O deputado federal Leonardo Picciani foi reeleito nesta quarta-feira à liderança do PMDB na Câmara dos Deputados, em uma vitória de Dilma Rousseff - e em mais um indicativo da importância do PMDB do Rio de Janeiro, ao qual Picciani pertence, para sustentar o governo da presidente.
Bombardeada por todos os lados, Dilma encontrou no PMDB fluminense seu principal apoio político contra o impeachment.
O governador Fernando Pezão, o prefeito da capital, Eduardo Paes, e o clã Picciani se tornaram fiéis soldados na luta pela manutenção do mandato da presidente.
A vitória de Picciani é fundamental para Dilma, pois são os líderes dos partidos que escolhem os membros da comissão especial da Câmara que emitirá um parecer recomendando ou não a abertura de um processo de impeachment contra a presidente – e o PMDB é o partido com direito a mais indicações, ao lado do PT (oito cada).
Foi tamanha a importância dessa disputa que o secretário de governo de Paes, Pedro Paulo Carvalho, e o secretário estadual de Esporte e Lazer, Marco Antônio Cabral (filho do ex-governador Sérgio Cabral), foram exonerados de seus cargos para reassumirem seus mandatos de deputado e votarem em Picciani. Passada a eleição, voltarão a seus cargos. O ministro da Saúde, Marcelo Castro, indicado por Picciani, fará o mesmo.
Na visão de analistas políticos, o apoio à administração federal petista reflete uma perene aliança que tem trazido benefícios para os dois lados desde 2007, quando Cabral assume o governo do Rio pela primeira vez e forja uma relação bastante próxima com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dados do Tesouro Nacional revelam uma explosão nos repasses de recursos voluntários da União para o Rio de Janeiro a partir da aliança Lula-Cabral (veja os números ao longo desta reportagem).
E em tempos de forte crise financeira, a parceria se mostra mais uma vez vantajosa para o Rio – o governo Dilma acaba de autorizar que o Estado contraia dívida de R$ 3,5 bilhões a longo do ano. A primeira parcela, de R$ 1 bilhão, deve ser liberada em breve pelo Banco do Brasil.
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), observa que, após a redemocratização do país, com a administração José Sarney (1985-1990), quase sempre o governo do Rio esteve em oposição ao governo federal, o que prejudicou o Estado em termos de captação de recursos federais.
Isso mudou substancialmente com a eleição de Cabral, que antes era um forte crítico de Lula, mas passou a apoiá-lo no segundo turno da eleição de 2006, quando o petista se reelegeu presidente.
"Desde então, o Rio passou a ser beneficiado enormemente com vários convênios e acordos com o governo federal, não só para a Olimpíada e a Copa do Mundo, mas também obras do PAC, do programa Minha Casa, Minha Vida", nota Monteiro.
"E, internamente, a aliança deu frutos tanto ao PMDB, como ao próprio PT, que ampliou a sua presença política no Estado, elegendo vários prefeitos, como em Niterói, com apoio do Cabral. Houve uma aliança política muito proveitosa para ambos os lados", resume.
E a "sorte" de Dilma, ressalta o professor do Iuperj, é que o PMDB do Rio é a seção mais forte dentro do partido – não só detém o governo e a Prefeitura da capital, como elegeu o maior número de deputados federais dentro da legenda (9). "Isso contrabalança a influência de setores antidilmistas dentro do partido", afirma.
Mudança de lado
Curiosamente, a principal oposição à presidente parte justamente de outra liderança do PMDB do Rio, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável por deflagrar o trâmite do impeachment.
No entanto, Cunha foi alvo de uma série de denúncias de corrupção no ano passado, o que acabou levando à diminuição da sua influência dentro do PMDB.
O próprio clã Picciani esteve ao seu lado nas eleições de 2014, contra Dilma, apoiando o candidato tucano Aécio Neves, mas o abandonou após as denúncias.
Leonardo Picciani, que foi eleito líder da bancada do PMDB no ano passado com apoio de Cunha, depois se tornou principal interlocutor do governo dentro da Câmara, tendo indicado os ministros da Saúde, Marcelo Castro, e da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera.
Cunha tentou, sem sucesso, tirar a liderança do partido de Picciani apoiando a candidatura (derrotada nesta quarta-feira) do jovem deputado Hugo Motta (PMDB-PB).
"O grupo do Picciani é muito pragmático. Quando a situação de Cunha ficou insustentável, ele viu que a única possibilidade de se fortalecer era aderindo ao governo", afirma a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), adversária política do clã.
