A reação contrária dos analistas de mercado ao polêmico corte dos juros básicos, na reunião do Copom da semana passada, mesmo muito mais forte do que o usual, não chegou a surpreender. Acostumados a um Banco Central disposto a apertar o gatilho de alta na taxa Selic ao primeiro sinal de escape dos preços a uma trajetória de convergência para o centro da meta de inflação, os analistas já andavam desconfiados com o comportamento do BC da presidente Dilma Rousseff. Com a decisão do fim de agosto, as desconfianças em relação à perda de autonomia e ao abandono do regime de metas elevaram-se ao nível das certezas.
Se bem que a redução de 0,5 ponto porcentual na taxa básica tenha sido apoiada por representantes de setores da chamada economia real - o que surpreende menos ainda -, não é bom que a credibilidade do BC seja posta em xeque por um amplo segmento de formadores de expectativas de preços, como é o caso do setor financeiro.
O pior de tudo é que tanta celeuma acaba confinada a uma estreita faixa de manobra. Por mais que a economia mundial desabe e o novo mix da política macroeconômica brasileira - combinação de expansão monetária e contração fiscal - faça sentido, seu alcance, no quadro atual, tende a ser muito restrito.
Desde que o Plano Real recuperou a capacidade de o BC promover políticas monetárias ativas, o que foi reforçado pelo sistema de metas de inflação, a economia brasileira jamais deixou de figurar entre as campeãs dos juros altos. Toneladas de papel, litros de tinta e milhares de horas de seminários e workshops foram gastos na tentativa de encontrar as causas do "mistério dos juros altos".
Muitas explicações circulam na praça. Além do descontrole e da má qualidade dos gastos públicos, há quem atribua o "mistério" ao caráter dos brasileiros, viventes avessos à poupança e ao longo prazo, por uma deformação produzida por décadas de hiperinflação e/ou por um generoso sistema de proteção social. Outros localizam o centro do problema na rigidez e amplitude do crédito direcionado e, mais recentemente, na ampliação e concentração de linhas subsidiadas operadas por bancos públicos.
O governo, no entanto, prefere outro diagnóstico. Cresce, na Fazenda, a convicção de que uma parcela crítica da histórica resistência dos juros na economia brasileira deriva do peso das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) na composição da dívida pública. Um programa de redução do peso das LFTs está em gestação em Brasília.
As LFTs, criadas em 1987, na saída do Plano Cruzado 2, pelos futuros pais do Plano Real, são atreladas à taxa Selic e conectam o mercado monetário com o mercado da dívida pública - essa conexão é um caso único no mundo. O título, que nasceu em ambiente de hiperinflação, resiste bravamente à estabilização monetária, já tendo chegado a representar dois terços do total da dívida mobiliária, na passagem do segundo governo FHC para o primeiro mandato de Lula. Ainda hoje responde por um alentado terço da composição da dívida pública.
Agora, o governo sonha em restringir a participação das LFTs na dívida pública a uns 5% do total até 2014 - meta tida como excessivamente ambiciosa, pelas resistências dos detentores dos papéis e os consequentes custos para o Tesouro de uma troca maciça de títulos com rendimento diário e sem risco por papéis pré-fixados, sobretudo em ambiente de inflação relativamente elevada. Não é difícil entender, apesar da complexidade do tema, qual é, na visão do governo, o problema provocado por mais essa das nossas jabuticabas econômicas. Num resumo da história, argumenta-se que a mesma taxa com a qual o BC procura calibrar a inflação, de acordo com a meta, é a que o Tesouro é obrigado a usar para rolar uma parcela significativa da dívida pública.
Se o diagnóstico do governo estiver correto, o protagonismo das LFTs na composição da dívida pública expõe uma armadilha que produz distorções de grande monta na economia e reduz a eficácia da política econômica. Para começo de conversa, a função de rolar a dívida impõe resistência a cortes mais acentuados da taxa básica de juros. Além disso, por estimular a preferência dos aplicadores pelo curto prazo, inviabiliza a formação de linhas de financiamento privado de longo prazo. Não há quem discorde de que é preciso reduzir o peso das LFTs na dívida pública. Como fazê-lo, porém, é motivo de infindáveis polêmicas. Se o governo acha que, para reduzir os juros, é necessário tirar as LFTs de cena, seus críticos alegam que só reduzindo os juros será possível se livrar delas.
