RIO - As marchinhas já não reinam soberanas na festa de Momo. A cada ano, o carnaval de rua do Rio se reinventa e, em 2011, a música de Sidney Magal, Heitor Villa-Lobos e John Lennon fará muito folião pular. A receita é simples: basta misturar gêneros, sons e ritmos, colocar tudo isso num bloco, vestir uma fantasia e sair brincando. Três grupos ensaiam sua estréia nas ruas do Rio com misturas inusitadas, mas muito bem boladas por músicos e batuqueiros formados nas melhores escolas e blocos da cidade. São eles o Feitiço do Villa, de música clássica e que homenageará o maestro Villa-Lobos; o Sargento Pimenta, que promete uma batida diferente para composições dos Beatles, e Fogo e Paixão, que vai fazer uma multidão cantar os sucessos do brega.
(Bloco Fogo e Paixão toca Haja Amor, de Luiz Caldas. Assista)(Ouça o samba do Feitiço do Villa)Quando decidiram criar um bloco com músicas do quarteto de Liverpool, uma imagem veio logo à cabeça dos amigos Gustavo Gitelman e Alexandre Ades: a da capa do disco “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, que serviu de inspiração também para as fantasias do grupo, já uma orquestra com 70 componentes.
(Bloco de Ouro: concurso do GLOBO vai premiar os destaques do carnaval de rua)(Foliões com as fantasias mais criativas também serão premiados. Saiba como participar)— Pensamos logo no nome Sargento Pimenta. Acho que ficou no inconsciente a foto do disco. Lá, os Beatles aparecem numa fantasia colorida. É muito carnavalesco — conta Gustavo, que é médico e toca tamborim.
A decisão de homenagear os Beatles acabou seduzindo amigos e amigos dos amigos. Os ensaios têm acontecido quase todos os domingos na Uni-Rio, e o desfile está marcado para a segunda-feira de carnaval, com concentração às 15h na Rua Visconde de Caravelas, entre as ruas General Dionísio e Capitão Salomão, em Botafogo.
— Vamos ter “A Hard Days Night” em ritmo de funk, “Sgt Pepper´s” em maracatu, “All My Loving” em marchinha, e “Here Comes the Sun” em quadrilha — adianta Gustavo, acrescentando que fazem parte da orquestra, entre outros instrumentos, guitarra, baixo, saxofone e trompete.
Maestro irá reger bloco na Lapa No primeiro dia da festa de Momo, Carlos Prazeres, maestro assistente da Orquestra Petrobras Sinfônica, deixará de lado o traje a rigor, mas não largará a batuta. É ele quem vai reger o Feitiço do Villa, em frente a um dos templos da música clássica da cidade — a Escola de Música da UFRJ, na Lapa. A data parece soar perfeita: 5 de março (sábado de carnaval), dia do aniversário de Villa-Lobos. O bloco começa a esquentar os violinos às 11h. Por causa dos instrumentos — entre eles, violoncelo e oboé —, o bloco vai ficar ali parado, como um concerto ao ar livre. Com exceção da hora em que tocar “Trenzinho Caipira”, de Villa-Lobos:
— Vamos fazer um trenzinho de músicos nessa hora — promete Prazeres, fundador do bloco junto com a produtora Heloísa Fischer.
A proposta, desde o início, é desmistificar a música clássica:
— O principal objetivo é atrair o jovem para a música clássica. A gente não quer competir com o Monobloco. Queremos mudar a cara e o estereótipo do músico carrancudo — explica o maestro.
Serão pelo menos 15 músicos das quatro principais orquestras do Rio de Janeiro: Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra Petrobras Sinfônica, Orquestra do Theatro Municipal e Orquestra Sinfônica Nacional - UFF. A soprano Mirna Rubim também participará da festa. No repertório, Serenata Norturna, de Mozart, “Toreador”, da ópera “Carmen”, de Bizet, a 9 Sinfonia de Beethoven, e “A Primavera”, de Vivaldi. Todas ganharão melodias próximas ao samba.
Os compositores Edino e Edu Krieger, pai e filho, são os autores de Feitiço do Villa, samba composto para o bloco e que explica bem o espírito dessa união do erudito com o popular: “Eu vou juntar Chopinho com Chopin/Não importa o amanhã/Hoje eu só quero Bach/Vou misturar Cartola com Ravel/Villa-Lobos com Noel/Pra ver que bicho dá”. No dia 1 de março, um ensaio no Lapinha dará uma prova do que será o bloco.
— É uma grande brincadeira e vai acabar agradando a todo mundo que quer se divertir. São duas oportunidades: a do público ver esses músicos da sala de concerto na rua, e dos músicos participarem efetivamente do carnaval, tocar para esse público — analisa Edu Krieger.
O brega também possui seus clássicos, e eles terão espaço na folia. Os ensaios do Fogo e Paixão, em um estúdio da Lapa, já viraram programa concorrido. Mas, por enquanto, é só para amigos. O bloco reúne gente do Bangalafumenga, Quizomba e Monobloco, três dos mais queridos grupos dos cariocas. Quando o mestre Carlos Santana, o Negão, puxa “O Amor e o Poder” (“Como uma Deusa”), da Rosana, as meninas vão ao delírio. As “baranguetes” já treinam coreografias para o desfile, no dia 27 deste mês, com concentração às 10h no Largo de São Francisco, no Centro.
— Gostando ou não, todo mundo vai sabe as letras das músicas do bloco — diz Alexandre Morand, que toca surdo no Banga e é um dos fundadores do Fogo e Paixão.
Música de Wando terá batida funk O bloco, que, assim como outros, surgiu entre amigos, faz sucesso no Facebook e no boca a boca, e já passou até a receber convites para festas. Todos recusados, para garantir a surpresa no dia D.
O mestre Negão, que já comandava o Banga, vem suando a camisa para criar arranjos ao melhor estilo bloco de carnaval para músicas como “Adocica”, de Beto Barbosa, e “Sandra Rosa Madalena”, de Sidney Magal. Negão adianta que o clássico brega “Fogo e Paixão”, de Wando, irá para as ruas com uma batida funk.
— É engraçado e cansativo. Temos que pensar em tudo, bolar arranjos novos. É muito louco — revela, rindo, o mestre do Banga.
O espírito é dançar, cantar e dar muitas risadas.
— Vai ter coreografia e outras surpresas durante o bloco — faz mistério Daniele Hang, que toca tamborim.