Picciani justifica seu voto em Aécio em 2014 ao fato de o PT ter lançado a candidatura de Lindberg Farias ao governo do Rio contra a reeleição de Pezão – o governador, porém, manteve seu apoio a Dilma junto com Paes.
"O que nos une ao governo (agora) é o princípio de que a presidenta venceu as eleições legitimamente, inclusive contra o meu voto, por decisão da maioria, e isso deve ser respeitado", afirmou Picciani à BBC Brasil.
'Distorção'
O deputado reconhece que o Rio se beneficiou da parceria entre os governos e diz que isso é uma correção de uma "distorção do passado".
"É inegável que o Rio de Janeiro foi muito prejudicado durante anos por conta de brigas políticas. Os políticos se desentendiam, e o Estado perdia oportunidade."
"Acho que a partir do governo Cabral isso foi reposicionado da forma como deve ser. O Rio de Janeiro é a segunda maior economia do país, tem uma população de quase 17 milhões de brasileiros e deve ser tratado com essa dimensão", acrescentou.
Em nota, o governo do Rio de Janeiro divulgou posicionamento semelhante: "O Estado viveu um isolamento político durante décadas, que impedia o seu desenvolvimento econômico e social. As transformações, iniciadas há nove anos e dois meses, só foram possíveis por causa da união das três esferas de governo".
O comunicado destaca ainda a importância dessa parceria para enfrentar a atual crise: "Apesar da realidade econômica, tanto o Estado do Rio quanto a União vêm fazendo um grande esforço para manter todas as conquistas. São grandes os desafios pela frente, mas o avanço só é possível se houver integração".
O Palácio do Planalto não quis se manifestar, e a Prefeitura o Rio não retornou até o fechamento desta reportagem.
Alta de 420%
As transferências discricionárias (que não são obrigatórias) da União para o Estado do Rio cresceram 420% no segundo mandato de Lula (2007-2010) em comparação ao primeiro (2003-2006), passando de R$ 755,8 milhões para R$ 3,9 bilhões, de acordo com dados do Tesouro Nacional, atualizados pela inflação.
A alta – registrada exatamente no primeiro governo Cabral – foi bem superior à média dos outros Estados, já que o total desses repasses para o conjunto das unidades federativas cresceu no mesmo período 111%, para R$ 46,7 bilhões.
Com isso, a fatia do Rio nas transferências voluntárias da União para Estados pulou de 3,4% para 8,4%.
No primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014), os repasses para o Rio recuaram (R$ 2,9 bilhões), mas se mantiveram bem acima do patamar anterior à administração Cabral, representando ainda 6,8% do total repassado aos Estados (R$ 42,6 bilhões).
O Ministério da Fazenda informou que não tinha dados prontos quantos aos repasses para a Prefeitura do Rio e por isso não poderia disponibilizá-los antes do fechamento desta reportagem.
Eleições e Olimpíada
Dois eventos importantes que ocorrem neste ano – eleições municipais e Olimpíada – também têm um papel importante na aliança entre a administração Dilma e o PMDB do Rio.
Paes lançou como candidato a sucedê-lo seu secretário de governo, Pedro Paulo Carvalho, apesar das denúncias de agressão contra sua ex-mulher. A escolha tem sido alvo de muitas críticas, mas a expectativa é de que o PT mantenha seu apoio ao candidato, o que já foi sinalizado publicamente pelo presidente estadual do partido, Washington Quaquá.
Fora isso, o sucesso da Olimpíada é de interesse das três esferas de governo. Os dados mais atualizados, de agosto de 2015, indicam que no total serão investidos cerca de R$ 38 bilhões na realização da competição, somando gastos com infraestrutura, com instalações esportivas, entre outros. Parte dos recursos vem da iniciativa privada e parte dos governos municipal, estadual e federal.
Empréstimos concedidos pelo governo federal à Prefeitura do Rio para obras de legado (urbanização, saneamento e mobilidade urbana) somam cerca de R$ 7,3 bilhões, informou a Secretaria Municipal de Fazenda. Eles serão pagos em até 20 anos.
Além disso, ainda de acordo com o órgão, a União está investindo de recursos próprios R$ 3,1 bilhões, dos quais 55% já foram pagos ou liberados. Esses investimentos envolvem também obras de urbanização e mobilidade, mas o grosso se destina aos parques olímpicos da Barra e Deodoro (R$ 1,7 bilhão).
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