A revelação de que um executivo brasileiro condenado na Operação Lava Jato teria sido procurado por autoridades americanas para negociar um acordo de cooperação nos Estados Unidos levou políticos do PT e advogados a protestar contra uma suposta interferência estrangeira na soberania nacional.
Em depoimento à Justiça Federal em Curitiba no último dia 21, Eduardo Leite, ex-funcionário da empreiteira Camargo Corrêa, disse ter sido contatado pelo governo americano por intermédio da força-tarefa da Lava Jato para negociar uma possível colaboração com autoridades dos EUA.
Questionado por um advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Leite não deu detalhes sobre a negociação e disse que não havia fechado nenhum acordo com autoridades dos EUA, mas que poderia vir a fazê-lo.
Após protestos do procurador Diogo Castor de Mattos, o juiz Sérgio Moro interrompeu o depoimento por conta de um possível acordo de confidencialidade entre autoridades brasileiras e americanas.
A BBC Brasil elaborou um questionário com perguntas e repostas sobre a cooperação entre Brasil e Estados Unidos em torno da Lava Jato.
Quais são as críticas à cooperação?
Advogados de Lula dizem que a cooperação entre autoridades americanas e o Ministério Público Federal em torno da Lava Jato não parece estar seguindo um acordo entre Brasil e Estados Unidos que rege a colaboração judicial.
O pacto define o Ministério da Justiça como autoridade central para tratar da cooperação pelo lado brasileiro. Segundo os advogados, porém, o processo estaria ocorrendo à margem do ministério.
Outra crítica é a de que a colaboração buscaria municiar processos contra a Petrobras nos Estados Unidos. A empresa é investigada pelo Departamento de Justiça americano e pela SEC (agência que regula os mercados de capitais nos EUA) por conta das denúncias de corrupção que vieram à tona na Lava Jato.
Segundo o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), os contatos entre procuradores brasileiros e americanos são uma "afronta à soberania" nacional e têm o objetivo de enfraquecer a Petrobras, favorecendo petrolíferas dos EUA.
Para o procurador Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, as críticas são "absolutamente infundadas".
Ele diz à BBC Brasil que a legislação sobre a cooperação só exige que o Ministério da Justiça seja acionado para efetuar procedimentos burocráticos - como pedidos de extradição ou a validação de provas coletadas em outros países - e não impede que policiais e procuradores brasileiros dialoguem livremente com colegas estrangeiros.
Como se dá a cooperação entre investigadores brasileiros e americanos?
Um acordo firmado em 1997 e aprovado no Congresso brasileiro em 2000 rege a troca de informações entre autoridades dos dois países sobre assuntos penais.
Segundo Aras, há diálogo constante entre procuradores brasileiros e americanos a respeito de investigações nos dois países, incluindo a Lava Jato.
O FBI (a polícia federal americana) mantém um analista cibernético em Brasília e oferece apoio a autoridades brasileiras nas áreas de criptografia, telefonia móvel e dados em nuvem.
O procurador afirma que, além dos EUA, o MPF dialoga sobre a Lava Jato com outros 32 países e recebeu pedidos de informações de 16 nações. Aras diz que o contato entre procuradores brasileiros e estrangeiros é tão frequente que, em alguns casos, o diálogo se dá por meio de grupos no Whatsapp.
Quantas empresas brasileiras envolvidas na Lava Jato estão sendo investigadas nos Estados Unidos?
Segundo uma reportagem da agência de notícias Bloomberg, publicada em maio, autoridades americanas estão investigando mais de 10 empresas envolvidas na Lava Jato. Não há informações oficiais sobre as companhias, já que o governo americano mantém os casos sob sigiloso.
Duas dessas empresas seriam a Petrobras e a Eletrobras, que têm ações negociadas nos EUA.
Outra companhia na lista seria a Odebrecht. Na semana passada, jornais relataram que a assinatura do acordo de delação premiada entre executivos da empresa e a força-tarefa da Lava Jato havia atrasado por conta do feriado americano de Ação de Graças. Isso teria ocorrido porque a empresa também negocia um acordo com autoridades americanas e desejaria concluir as negociações simultaneamente.
Por que os EUA investigam empresas e indivíduos estrangeiros por atos de corrupção ocorridos em outros países?
A principal legislação nos EUA contra a corrupção de empresas é a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), que busca coibir que companhias (americanas ou estrangeiras) façam pagamentos a funcionários de governos em troca de vantagens a seus negócios.
Os atos de corrupção investigados podem ter ocorrido em qualquer país, desde que a empresa mantenha vínculos - ainda que mínimos - com os EUA. Enquadram-se na lei empresas que tenham ações em bolsas americanas, investimentos ou contas bancárias nos EUA.
Se condenadas pela Justiça dos EUA, essas empresas podem ser multadas, perder a licença para operar no país e ter bens apreendidos. Nos casos mais graves, a Justiça pode pedir que outros países extraditem executivos condenados para os EUA, para que cumpram pena em prisões americanas.
Críticos dizem que a lei dificulta que empresas americanas compitam com companhias estrangeiras em países onde a corrupção é natural. Defensores da legislação argumentam, porém, que ela ajuda a combater práticas nocivas e fez com que vários países adotassem leis semelhantes.
Quem realiza essas investigações nos EUA?
Na maioria dos casos, o Departamento de Justiça, órgão subordinado à Casa Branca e que, nos EUA, tem funções semelhantes às do Ministério Público Federal no Brasil.
Quando as empresas investigadas têm ações em bolsas americanas, também pode haver participação da SEC.
Como essas investigações terminam?
Normalmente, autoridades americanas e as empresas investigadas fecham a um acordo para que o caso não seja resolvido na Justiça. Nesses acordos, as companhias costumam se comprometer a pagar uma multa, cooperar com as investigações e mudar suas práticas. Em troca, as autoridades abrem mão de denunciá-las judicialmente e manter sob sigilo irregularidades descobertas nas investigações.
Em palestra na Procuradoria Geral da República em São Paulo em maio, um representante do FBI disse que, desde 2005, a lei anti-corrupção americana já levou ao pagamento de US$ 6,2 bilhões (R$ 21 bilhões) em multas.
Segundo especialistas, boa parte do dinheiro vai para o Tesouro americano. Em alguns casos, o montante é usado para indenizar acionistas lesados pelas práticas das empresas.
Para Michael Koehler, especialista na lei anticorrupção e professor da Southern Illionis University School of Law, esses casos são altamente lucrativos para o Tesouro americano. Ele diz que empresas estrangeiras respondem pelas multas mais altas negociadas com autoridades americanas por violações.
Entre as empresas que já negociaram acordos com o Departamento de Justiça estão a alemã Siemens, a brasileira Embraer e a francesa Alcatel-Lucent.
Já Matt Kelly, consultor especializado em ética corporativa, diz que a lei não tem objetivos secretos e que empresas americanas também são punidas pela legislação.
"Alguns críticos dirão que a lei é uma máquina de dinheiro, mas eu acho que a corrupção é ruim e precisa ser erradicada. As pessoas que são corruptas precisam sofrer as consequências, e a punição financeira é uma forma de conseguir a atenção delas."
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