A transmissão das declarações do presidente e pré-candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) contra o sistema eleitoral brasileiro por uma TV pública poderá caracterizar crime de abuso de poder dos meios de comunicação, conduta essa, em tese, passível de impugnação de sua candidatura, disseram especialistas em direito eleitoral ouvidos.
Bolsonaro, que vai formalizar sua candidatura a um novo mandato no domingo em convenção no Rio de Janeiro, comandou um evento com transmissão oficial durante cerca de 45 minutos com embaixadores no Palácio da Alvorada em que, novamente, repetiu falsas alegações de fraudes nas urnas eletrônicas.
Para o advogado Matheus Pimenta de Freitas, a legislação eleitoral prevê a proibição de que agentes públicos façam pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, nos três meses que antecedem as eleições.
"A conduta está elencada no rol de condutas vedadas e a desobediência do comando pode sujeitar o infrator a responder judicialmente por eventual abuso de poder político ou por uso indevido dos meios de comunicação", afirmou ele, sócio do Pimenta de Freitas Advogados.
O advogado Renato Ribeiro de Almeida acrescentou o fato de haver divulgação de informações falsas para a gravidade do caso e comparou o episódio desta segunda com o julgamento do ex-deputado estadual Fernando Francischini, quando o TSE firmou posição de que a disseminação de fake news pode gerar abuso dos meios de comunicação e levar à cassação de mandato.
Na eleição de 2018, Francischini fez uma live para divulgar notícia falsa de que duas urnas estavam fraudadas e aparentemente não aceitavam votos em Bolsonaro, então candidato à Presidência.
"Se o presidente se vale de uma TV pública e essa TV pública é utilizada para disseminação de fake news e para atentar contra a democracia, nós temos o mesmo caso e, naturalmente, pode ser objeto de ação de abuso do poder dos meios de comunicação social, em uma ação chamada ação de investigação judicial eleitoral, que pode gerar cassação do mandato do presidente, assim como aconteceu no caso já encerrado do ex-deputado Francischini", disse Almeida.
Na avaliação da advogada Andrea Costa, está claro que o presidente "abusa de seu poder político e busca valer-se da sua posição para questionar as eleições e influenciar os eleitores, principalmente vislumbrando um cenário no qual perderia as eleições e sugeriria que o resultado seria motivado pela vulnerabilidade do sistema eleitoral" do país.
"Ao mesmo tempo, a utilização da TV Brasil para tanto cria um desequilíbrio econômico, ao utilizar tal recurso, que pode ser considerado economicamente para fins eleitorais, afetando o equilíbrio nas eleições", destacou.
O líder da minoria na Câmara dos Deputados, Alencar Braga (PT-SP), informou no Twitter que ele e líderes de partidos de oposição vão denunciar Bolsonaro pelo "crime que cometeu ao chamar embaixadores de outras nações para atacar e desacreditar o sistema eleitoral brasileiro".
"E ainda cometeu esse crime usando uma TV pública!", acrescentou Braga, sem dar mais detalhes.
A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Secretaria de Comunicação da Presidência não responderam a pedidos de comentários sobre a iniciativa do líder oposicionista.
Procurados, a assessoria de imprensa do procurador-geral da República, Augusto Aras, também chefe do Ministério Público Eleitoral, não se manifestou sobre se pretende agir no caso.
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou, em nota oficial após o evento com embaixadores, que o presidente deseja "aprimorar os padrões de transparência e segurança do processo eleitoral brasileiro".
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