GACC - Grupo de Assistência à Criança com Câncer

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Desde o início de suas atividades, em 1996, o GACC - então Grupo de Apoio à Criança com Câncer - existe para aumentar a expectativa de vida e garantir a oferta e a qualidade global do tratamento oferecido integral e indistintamente a crianças e jovens com câncer, diagnosticados com idades entre 0 e 19 anos incompletos, independente de sexo, cor, religião ou posição socioeconômica.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Dano moral sob a ótica da Constituição Federal de 1988

O dano moral, antes de ser regulamentado pelo instituto da Responsabilidade Civil, tem um viés puramente constitucional, visto que a lesão praticada fere diretamente os direitos à honra, vida privada, imagem, dentre outros, o patrimônio personalíssimo criado e regulamentado pela Carta Magna. A Constituição Federal, em seu art. 5°, incisos V e X, prevê a indenização por dano moral como proteção a direitos individuais, o que já haviam feito o Código Brasileiro de Telecomunicações, a Lei de Imprensa e a Lei dos Direitos Autorais, especificamente. 
Os direitos e garantias fundamentais vêm propostos no Título II da Constituição Federal e referem-se a um conjunto de dispositivos contidos na Constituição brasileira de 1988 destinados a constituir direitos, garantias e deveres aos cidadãos da República Federativa do Brasil. Estes dispositivos sistematizam as noções básicas e centrais que regulam a vida social, política e jurídica de todo o cidadão brasileiro.
Os Direitos e Garantias Fundamentais encontram-se regulados entre os artigos 5º ao 17 e, segundo o doutrinador José Afonso da Silva[1], estão reunidas em três gerações ou dimensões: individuais, civis e políticos;  sociais, econômicos e culturais; difusos e coletivos. São prerrogativas constitucionais basilares, sendo obrigatória a presença de todos eles ao ser humano brasileiro. Destaca-se, com isso, que os direitos constituídos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, por exemplo, são inerentes a todos, sendo dever do próprio povo fiscalizar a presença desses direitos à vida social. Segundo Flávio Tartuce:
Sabe-se que o Título II da Constituição Federal, sob o título ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’, traça as prerrogativas para garantir uma convivência digna, com liberdade e com igualdade para todas as pessoas, sem distinção de raça, credo ou origem. Tais garantias são genéricas, mas também são essenciais ao ser humano, e sem elas a pessoa humana não pode atingir a sua plenitude e, por vezes, sequer sobreviver. [2]
Necessário aduzir que o rol descrito na Carta Magna é exemplificativo, albergando nos dispositivos referentes aos direitos fundamentais todos aqueles que prezam pela boa convivência e dignidade da pessoa, estando ou não no texto constitucional. Para reconhecer o caráter exemplificativo de tais direitos, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece uma cláusula geral de proteção da personalidade, qual seja a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, Gustavo Tepedino defende:
Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do parágrafo 2º do artigo 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.[3]
Os direitos fundamentais firmados pela Constituição Federal de 1988 configuram-se como diretrizes gerais que garantem um limite ao poder excessivo do Estado, não se confundindo com os direitos da personalidade, que apesar da semelhança e confusão corriqueira, estes são frutos da captação dos valores fundamentais regulados no interior da disciplina civilista. Tais direitos, conforme já defendido, não se confundem, já que são espécies autônomas, mas se encontram em um ponto comum, qual seja a proteção de valores inerentes à pessoa humana.
Verifica-se, portanto, que os direitos fundamentais são construídos sob a perspectiva de efetivar a dignidade do titular da personalidade nas relações públicas, enquanto que os direitos da personalidade seriam uma proteção necessária para o exercício da própria personalidade nas relações privadas. Insta frisar, porém, que, embora sejam conceitos autônomos, muitas vezes um direito da personalidade é também um direito fundamental, da mesma forma em que se torna possível a ocorrência da relação inversa.
O termo “personalidade” significa o conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de alguém. A formação da personalidade é processo gradual, complexo e único a cada indivíduo. Os direitos da personalidade, ou personalíssimos, são aqueles definidos como irrenunciáveis, intransmissíveis e que todo indivíduo tem de controlar, tais como: o uso de seu corpo, nome, imagem, aparência ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua identidade. Dessa forma, estariam os direitos da personalidade vinculados de forma indissociável ao reconhecimento da dignidade humana, qualidade necessária para o desenvolvimento das potencialidades físicas, psíquicas e morais de todo ser humano.