Se bem que a redução de 0,5 ponto porcentual na taxa básica tenha sido apoiada por representantes de setores da chamada economia real - o que surpreende menos ainda -, não é bom que a credibilidade do BC seja posta em xeque por um amplo segmento de formadores de expectativas de preços, como é o caso do setor financeiro.
O pior de tudo é que tanta celeuma acaba confinada a uma estreita faixa de manobra. Por mais que a economia mundial desabe e o novo mix da política macroeconômica brasileira - combinação de expansão monetária e contração fiscal - faça sentido, seu alcance, no quadro atual, tende a ser muito restrito.
Desde que o Plano Real recuperou a capacidade de o BC promover políticas monetárias ativas, o que foi reforçado pelo sistema de metas de inflação, a economia brasileira jamais deixou de figurar entre as campeãs dos juros altos. Toneladas de papel, litros de tinta e milhares de horas de seminários e workshops foram gastos na tentativa de encontrar as causas do "mistério dos juros altos".
Muitas explicações circulam na praça. Além do descontrole e da má qualidade dos gastos públicos, há quem atribua o "mistério" ao caráter dos brasileiros, viventes avessos à poupança e ao longo prazo, por uma deformação produzida por décadas de hiperinflação e/ou por um generoso sistema de proteção social. Outros localizam o centro do problema na rigidez e amplitude do crédito direcionado e, mais recentemente, na ampliação e concentração de linhas subsidiadas operadas por bancos públicos.
O governo, no entanto, prefere outro diagnóstico. Cresce, na Fazenda, a convicção de que uma parcela crítica da histórica resistência dos juros na economia brasileira deriva do peso das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) na composição da dívida pública. Um programa de redução do peso das LFTs está em gestação em Brasília.
As LFTs, criadas em 1987, na saída do Plano Cruzado 2, pelos futuros pais do Plano Real, são atreladas à taxa Selic e conectam o mercado monetário com o mercado da dívida pública - essa conexão é um caso único no mundo. O título, que nasceu em ambiente de hiperinflação, resiste bravamente à estabilização monetária, já tendo chegado a representar dois terços do total da dívida mobiliária, na passagem do segundo governo FHC para o primeiro mandato de Lula. Ainda hoje responde por um alentado terço da composição da dívida pública.
Agora, o governo sonha em restringir a participação das LFTs na dívida pública a uns 5% do total até 2014 - meta tida como excessivamente ambiciosa, pelas resistências dos detentores dos papéis e os consequentes custos para o Tesouro de uma troca maciça de títulos com rendimento diário e sem risco por papéis pré-fixados, sobretudo em ambiente de inflação relativamente elevada. Não é difícil entender, apesar da complexidade do tema, qual é, na visão do governo, o problema provocado por mais essa das nossas jabuticabas econômicas. Num resumo da história, argumenta-se que a mesma taxa com a qual o BC procura calibrar a inflação, de acordo com a meta, é a que o Tesouro é obrigado a usar para rolar uma parcela significativa da dívida pública.
Se o diagnóstico do governo estiver correto, o protagonismo das LFTs na composição da dívida pública expõe uma armadilha que produz distorções de grande monta na economia e reduz a eficácia da política econômica. Para começo de conversa, a função de rolar a dívida impõe resistência a cortes mais acentuados da taxa básica de juros. Além disso, por estimular a preferência dos aplicadores pelo curto prazo, inviabiliza a formação de linhas de financiamento privado de longo prazo. Não há quem discorde de que é preciso reduzir o peso das LFTs na dívida pública. Como fazê-lo, porém, é motivo de infindáveis polêmicas. Se o governo acha que, para reduzir os juros, é necessário tirar as LFTs de cena, seus críticos alegam que só reduzindo os juros será possível se livrar delas.
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