento de segurança pública, já que inviabilizaria crimes de explosão de caixas eletrônicos, sequestro, crimes de saidinha de banco, assaltos a carros forte e etc.
O surgimento de moedas digitais privadas tem mostrado que é possível transferir valor através da tecnologia, que parece ser bastante promissora. Porém, o Brasil ocupa a lanterna em rankings de computação em nuvem. Como o país poderia se preparar para a criação de um projeto tão ousado?
O Brasil possui um dos sistemas de pagamentos mais sofisticados do mundo. O Banco Central, por exemplo, criou um dos sistemas de liquidação e custódia de títulos públicos federais, o SELIC, há mais de 30 anos, o que era também à época um projeto de extrema ousadia. A moeda digital de emissão pública, ou base monetária virtual, teria de ser discutida e aprovada no Congresso Nacional para ter curso obrigatório e deveria vir a ser introduzida de forma gradual para, paulatinamente, substituir a moeda manual.
O Banco Central da Inglaterra, uma das autoridades monetárias mais antigas, estuda a criação de uma moeda digital. O senhor acredita que o Brasil poderia buscar cooperação no exterior para implantação deste modelo monetário?
Sim, toda a troca de experiência é bem-vinda, principalmente tratando-se de um dos mais antigos e confiáveis centros financeiros, como é o caso do Inglês. Agora, em alguns aspectos, o Brasil é superior ao modelo adotado na Inglaterra. Por exemplo, a taxa Selic é calculada com base em operações compromissadas de um dia que são registradas no mercado aberto. Na Inglaterra, a formação da taxa Libor é mais sujeito a manipulações. Escrevemos sobre isso no nosso livro.
Sabemos que no bitcoin, todas as operações são públicas, mantendo-se a confidencialidade das partes nas operações. Acha que não pode contribuir para lavagem de dinheiro por não ter regulação?
Sim, por isso a importância de nossa proposta de criação de uma moeda virtual que tenha sim o uso regulado pela Autoridade Monetária. Inclusive, os ganhos provenientes da senhoriagem, ao invés de serem privados, como no caso das moedas virtuais privadas e das moedas sociais, serão públicos no caso da base monetária virtual.
Um dos mecanismos de se controlar a inflação é com emissão ou a retirada de papel moeda em circulação. Não acha que a moeda virtual precisa disso também como forma de resguardar quem as usa? O mercado de moeda virtual ficar a mercê dos seus criadores não é perigoso?
No caso da moeda privada, a inflação pode vir a ocorrer denominada na própria moeda virtual, caso haja excessiva emissão. Esse processo pode levar, em último estágio, a própria extinção desta moeda virtual privada, por falta de confiança dos agentes que a utilizam em um dos aspectos mais básicos da moeda, que é a sua reserva de valor. Por este motivo, as autoridades monetárias nunca chancelam suas emissões.
O senhor também defende a autonomia do Banco Central?
Defendo a autonomia técnica do Banco Central. Ou seja, que a Diretoria seja apenas deliberativa e que não também características executivas, como é hoje. A execução e o acompanhamento das políticas monetária, cambial e creditícia e a fiscalização das Instituições Financeiras deveriam ser discutidas no âmbito do corpo técnico, representado pelos chefes de departamento, e composto exclusivamente pelos funcionários de carreira. O BC possui um corpo técnico de excelência e que é altamente qualificado. A discussão sobre mandato ou não para Presidente e Diretores do Bacen é apenas secundária. Uma questão de preferência por esse ou aquele modelo. O que importa é que “quem decide não deve operar e quem opera não deve decidir”. Isso independe de mandato. Simples assim.
Por exemplo, no meio político do Rio, comenta-se sobre a existência de leilões de gado para lavagem de dinheiro. Como seria possível pegar um esquema desses?