Posto o conceito de direito personalíssimo, crucial diferir do direito fundamental, visto que estes são traduzidos como inerentes à pessoa humana, que decorrem da própria natureza do homem, sendo, portanto, indispensáveis e necessários para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária. Tais direitos passaram a ser proclamados e inseridos de maneira explícita nas constituições após a 2ª Guerra Mundial, haja vista as tamanhas violências cometidas pelos regimes fascista, stalinista e nazista naquela época, ameaçando direitos individuais e coletivos essenciais para a vida em sociedade, bem como provocando profundas instabilidades no convívio de âmbito internacional.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 representou um grande avanço no reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, trazendo em seu bojo um rol extenso e não exaustivo desses direitos, de forma explícita e implícita, bem como revelando garantias que asseguram o respeito e o cumprimento de tais direitos.
Os direitos da personalidade encontram-se intimamente ligados aos direitos fundamentais, tendo em vista que todo aquele que tem personalidade merece uma proteção fundamental. Tal proteção fundamental são os próprios direitos da personalidade e estes constituem proteção necessária para que a pessoa possa exercer a sua essência com dignidade. Pode-se afirmar, sem erro, que todo direito personalíssimo é fundamental, visto que a característica personalíssima de ser apenas traduz a inalienabilidade e a ampla individualidade de tais direitos que é claro e evidente ser fundamental.
O direito de propriedade, por exemplo, está elencado na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XXII, como sendo um direito individual fundamental, porém, analisando o direito elencado, pode-se afirmar que o mesmo é um direito personalíssimo do ser humano, que não pode, por exemplo, vender esse direito a outrem; em outras palavras, é impossível existir qualquer contrato que comercialize o direito de propriedade. Por conta disso, o Direito Civil não regula os direitos fundamentais, por ser esse ramo do direito próprio da propriedade objetiva dos indivíduos, regulando relações privadas com o objeto sendo lícito, possível e determinado, ou determinável, pelo menos.
Ademais, oportuno esclarecer que os direitos personalíssimos possuem esta nomenclatura pois preservam a integridade física, moral e intelectual das pessoas. Conforme leciona Sílvio Rodrigues, não se pode “conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que crê ser sua honra”, no sentido de afirmar que há direitos inseparáveis da pessoa, pois estão ligados desde o momento em que nascem até mesmo após sua morte, haja vista que seus familiares passarão a ter legitimidade para requerer que cesse os direitos ameaçados.   
Como é de conhecimento, a Constituição Federal de 1988 prevê logo em seu 1º artigo, dentre outros fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, que está ligada de maneira direta aos direitos personalíssimos, haja vista se tratar de atributo essencial do ser humano, conforme preceitua Ingo Wolgang Sarlet em sua obra, in verbis: 
[...] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co- responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.[4]
Outrossim, oportunas são as palavras de Flávio Tartuce a respeito do tema:
Os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo e o que se busca proteger com eles são, exatamente, os atributo específicos da personalidade, sendo personalidade a qualidade do ente considerado pessoa. Na sua especificação, a proteção envolve os aspectos psíquicos do indivíduo,além de sua integridade física, moral e intelectual, desde a sua concepção até a sua morte.[5]
   Assim sendo, os direitos da personalidade se encontram entre os direitos extrapatrimoniais, por não se tratar do patrimônio da pessoa, mas sim da integridade física, moral e intelectual, como o direito ao nome, à imagem, à privacidade, ao corpo vivo ou morto etc., são aspectos que dizem respeito ao cerne da pessoa, essenciais ao ser humano.
A melhor definição pura e seca para Responsabilidade Civil está albergada pelo Consultor Jurídico Online, onde menciona que:
Responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outrem. Em direito, a teoria da responsabilidade civil procura determinar em que condições uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outra pessoa e em que medida está obrigada a repará-lo. A reparação do dano é feita por meio da indenização, que é quase sempre pecuniária. O dano pode ser à integridade física, à honra ou aos bens de uma pessoa.[6]
O conceito de responsabilidade, de reparar o dano injustamente causado, é da natureza humana, assim sendo, sempre existiu, porém a forma de reparar o dano sofrido na sociedade primitiva era através da violência coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor. Posteriormente, passou-se para a vingança individual, privada, a Lei de Talião demonstrava a reparação, no até hoje conhecido "olho por olho, dente por dente" ou "quem com ferro fere, com ferro será ferido". O poder público pouco intervia.
Já em Roma, o sistema de responsabilidade é extraído da interpretação da "Lex Aquilia de Damno", o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional pré-existente. Por esta razão a responsabilidade extracontratual também é denominada aquiliana.
