Desde o início de 2015, a economia brasileira vem acusando o golpe da crise. Enquanto o Executivo enfrentou no período um ambiente turbulento para aprovar um pacote de cortes de gastos para conter as despesas públicas, no Legislativo o clima parece outro.
Uma determinação do regimento da Câmara dos Deputados de 2009 permite aos deputados contratar à vontade o serviço de consultorias para auxiliar o exercício do mandato. E os deputados não seguraram a mão: foram quase R$ 30 milhões gastos nesse tipo de serviço entre 2015 e 2016.
Um dos consultores se destaca. Em ano e meio depois da abertura do CNPJ, um jurista pouco popular e sem sócios faturou nada menos que R$ 1,79 milhão distribuindo seus serviços aos parlamentares.
Só em 2016, o advogado já acumula R$ 828 mil em rendimentos. Os dados que atestam os serviços estão disponíveis na área de Transparência da Câmara.
Com tal performance, o advogado Douglas Cunha da Silva e a DCS Consultoria, sua empresa, alcançaram o sexto lugar entre os maiores fornecedores dos deputados federais, atrás apenas das quatro principais companhias aéreas que operam no Brasil e da Vivo.
O segredo para arrumar clientes? Bater na porta dos gabinetes de deputados federais e oferecer consultoria para redação de projetos de lei. Simples assim.
De desconhecido, tornou-se líder absoluto na categoria de gastos "Consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos" com três vezes mais ganhos que seu concorrente direto, o escritório Carvalho Advogados Associados, que tem três mandatários.
Para redigir ou realizar ajustes em PLs, ele cobra valores de 12 mil a 30 mil reais cada. As notas disponíveis no site da Câmara mostram as minutas realizadas pelo consultor (algumas, porém, tem o descritivo em branco).
Em seu favor, apesar de não ser referência no estudo do Direito, embasa sua ação na especialização em Direito Público e Penal pelo Instituto Processus (DF) e pela experiência que tem como secretário parlamentar “desde 1988”.
Esse é o mesmo cargo que dois de seus irmãos ocupam na Casa. Robson Cunha da Silva é servidor comissionado e faz parte da equipe da deputada Professora Dorinha (DEM-TO). Seu salário é de R$ 2,4 mil.
Já Nara Regina Cunha da Silva Machado está alocada no gabinete do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), também como comissionada e com rendimentos de R$ 3,4 mil.
No pódio dos melhores clientes da DCS Consultoria, o PRB é o líder, com quatro deputados e 38% dos ganhos este ano — cerca de R$ 318 mil. Seguem PP e DEM.
Ao todo, são 12 parlamentares de sete diferentes partidos que o contrataram nesta legislatura: sete da bancada evangélica e todos do baixo clero da Casa. São eles Alberto Filho (PMDB-MA), André Fufuca (PP-MA), Jhonatan de Jesus (PRB-RR), João Castelo (PSDB-MA), Maia Filho (PP-PI), Marcelo Aguiar (DEM-SP), Márcio Marinho (PRB-BA), Roberto Sales (PRB-RJ), Rosangela Gomes (PRB-RJ), Sérgio Brito (PSD-BA), Uldurico Júnior (PV-BA) e Vinícius Carvalho (PRB-SP).
Procurados, os deputados localizados justificaram a contratação pela necessidade de dar fluidez às notas técnicas e PLs e disseram estar satisfeitos com o serviço.(Veja abaixo os números)
TUDO CERTO, NADA RESOLVIDO
Apesar das cifras, o trabalho de Douglas não sugere irregularidades. A atividade está disposta no artigo 2º, inciso XI, do Ato da Mesa nº43/2009, que permite o uso da cota parlamentar para contratação de consultorias e trabalhos técnicos, cuja finalidade é o apoio ao exercício do mandato. Entram trabalhos jurídicos, auxílio em marketing e comunicação, por exemplo.
Sua inscrição na OAB está em dia, assim como sua prestação de contas na Receita Federal, como pessoa física e jurídica.
Mas três juristas da área de Direito Administrativo e de Estado, outro de Governança Pública, consultados por EXAME.com para avaliar o conteúdo dos trabalhos, classificaram em caráter de anonimato a prestação de serviço como “dispensável” e “banal”.
“Os valores não são suspeitos. Não é estranho que se contrate um consultor jurídico para projetos mais complexos ou proposições especiais por esse preço, mas o caso é de repasses mensais para serviços simples”, diz um dos especialistas. “É muito estranho ele ser um dos serviços mais requisitados da Câmara por um serviço absolutamente banal, sendo que o trabalho poderia ser realizado por um assistente jurídico com salário bem mais baixo dentro do gabinete.”
Outro jurista lembra que pareceres de grandes nomes do Direito, como Ives Gandra Martins, podem custar R$ 60 mil a R$ 70 mil a quem lhes encomenda. São, no entanto, trabalhos aprofundados em matéria que o especialista é nacionalmente reconhecido.
Méritos fora da Câmara parecem não ser o forte da DCS. Nenhum dos analistas disse ter ouvido falar de Douglas e entre os próprios políticos, é fato curioso que, apesar de ser referência na Câmara, não prestou nenhum serviço ao Senado no mesmo período.
“O que chama a atenção, em algumas situações, é o objeto e conteúdo dessas consultorias, como o descritivo ‘Estudo sobre a viabilidade de elaborar estudo…’”, diz outro dos juristas. “Eventualmente, é de se questionar a necessidade e a oportunidade desses estudos, o que leva a uma sensação de desconfiança.”
Ainda de acordo com especialistas, é muito provável que consultorias como a DCS sejam livremente contratadas pela falta de exigência de licitação. Isso significa que o serviço pode ser contratado por indicação, sem comprovação de efetividade e bastando que o preço esteja de acordo com a prática de mercado, não sendo necessário que seja o mais baixo ou eficaz.
O QUE DIZ O CONSULTOR
Em nota à reportagem, Douglas Cunha da Silva diz que a DCS Consultoria é uma empresa especializada em assessoria, consultoria parlamentar, estudo e elaboração de proposições voltadas para o legislativo, desenvolvendo soluções e apoio aos parlamentares e aos seus gabinetes.
“As notas fiscais foram emitidas por serviços prestados aos parlamentares com os quais tenho contrato de prestação de serviços, afiançados pela minha experiência adquirida na Câmara dos Deputados quando trabalhei em cargos de secretário parlamentar”, diz.
O consultor afirma ainda que não tem qualquer ligação com a igreja evangélica e nega que seu sucesso tenha influência dos irmãos empregados na Câmara. Sobre não ter prestado serviços ao Senado, justifica que "não ter tempo ou interesse".
Perguntado sobre a opinião dos juristas consultados por EXAME.com, Douglas afirma que a suposta superficialidade do serviço "depende do ponto de vista".
"Para mim, não é. Temos ideias boas. É trabalho", diz.