Neste artigo vamos enfocar o
princípio da transparência na Administração Pública e para atingir o objetivo
proposto, deslocamos o princípio da publicidade e o colocamos como um subitem
deste tema, por entendermos que este é um subprincípio, do princípio da transparência,
assim como da motivação e o da participação popular.
A transparência é um princípio
basilar da ideia de democracia, esta, surgida no curso da modernidade como meio
de superar os obstáculos impostos pelo então Estado absolutista, nos moldes
idealizados na Grécia clássica, quando os cidadãos reunidos em lugar público,
apresentavam proposta, votavam orçamento e determinavam o quanto de tributos
deveriam pagar para financiar as despesas públicas.
Na
Administração Pública brasileira, a transparência, que é decorrência do Estado
Democrático de Direito, este concebido pela Constituição Federal de 1988, visa
objetivar e legitimar as ações praticadas pela Administração Pública por meio
da redução do distanciamento que a separa dos administrados; se concretiza
segundo Martins Júnior (2010, p. 40) “pela publicidade, pela motivação, e pela
participação popular nas quais os direitos de acesso, de informação, de um
devido processo legal articulam-se como formas de atuação”.
Nos dias atuais, podemos
afirmar, com certa segurança, que não existe plena democracia, sem que haja o
rompimento da opacidade administrativa, pois não há como a primeira ser
realizada, pelo menos em sua plenitude, sem que a segunda seja superada. A
opacidade proporciona a corrupção[2], compromete a eficiência e a moralidade,
das decisões tomadas pela administração, segundo Martins Júnior (2010, p. 25)
“o caráter público da gestão administrativa leva em consideração, além da
supremacia do público sobre o privado, a visibilidade e as perspectivas
informativas e participativas, na medida em que o destinatário final é o
público”.
O público não deve ser visto
apenas como um contra ponto ao privado, mas sobre tudo, deve ser visto como
oposição ao reservado e ao secreto, nos limites legais.
O texto constitucional não promoveu a
explicitação da transparência no rol dos princípios constitucionais, o que,
segundo Maffini (2006, p. 9-10) “não lhe retira o status aqui
pugnado, como já sustentado por Jesús Gonzáles Pérez ‘os princípios gerais do
direito, por sua própria natureza, existem com independência de sua consagração
em uma norma jurídica positiva’”.
A
transparência administrativa tem como um de seus maiores expoentes e núcleo
jurídico, o princípio da publicidade, estampado no caput art. 37 da Constituição Federal, reforçado pelo
art. 5º,
incisos XXXIII[3], e XXXIV, b)[4], LXXII[5] restringindo-se a
intimidade e o interesse social, tal como estabelecido no inciso LX[6] do art. 5º da
nossa Carta Maior.
A
participação popular (interligada com o princípio da publicidade) é outro
importante princípio ou instrumento para forçar que se dê transparência aos
atos administrativos. Os incisos de I a IIIdo § 3º do art. 37,
da Constituição Federal, estabelece que a lei
disciplinará a participação do usuário na Administração Pública direta e
indireta, para regular o direito de representação quanto à qualidade do serviço
e a negligência e o abuso no exercício de função pública, bem como o acesso a
registros administrativos e a informações sobre atos de governo.
Na
esfera infraconstitucional, a lei nº 9.784, de
29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, em seu art. 9º, abre a possibilidade de intervir no
processo administrativo os portadores de interesses indiretos e aos titulares
de interesses difusos e coletivos; prevê também a convocação facultativa de
audiências e consultas públicas (arts. 31 e 32), bem como outros meios de
participação dos administrados (art. 33). Por seu turno, a Lei Complementar
nº 101, de
04 de maio de 2000, veio estabelecer instrumento de transparência da gestão
fiscal, determinando ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos
(internet) de acesso público. Tal lei acrescenta que a transparência será
assegurada também mediante incentivo à participação popular e a realização de
audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos
planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos (art. 48, parágrafo
único).
Na
mesma senda, a Lei nº 10.257, de
10 de julho de 2001 (art. 2º, II e XIII, 4º, III, f, e
V, s, 40, § 4º, 43 e 44), descreve entre os meios de gestão
democrática das cidades o referendo popular e o plebiscito, os órgãos
colegiados, a iniciativa popular de projeto de lei de desenvolvimento urbano, a
audiência e a consulta públicas, a publicidade e o acesso de qualquer
interessado aos documentos e informações no processo de elaboração do plano
diretor e sua fiscalização e na gestão orçamentária participativa. Segundo
Martins Júnior (2010, p. 42) “a transparência, então, se instrumentaliza pelo
subprincípio da participação popular”, e segundo o mesmo autor “o Estado e seus
Poderes só são realmente democráticos se visíveis e abertos ao povo forem suas
ações e o processo de tomada de decisões”.
Outra contribuição para a
formação do conteúdo jurídico do princípio da transparência é o princípio da
motivação, pela qual se impõe que toda a atividade da Administração Pública
deva vir acompanhada dos fundamentos que ensejaram a decisão, não bastando à
divulgação apenas do ato em si, mas as razões que determinaram a sua prática,
segundo Furtado (2010, p. 125) “ao motivar seus atos, deve o administrador
explicitar as razões que o levam a decidir, os fins buscados por meio daquela
solução administrativa e a fundamentação legal adotada”.
A motivação, além de garantir
a validade do ato, externa as razões da atuação da administração proporcionando
aos administrados conhecer, de forma transparente, os fins que a administração
deseja alcançar, como bem coloca Martins Júnior (2010, p. 43-44):
Como meio de externação dos
motivos condutores do ato e requisito de validade do ato, a motivação garante
aos administrados o conhecimento da razões e fundamentos e serve como parâmetro
para o diagnóstico da fidelidade aos princípios da Administração Pública e para
mensuração da materialidade, qualificação jurídica e adequação dos fato e da
decisão tomada, considerados o objeto e a finalidade.
O
princípio da transparência, embora não explicito entre os princípios do
artigo 37 da Constituição Federal, é uma norma de normas
jurídicas, pois assim são os princípios, norma de normas, e que por seu turno
tem caráter vinculante, constituindo um dever de quem esteja à frente da
Administração Pública e, concomitantemente, um direito subjetivo público do
indivíduo e da comunidade.
REFERÊNCIAS
ANGHER,
Anne Joyce (Org.). Vade Mecum acadêmico de direito. 15. Ed. São
Paulo: Rideel, 2014.
FURTADO,
Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. Rev. Ampl. Belo
Horizonte: Fórum, 2010.
MARTINS
JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: publicidade,
motivação e participação popular. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade
Federal do Pará-UFPA; Advogado inscrito na Ordem dos advogados do Brasil,
Seccional Amazonas – OAB/AM; Licenciado em Matemática pela Universidade Federal
do Amazonas-UFAM; Ciência Política com ênfase em Administração Pública na
Universidade do Estado do Amazonas-UEA (curso incompleto); Pós-Graduado em
Direito em Administração Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina –
UNISUL; Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Parintins.
[2] A
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo do Decreto
Presidencial nº5.6877, de
31 de janeiro de 2006, estabelece que “tendo em conta a necessidade de combater
a corrupção, cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais
de sua legislação interna, adotará medidas que sejam necessárias para aumentar
a transparência em sua administração pública [...], grifo
nosso”
[3] todos têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.
[4] são
a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: [...]; b)
a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal.
[5] conceder-se-á habeas
data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas
à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de
dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo;
[6] a
lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem.
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