Com a evolução da sociedade, a idéia de culpa não era mais suficiente para cobrir os danos, devido a sua subjetividade, o mero risco, passou a ser causa de indenização, independente de culpa. Basta provar que o evento decorreu da atividade para gerar o dever de indenização.
Hoje, há ainda o dever de indenizar devido a atos cometidos por terceiros, como entre pais e filhos menores, entre comitentes e prepostos por culpa "in eligendo" etc. Também se responde por fatos de animais ou coisas sob a guarda do imputado e também sobre produtos vendidos por empresa. A teoria da reparação de danos só foi corretamente entendida quando os juristas entenderam que o fundamento da responsabilidade civil situa-se na quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano, transferiu-se o enfoque da culpa para a noção de dano. A responsabilidade civil vem com duas funções básicas, que é restabelecer o direito lesado e servir como sanção civil ao ator do fato.
Neste contexto, o dano, seja ele material ou moral, praticado pelo infrator da norma, dá direito líquido e certo à vítima de ser ressarcida pelos atos praticados com dolo ou culpa do agente transgressor. A Reponsabilidade Civil é a ramificação didática da ciência do Direito que mais se mostra lógica, uma vez que o raciocínio é simples: há o dano, há o direito de ser ressarcido. Com efeito, não é a conceituação da Responsabilidade Civil que importa, mas sim a existência e a delimitação do dano causado; isto sim é o divisor de águas e a questão crucial nas ações de reparação de danos.
Ora, é claro e evidente que o dano praticado tem que ser delimitado, o magistrado é obrigado a saber e ter a plena e absoluta convicção acerca do ato ilícito praticado pelo demandado na ação civil, caso contrário, existindo qualquer resquício de dúvida, é imperioso, mandamental e obrigatório a improcedência da demanda, sob pena de além de haver enriquecimento ilícito, existir injustiça e aberração jurídica, já que um inocente não pode responder pelo ato que não praticou ou praticou com alguma excludente do dever de reparar.
Outrossim, oportuno esclarecer que a evolução histórica, juntamente com o entendimento jurisprudencial e doutrinário atual, caminha para o lado de que a Responsabilidade Civil deve ser tratada com um grau elevado de importância, não suportando a carência de provas robustas e consistentes, a tentativa desleal de enriquecimento ilícito e confusão entre o real dano praticado e o mero aborrecimento comum ao dia-a-dia e presente em todas relações.
Por outro lado, a Responsabilidade Civil é sim um ramo do direito que permite ao magistrado a aplicação de duras sanções e o uso de todos os artifícios hábeis à devolver à vítima o abalo material ou moral sofrido em virtude da má conduta praticado. Ousa-se comparar o Instituto em análise com o Direito Penal, que averigua a conduta delituosa praticada ou não e a posterior aplicação de sanções, tais como: reclusão, detenção, penas restritivas de direito etc.
A diferença entre as comparações acima elencadas é que a Responsabilidade Civil interfere apenas no patrimônio do infrator, ou seja, irá intervir sumariamente na pecúnia, no quantum debeatur e o Direito Penal, por ser regulador de crimes, poderá intervir nos direitos constitucionais de ir e vir.
Assim, guardadas as devidas diferenças, conclui-se que os dois ramos estudam e aplicam sanções a atos ilícitos praticados com dolo ou culpa pelo agente transgressor, não restando dúvidas de que o dano civil não pode ser impune, pelos mesmos aspectos de um crime praticado que não foi feito nada com o criminoso.
Para corroborar o acima exposto, Maria Helena Diniz acerca defende que “é a aplicação de medidas que obrigam uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato que ela mesma praticou, por pessoa a quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal."[7]
A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. A subjetiva está amparada em três requisitos caracterizadores para sua existência, são eles: a culpa, o dano e o nexo causal. Por conta disso, para reparação do dano causado à vítima, é necessário restar demonstrado a culpa do infrator e o nexo de causalidade entre a conduta praticada e o dano perpetrado. No ordenamento jurídico brasileiro, a cláusula geral da responsabilidade subjetiva está prevista no artigo 186 c/c o artigo 927 do Código Civil, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Da leitura de ambos os artigos, percebe-se que para a caracterização do ato ilícito, são necessários dois pressupostos: a imputabilidade do agente e a culpa. Diz-se imputável o agente capaz de responder por uma conduta contrária ao dever. Consequentemente, os incapazes não seriam obrigados a reparar o dano que causassem a outrem, por serem inimputáveis. O alegado porém não ocorre, visto que o Código Civil de 2002 adotou a teoria da responsabilidade mitigada e subsidiária dos incapazes, a qual reza que pelos atos dos incapazes responde, primeiramente, a pessoa encarregada de sua guarda. Acaso essa pessoa reste incapacitada de responder, o próprio incapaz responderá, porém, frise-se, somente quando as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes para tanto.
