‘Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é sombra de árvores alheias’. Os versos de Fernando Pessoa — considerado o maior poeta português — parecem ter sido feitos para a jornalista Vanessa Asturiano, de 36 anos. Junto à famosa escultura em bronze do escritor, em frente ao centenário café A Brasileira, em Chiado, Lisboa, ela é uma das mais novas imigrantes de Portugal, destino cada vez mais certo de cariocas em busca de nova vida além-mar. Com a bagagem, o sentimento de fuga velada da violência e das crises política e econômica tupiniquins.
Segundo o Itamaraty, só na capital lusitana, 66 mil brasileiros fixaram residência ano passado. Outros 50 mil estão cadastrados nos consulados do Brasil em Porto e Faro. Em 2016, conforme o serviço diplomático português no Brasil, a concessão de cidadania portuguesa a brasileiros aumentou 35% em comparação aos três anos anteriores. Os órgãos não informam origens dos expatriados, mas estima-se que cidadão fluminenses chegam a um terço. A TAP Portugal, maior companhia aérea de bandeira portuguesa, informou que dos 40 mil clientes que embarcaram pela empresa, sem passagens de volta, nos últimos seis meses, rumo a Lisboa, a maior fatia (40%) é de brasileiros. Do Rio, partem nove voos semanais.
Vanessa, que também foi triatleta, com três títulos brasileiros, radialista e redatora, deixou um emprego promissor em uma TV no Rio, em 2016, para se mudar de mala e cuia para Portugal. “Sou sonhadora e aventureira”, diz, justificando a clássica poesia. Divorciada e sem filhos, foi atrás de especialização digital em Lisboa e criou o já badalado blog trippertalks.wordpress.com, com perfil no Facebook, Youtube e Instagram. Deu tanto certo que ela já financia o apartamento onde vive.
“Falo de costumes, hábitos, curiosidades e riquezas portuguesas, fora do roteiro tradicional. Atraio até portugueses, que, muitas vezes, não conhecem o próprio país”, revela, confessando que ainda tem saudade da família.
Em Lisboa, Vanessa encontrou o amigo Odil Gonçalves Júnior, 40, também brasileiro, coordenador de comunicação e marketing da empresa BeGuest, em parceria com a portuguesa Ana Rosa. “Vivo uma feliz e tranquila rotina, em meio a um povo educado e respeitoso”, atesta Odil, que trabalha em Cascais.
“Vou de Lisboa a Caiscais de trem, com belas paisagens, gente educada e sem tumultos”.Estudante de Psicologia, Tiago Cupolillo Mota, 27, há três meses tem acordado as 4h da manhã para pedalar. Mas não no Rio, onde facções criminosas voltaram a impor o terror a qualquer hora do dia ou da noite. Tiago também foi morar em Portugal, para estudar na Universidade do Porto, através de uma bolsa de estudos.
“É mágico não me preocupar com assaltos e balas perdidas. Não quero mais voltar”, empolga-se Tiago, que se “sente em casa”, com tantas novas amizades brasileiras do outro lado do Atlântico. Mais descontraídos e menos formais que os portugueses, os brasileiros constituem o maior bloco de estrangeiros na terra do fado, seguidos por Cabo Verde, Ucrânia, Romênia e China.
'Não é possível mais viver em paz no Rio'
Cariocas da gema, Fernando Mercanti, 37 anos, e Marcella Malahyba, 34, donos de hostels na Lapa e Santa Teresa, estão de malas prontas para se mandarem de vez para Portugal. Vão levar até Fumaça, o gato vira-latas de estimação. “Vamos com o coração partido. Amamos o Rio. Mas não é possível mais viver em paz numa cidade sitiada”, lamenta Fernando, que mora na Tijuca, próximo ao Borel.
“Nos últimos meses, passamos a ouvir tiroteios diários. É aterrorizante”, relata o empresário, explicando que a esposa, que tem parentes em Portugal, vai trabalhar como cabeleireira em Lisboa. “Eu devo continuar no meu ramo. A intenção é ganhar dinheiro em euro, que vale três vezes e meio mais que o real”, comenta.
Mestre em engenharia mecânica, Helen Souza Sá, 31, também largou carreira sólida em uma montadora multinacional no Rio, para trabalhar em uma empresa de aviação em Portugal. “Em dois meses já percebi que o país é acolhedor, com muitas semelhanças ao Brasil, como arquitetura antiga, o clima, e ligação histórica, mas com sistemas de saúde, educação e segurança bem mais justos e avançados, sem contar a facilidade de idioma”, enumera.
Outro avanço é o de transporte público, como rede de metrô renovada, ônibus, trens e composições elétricas. O bilhete unitário custa em média 1,52 euro (R$ 5,20).
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