Os fatos que circundam os leilões de gado deve ser objeto de avaliação das instituições públicas. Há órgãos capazes que têm a capacidade de verificar a legalidade destes leilões. Contudo, se os leilões de gado eventualmente se prestam também para dar legalidade ao dinheiro de origem ilícita transacionado em moeda manual, as operações ilícitas serão inviabilizadas à medida que se cria o dinheiro virtual. Ninguém corrompe com cheque, TED ou DOC. Recentemente vimos uma pessoa sendo flagrada por câmeras de segurança depositando dinheiro em caixa eletrônico. Se a transferência de recursos passar a ser eletrônica e, portanto, rastreável como sugerimos, tais leilões perderam a razão de existir, senão para o fim precípuo a que deveria se destinar.
O senhor falou em criar a moeda virtual para combater a corrupção. O Sr como funcionário público propor isso a seu ‘empregador’, não é perigoso? Não tem medo de sofrer retaliações?
Sou funcionário público e já atuei em três instituições importantes: Exército Brasileiro, Banco Central e Transpetro. Aprendi a ter correção de atitude em casa com meus pais. Estudei em escolas públicas e trabalhei toda a minha vida em instituições públicas. Amo e devo muito ao meu país pelas oportunidades que tive e sei que não sou apenas eu quem tenho este sentimento. A corrupção impede que outras pessoas iguais a mim tenham também a oportunidade de estudar, de trabalhar e criar sua família de forma honesta e digna. Já sofremos, portanto, as retaliações por não fazermos o que deveríamos ter feito no passado. Boa parte do sofrimento da sociedade poderia ser atenuado se o ingrediente honestidade fosse inserido na administração pública. Como não temos como mudar o caráter e nem as escolhas das pessoas, mudamos o aparato tecnológico e tornamos inviáveis o cometimento de erros para se desviar recursos públicos. Impedir desvios é mais efetivo do que aumentar penas e sobrecarregar as polícias, o Ministério Público e o Judiciário de ações decorrentes de fraudes. É mais barato inclusive no custo. Por isso, estou ajudando o meu empregador a gastar menos: o erário.
Hoje no seu lugar está Fernando Kamache, ex-diretor financeiro de Pasadena entre 2005 e 2009 e assessor do ex-diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, um dos réus nos processos por corrupção na Estatal. O atual presidente da Petrobras e do Conselho de Administração da Transpetro, Aldemir Bendine, foi acusado pelo ex-motorista de ter ordenado o transporte de dinheiro em espécie quando era presidente do Banco do Brasil.(Para quem não se recorda, foi na gestão dele que a socialite Val Marchiori conseguiu um empréstimo de R$2,7milhões em 2013)O senhor acredita que sua demissão na Transpetro foi por causa de seu discurso citando corruptos que carregam "malas de dinheiro”?
Defendi pela primeira vez no rádio a criação da base monetária virtual (dinheiro virtual) em 2 de março de 2015, sete dias antes da minha destituição. Estes fatos que você cita são narrados na imprensa, mas não posso correlacionar livremente uma coisa a outra. Não me sinto à vontade de comentar sobre isso. O Conselho de Administração da Transpetro, presidido pelo Sr Bendine, tinha o poder de me destituir e o fez. O que posso dizer com alegria é que fui diretor financeiro por mais de 7 anos na estatal e não me envolvi neste escândalo tão triste que arrasou a empresa e os brasileiros. Minha obrigação era essa mesmo. Não há mérito em não se envolver com o crime. É obrigação de todos nós. Fiz um esforço enorme para fazer o melhor que pude pela empresa. Cumpri minha missão com zelo e diligência. Estou torcendo muito para que a empresa supere mais este desafio. Não tenho dúvida que será assim. A empresa é forte, pujante e tem muita gente honrada e competente no seu quadro funcional. A maioria são de pessoas de bem e não será vencida pela minoria do mal. O povo brasileiro merece essa resposta com resultados e muita transparência.
Contribuíram com esta entrevista, além de Rubens Teixeira, Henrique Forno e Márcio Araújo. Todos são doutores em economia e analistas do Banco Central do Brasil. São também autores do livro “Desatando o nó do crescimento econômico: propostas econômicas e jurídicas para o Sistema Financeiro Nacional”. As opiniões aqui contidas não refletem a opinião do BACEN.
Fonte: Guilherme AAraújo