Ademais, o segundo pressuposto é a culpa, categoria mais importante da responsabilidade civil subjetiva. A noção jurídica de culpa alberga a ideia do dolo, como sendo a contida na “negligência, imprudência e imperícia” descrito no artigo acima mencionado. Por dolo entende-se o propósito de causar dano a outrem. Já por culpa em sentido estrito, entende-se a inobservância de uma norma de conduta, seja por negligência, ou seja, falta de cuidado por conduta omissiva, imprudência, falta de cuidado por conduta comissiva, ou imperícia, falta de habilidade no exercício de atividade técnica, que leva a um resultado não desejado, qual seja, a violação de um dever jurídico, causando dano a outrem.
Nesse sentido, deve-se destacar que o conceito jurídico de culpa evoluiu, de modo a surgir o que chamam hoje de “concepção normativa de culpa”. Por essa concepção, a culpa passou a ser entendida como “o erro de conduta”, de modo que age com culpa aquele que age fora dos padrões de conduta esperados.
Desse modo, para verificar se houve culpa ou não, deve-se comparar a conduta concreta do agente causador do dano com a conduta que teria adotado o homem-médio. Ou seja, adota-se um modelo de comportamento esperado, baseado no parâmetro romanista do bonus pater famílias, e o compara com o comportamento do agente causador do dano, aferindo, assim, se esse agiu com culpa ou não.
Por conta do exposto, é de fácil conclusão que a responsabilidade civil subjetiva é aquela em que a obrigação de indenizar só ocorre com a comprovação de dolo ou culpa por parte do causador do dano, cabendo ao prejudicado o ônus de demonstrar a existência desses elementos subjetivos. Para corroborar o alegado acerca do tema, imperioso destacar o posicionamento do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves acerca do assunto:
Conforme o fundamento que se dê à responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.
Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Essa teoria, também chamada teoria da culpa, ou "subjetiva", pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.
Diz-se, pois, ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro dessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.[8]
Por fim, interessante destacar duas tendências jurisprudenciais e doutrinárias que se desenvolveram nesse contexto. A primeira tendência se relaciona com a prática de classificar graus de culpa no momento da fixação da indenização. Assim, como modalidade grave de culpa, tem-se o erro grosseiro, injustificável (equiparado ao dolo e a culpa consciente); como modalidade leve, por sua vez, tem-se aquele erro evitável com atenção ordinária; por último, como modalidade levíssima, tem-se o erro ocasionado pela falta de atenção extraordinária, com especial habilidade.
A segunda tendência se relaciona com a prática de admitir a inversão ao ônus da prova, em casos em que se entende que seria muito difícil a vítima obter reparação se tivesse que provar o nexo causal. Dessa forma, em face da possibilidade da vítima ter que fazer uma prova diabólica, presume-se a culpa do agente causador do dano. Arrematando o assunto, forçoso destacar ainda o pensamento de Aguiar Dias e Washington de Barros Monteiro acerca do tema, respectivamente:
A teoria da culpa, resumida, com alguma arrogância, por VON IHERING, na fórmula ‘sem culpa, nenhuma reparação’, satisfez por dilatados anos à consciência jurídica, e é, ainda hoje, tão influente que inspira a extrema resistência oposta por autores insignes aos que ousam proclamar a sua insuficiência em face das necessidades criadas pela vida moderna, sem aludir ao defeito da concepção em si mesma.[9]
[...] a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada teoria da responsabilidade subjetiva, que pressupõe sempre a existência de culpa (latu sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligência, imprudência ou imperícia.[10]
A Responsabilidade Civil Objetiva, por sua vez, é aquela não necessita da culpa como elemento caracterizador da reparação do dano. Para esta divisão, a relação de causa entre o ato do transgressor e o dano perpetrado surge automaticamente o dever de indenizar. Carlos Roberto Gonçalves escreveu sobre o tema quando defendeu:
Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. Trata-se, portanto de classificação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vitima do referido ônus. Mas, como se baseia em culpa presumida, denomina-se objetiva imprópria ou impura. É o caso, por exemplo, previsto no art. 936 do Código Civil, que presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem. Mas faculta-lhe a prova das excludentes ali mencionadas, com inversão do ônus probandi. Se o réu não provar a existência de alguma excludente, será considerado culpado, pois sua culpa é presumida.[11]
A lei impõe a certas pessoas em determinadas situações a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco.
Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa é presumida. É uma classificação baseada na prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. Por basear-se em culpa presumida, denomina-se objetiva imprópria ou impura. É o que se vê, por exemplo, no artigo 936 do Código Civil, que presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem, conforme estipulação expressa do mencionado artigo: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.”
Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exercer alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repara-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. Outrossim, superados os argumentos acima expostos, que bem delineiam a concepção acerca da responsabilidade civil subjetiva e objetiva, necessário faz-se tecer considerações acerca da Responsabilidade Civil Contratual e a Extracontratual.
Com efeito, entende-se por responsabilidade contratual aquela presente em um contrato existente entre as partes envolvidas, agente transgressor e vítima. Assim, o contratado ao unir os quatro elementos da responsabilidade civil, ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo e dano, em relação ao contratante, em razão do vínculo jurídico que lhes cerca, incorrerá na chamada Responsabilidade Civil Contratual.
Em outras palavras, a responsabilidade contratual resulta de um contrato entre as partes, onde o descumpridor do acordado indenizará a vítima pelo dano ou prejuízo, conforme determina o artigo 389 do Código Civil: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Na responsabilidade contratual, não se faz necessário o contratante provar a culpa do inadimplente para obter reparação das perdas e danos, já que neste tipo basta provar o inadimplemento. O ônus da prova, na responsabilidade contratual, competirá ao devedor, que deverá provar, ante o inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou presença de qualquer excludente do dever de indenizar. Assim, para que o devedor não seja obrigado a indenizar, o mesmo deverá provar que o fato ocorreu devido a caso fortuito ou força maior.
Já a responsabilidade extracontratual se resulta do inadimplemento normativo, ou seja, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, da violação de um dever fundado em algum princípio geral de direito, e não do inadimplemento contratual, visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional. A fonte desta inobservância é a lei; é a lesão a um direito sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Aqui, ao contrário da contratual, caberá à vítima provar a culpa do agente.
A responsabilidade extracontratual deriva, portanto, de um ilícito extracontratual, por não estar albergado em nenhum instrumento previamente acordado e sim nas regras gerais normatizadas pelo direito positivo. Deriva da transgressão à lei normatizada e positivada  no espaço e tempo. Segundo leciona Sílvio de Salvo Venosa, a responsabilidade extracontratual, ou Lex Aquilia, é o divisor de águas da responsabilidade civil, pelos motivos abaixo esposados:
Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual. Por essa razão, denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade. A Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Como os escravos eram considerados coisas, a lei também se aplicava na hipótese de danos ou morte deles. Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos.[12]
A fonte da responsabilidade extracontratual, conforme já defendido, é a inobservância da lei. É a lesão a um direito sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Como exemplifica Sílvio Rodrigues, se alguém atropela um homem que, no desastre, perde um braço, o agente causador desse dano fica obrigado a repará-lo, por responsabilidade extracontratual. A indenização, no caso, consistirá no pagamento do correspondente às despesas de tratamento da vítima, lucros cessantes até o fim da convalescença e ainda uma pensão correspondente à diminuição de sua capacidade laborativa, além de indenização por danos morais, objeto principal de estudo no presente trabalho.
Dano é toda lesão a um bem juridicamente protegido, causando prejuízo de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. Sem que tenha ocorrido dano a alguém, não há que se cogitar em responsabilidade civil, por ser requisito indispensável à reparação em face do ato ilícito cometido. Ao contrário do que ocorre na esfera penal, o dano, na esfera civil, sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil; não há responsabilidade civil por ‘tentativa’, ainda que a conduta tenha sido dolosa.
Segundo Cavalieri Filho, a Responsabilidade Civil tem por finalidade principal o restabelecimento do status anterior ao dano, como forma de distribuição do infortúnio, alguns aspectos lhe são característicos: este restabelecimento pode se dar, a princípio, de duas formas diversas, quais sejam a reintegração específica e a indenização. A reintegração específica se dá pela reparação dos danos in natura. Na hipótese de não se poder restituir in natura, tem cabimento a conversão desta por uma indenização.
