Para além da lista de políticos e empreiteiras ligadas ao esquema de corrupção da Petrobras, uma das principais descobertas da Operação Lava Jato é de que o financiamento empresarial de campanhas eleitorais foi usado como um método para maquiar propinas.
Só o Partido dos Trabalhadores (PT) teria recebido mais de 4,2 milhões de reais por meio de falsas doações entre 2008 e 2010, segundo o Ministério Público Federal - mas a estratégia não estaria restrita a um partido.
Neste contexto, ganhou sobrevida a discussão sobre uma reforma política que modifique as regras do financiamento de campanhas eleitorais no país. Hoje, esse financiamento é misto: poder público, pessoas físicas e empresas contribuem.
O governo da presidente Dilma Rousseff defende o fim do financiamento empresarial de campanhas. “É necessário fechar esta porta", afirmou o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) após os protestos de domingo.
O PMDB discorda. Ontem, o partido do vice-presidente da República, Michel Temer, apresentou uma proposta de reforma política que defende, entre outras medidas, a garantia do financiamento privado de campanha.
Afinal, o que está em jogo nesta discussão? O fim do financiamento empresarial de campanhas, realmente, estancaria o sistema de corrupção? Quais as alternativas ao atual modelo? EXAME.com conversou com quatro autoridades no assunto para saber as respostas. Veja:
“Empresas não vão deixar de tentar influenciar a política”
Manoel Leonardo Santos, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais
“Tenho a impressão de que há uma esperança muito grande e infundada de que a proibição completa das doações de empresas pode resolver o problema da corrupção. Acho que isso não resolve. Na época de Collor, era proibida a doação de empresas, e isso não impediu que se montasse um mega esquema de caixa dois.
Por princípio, eu tendo a defender que empresas não poderiam doar dinheiro para partidos ou candidatos. Mas a gente precisa fazer concessões à realidade.
Uma mudança dessa magnitude, de proibir totalmente as empresas, pode não ser positiva. Elas não vão deixar de tentar influenciar a política. Uma mudança mais segura no momento seria estabelecer um teto para as doações das empresas e de pessoas físicas. Isso geraria o efeito de diminuir a influência dos grandes doadores.”
“Doação empresarial é uma forma de lavagem de dinheiro”
Márlon Reis, juiz federal. Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa
“A ‘doação legal’ de campanha é uma forma de lavagem de dinheiro. É, na verdade, dinheiro público que está sendo canalizado para as campanhas eleitorais.
Além disso, o volume destinado às empresas pelas campanhas desequilibra os pleitos. Os eleitos são respaldados por financiadoras poderosas. Não há como concorrer em condições de igualdade.
Defendemos um financiamento misto, em parte público e em parte proveniente de pequenas doações feitas por pessoas físicas até o limite de 700 reais. Propomos que as contas dos candidatos sejam expostas em tempo real.
Se nós mantivermos as eleições como estão, teremos uma degradação ainda maior da atividade política”.
“Financiamento público afasta os partidos da sociedade”
Emerson Cervi, cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
“Sou totalmente contra o financiamento público exclusivo, pois ele afasta os partidos da sociedade. O efeito dessa medida é que os partidos deixariam de ir para a sociedade e passariam a se preocupar só com a ocupação dos espaços dentro do governo. Além disso, o financiamento público exclusivo congela o sistema político e favorece os partidos maiores. Quem é grande recebe mais, e quem é pequeno recebe menos.
No entanto, acredito que a participação das empresas também não é positiva, pois elas causam um desequilíbrio no sistema. Elas fazem doações em valores muito altos, e isso afasta o doador comum, a pessoa física. O eleitor comum sabe que o peso do seu recurso é muito baixo em comparação com o da empresa. Acho que, se não houvesse doação de empresas, teríamos mais participação da sociedade neste processo.”
“Não faz sentido a maior parte das doações ser de empresas”
Wagner Romão, professor de Ciências Políticas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
“Quando a gente está vivendo um processo de crise de representação, não faz sentido um modelo em que a maior parte dos recursos das campanhas são provenientes das empresas. A gente precisa reforçar estratégias que proporcionem uma maior ligação dos candidatos e partidos políticos com os cidadãos.
O grande problema do financiamento público é que ele não estreita a relação entre eleitores e candidatos. Nossa proposta é vincular a doação de pessoa física ao imposto de renda – parte desse dinheiro seria restituído ao cidadão de acordo com a faixa de renda. Assim, acaba sendo um modelo misto.
Outra ponta dessa questão está relacionada às motivações pelas quais as empresas fazem as doações. Podem até não ser objetivos escusos, mas algum tipo de beneficiamento sempre está no horizonte.
Acabar com o financiamento empresarial é um bom avanço para reduzir a relação promíscua entre empresas e agentes dos estado”.
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