Para o autor, a função reparatória parece evidente na reintegração em espécie do bem lesado, porém é na categoria mais ampla de indenização que pode surgir a possibilidade de acrescentar outras funções para além daquelas ressarcitória e compensatória. Tudo isso justamente porque são reduzidas as hipóteses de bem juridicamente tutelado que podem ser ressarcidos em espécie. Importante colacionar as oportunas lições do doutrinador Cavalieri Filho a respeito do tema, para, após tecer considerações acerca de seus ensinamentos:
Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum praticamente a todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinadamente do dever de indenizar. [...] Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.[13]
Com efeito, a necessidade de ressarcimento do dano advém da ideia de que o lesionado não pode, em hipótese alguma, ter seu patrimônio, mesmo que seja moral, diminuído sem que o infrator não devolva o status quo do início. O abalroamento de dois veículos sempre pressupõe a culpa de um dos motoristas, sendo necessário, primeiro, a percepção de qual dos dois infringiu as normas de trânsito e cometeu o ilícito. Após esse consenso, a vítima terá direito líquido e certo em reaver seu veículo sem arranhões, amassados ou qualquer tipo de avaria.
Neste exemplo, percebe-se que o ressarcimento pelo dano causado nasceu no momento da colisão, surgindo a pretensão ao detentor do veículo lesionado de buscar de todos os meios legais para reaver o montante devido para consertar o veículo, isto se chama dano material. De outro lado, se dois indivíduos discutem e um profere xingamentos e acusações levianas, nasce, neste intervalo de segundo, o direito do lesionado ser ressarcido, geralmente pecuniariamente, pelo amargo, dor, abalo sofrido com sua honra, isto se chama dano moral.
Com esses dois exemplos, assevera-se que inúmeras serão as situações que um indivíduo terá direito de ser ressarcido e outro o dever de ressarcir o abalo sofrido no patrimônio material ou moral do outro. E, ainda, que existem diversos tipos de dano, podendo ser moral, material, estético, emergente etc. Ademais, ainda em análise perfunctória acerca do dano, para Pessoa Jorge, o dano corresponde à lesão de certo bem, que conduz ao dano concreto, ou real:
[...], discute-se em que aspecto das situações jurídicas ele se insere: se consiste na violação do direito subjetivo, ou na ofensa ao bem, ou na lesão à disponibilidade deste, ou na ofensa ao interesse do titular.
Parece-nos, dentro desta concepção, que o prejuízo deve ser entendido como frustração efetiva das utilidades do bem.
Referimos acima o mecanismo da ofensa-lesão a situações vantajosas; ora, o prejuízo só existe quando, havendo essa lesão, o respectivo titular não consegue, na realidade, usufruir as utilidades do bem, ou só o consegue com maior esforço, hipótese em que o prejuízo consiste nesse maior esforço.
O dano surge, assim, em relação a qualquer situação vantajosa, mesmo de fato, e não se reporta necessariamente à lesão de um direito subjetivo; mas só é relevante para efeitos de responsabilidade civil, quando resulta da lesão de uma situação vantajosa tutelada pelo direito, nos termos que vimos acima.
Deste modo, o prejuízo não se confunde com a lesão do direito ou, em geral, da situação vantajosa. Se o empreiteiro, obrigado a entregar a casa dentro de determinado prazo, só vem a fazê-lo quinze dias mais tarde, houve ofensa do direito de crédito, mas pode não ter havido prejuízos, v. g. se o dono da casa, que a destinava a sua habitação, não a utilizaria nesse período por se encontrar ausente no estrangeiro. Se alguém danifica ou se apropria de coisa alheia, lesa o direito de propriedade; mas, se a conserta ou restitui antes que dela necessite o dono, não provoca prejuízos a este, pelo que não haverá responsabilidade civil.[14]
Conclui-se, portanto, que existente o dano nasce o dever de reparar o lesionado, sendo imperioso que qualquer que seja a espécie do dano é necessário a devida compensação pelo perdimento material ou moral do agente, necessitando este voltar ao status originário, sob pena de enriquecimento ilícito do transgressor, atitude rechaçada com veemência em todo o ordenamento jurídico pátrio.

Notas

[1] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2013.
[2] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2012.
[3] TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
[4]  SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: do Advogado, 2007.
[5] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2012.
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[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 31. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2014.
[8]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012.
[9] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: E Lumen Juris, 2012.
[10] MONTEIRO, Washington de Barros; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de direito civil. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[11] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012.
[12] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[13] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
[14] JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil . 2. ed. São Paulo: Almedina, 1995.

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