Demorou mais de dois anos para sair do papel, mas menos de uma semana após ter seu registro aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a Rede Sustentabilidade já embola o cenário político brasileiro. Em poucos dias, o partido idealizado pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva anunciou suas primeiras adesões de peso. Heloísa Helena, vereadora em Maceió e terceira colocada na disputa pela Presidência da República em 2006, deu o passo que ensaiava desde 2011 e deixou o PSOL, sigla que ajudou a fundar quando foi expulsa do PT, para aliar-se à ex-colega de Senado. O partido de esquerda ainda perdeu seu único senador, Randolfe Rodrigues, do Amapá, que também aderiu à Rede argumentando buscar “uma maior capacidade de articulação”.
Fragilizado pela crise política e econômica que acossa o Governo Dilma Rousseff, o Partido dos Trabalhadores é outro que sofreu baixas importantes recentemente: após a ruidosa saída da senadora Marta Suplicy (São Paulo) para o PMDB, foi a vez do deputado federal Alessandro Molon marinar. Deputado mais votado do PT no Rio de Janeiro em 2014, Molon deixou o partido após 18 anos de militância. No Rio e em São Paulo, o efeito Rede e a debandada de quadros históricos petistas causam reflexos diretos sobre as articulações pelas eleições municipais, que embora pareçam distante da realidade dos eleitores, andam com rapidez nos bastidores.
Na capital paulista, Marta promete impor dificuldades aos planos de reeleição do prefeito Fernando Haddad (PT), enquanto no Rio uma eventual candidatura de Molon à prefeitura ameaça o projeto do PSOL, que tem como candidato óbvio Marcelo Freixo, deputado estadual com eleitorado semelhante ao do ex-petista. Adicione à salada eleitoral a recriação do Partido Liberal, uma articulação do ministro Gilberto Kassab (Cidades) para formar uma bancada com o partido que ele criou em 2011 (o PSD) para rivalizar com o PMDB no Congresso e, assim, ganhar mais espaço no Governo Dilma. A expectativa do ex-prefeito paulistano era criar o PL em tempo hábil para as eleições de 2016, mas é pouco provável que ele consiga: nesta semana, a Procuradoria Geral da República já se manifestou contra o projeto, alegando a ausência de assinaturas suficientes. Já na última quarta-feira, dia 30, o Tribunal Superior Eleitoral pediu mais tempo para analisar o pedido.
O PMDB, por sua vez, já deu claros sinais de que investirá pesado nas disputas locais visando fortalecer seus planos de ter um candidato próprio para a Presidência em 2018. O partido do vice-presidente Michel Temer já costuma obter resultados bons nos pleitos municipais –em 2012, conquistou o maior número de prefeituras (1.024 das 5.568 em disputa)– e ,agora, tenta ampliar seus quadros para reforçar sua influência nas capitais, embora esbarre em disputas internas. Nesse cenário, os caciques do PSDB ainda parecem observar inertes: apesar do protagonismo em Brasília, o principal partido de oposição do Brasil há anos sofre com a falta de renovação.
“A eleição de 2016 será o primeiro teste de fogo para a Rede, que ainda é muito dependente do personalismo da Marina Silva. A legenda tenta agora formar um quadro com os políticos insatisfeitos tanto com o PT quanto com o PSOL, que não soube capitalizar o desgaste do PT”, explica Pedro Floriano Ribeiro, cientista político e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). De fato, o PSOL não perdeu apenas sua única cadeira no Senado: Clécio Luís, prefeito da única capital conquistada em 2012, Macapá, também anunciou sua desfiliação nesta semana, mas ainda não anunciou qual será sua próxima casa – embora especula-se que possa ser também a Rede. Assim como o senador Randolfe, o prefeito elogiou a trajetória do partido socialista, mas criticou sua falta de articulação política.
Com qualidades e defeitos, o fato é que a candidata derrotada às eleições do ano passado, quando concorreu pelo PSB, volta aos holofotes depois de meses de silêncio, como um alento para o quadro político brasileiro, que seguia um clima de polarização desde a reeleição de Dilma. Entretanto, é fato que apesar das rápidas adesões à Rede –que atraiu outros deputados federais como Eliziane Gama (ex-PPS, do Maranhão), Miro Teixeira (ex-PROS, do Rio), João Derly (ex-PCdoB do Rio Grande do Sul) e Aliel Machado (também ex-PCdoB, do Paraná)–, o futuro do partido de Marina Silva ainda é uma incógnita, tanto do ponto de vista do sucesso eleitoral quanto da identidade ideológica.
"Todos os que participam de um partido político têm direito de se colocar como possíveis candidatos, mas, neste momento, eles estão vindo para ajudar a construir o partido", disse Marina, durante palestra em Brasília na quarta-feira. A ex-ministra afirmou ainda que o partido busca nomes de "qualidade", e não se preocupa no momento com a quantidade de políticos que pode atrair.
Marina volta aos holofotes após meses de silêncio, mas o futuro da Rede ainda é uma incógnita, tanto do ponto de vista do sucesso eleitoral quanto da identidade ideológica
De um lado, a sigla nasce com pouca verba de fundo partidário e pouco tempo de TV. Por outro, ainda não possui uma linha pragmática clara, a não ser a ambientalista, uma das maiores bandeiras de sua fundadora. Maior aposta de terceira via hoje, a Rede Sustentabilidade costuma não se definir nem como de esquerda nem como de direita, assumindo posturas progressivas para determinados temas e conservadoras em outros (tampouco se define como um partido de centro). Assim, atrai eleitores ao pregar uma "nova forma de fazer política", como costuma falar Silva, mas gera desconfiança de tantos outros, inseguros com a falta de rumo claro do grupo. Mesmo antes de oficializada, a Rede Sustentabilidade sofreu uma debandada de ativistas após as eleições de 2014, quando a ex-ministra decidiu apoiar o senador Aécio Neves, então candidato pelo PSDB, no segundo turno da corrida pelo Palácio do Planalto.
"Apesar dos críticos classificarem o partido de Marina como sonhático, o Brasil vive um momento semelhante ao vivido pela Espanha e pela Grécia, de um forte cansaço dos eleitores em relação à política tradicional. E a Rede vem sendo exposta como uma opção de terceira via há alguns anos, atraindo agora políticos que não encontravam opções em outros partidos", avalia a socióloga Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas de opinião pública.
O cansaço do PT e a inércia do PSDB
Enquanto Rede e PMDB articulam suas alianças de olho nas disputas regionais do próximo ano, o partido do ex-presidente Lula tenta conter uma maior debandada de seus quadros históricos. Além de Marta Suplicy e Alessandro Molon, o prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, também deixou o Partido dos Trabalhadores em meados de setembro. A baixa foi sentida pela cúpula petista, que corre o sério risco de ver seu poder enxugar nos municípios até mesmo de redutos eleitorais, como o Nordeste.
"Não é nenhuma surpresa que o PT chega muito enfraquecido em 2016, depois de um ano péssimo para o Governo Dilma e isso vai se refletir no próximo ano", pondera a socióloga.
Por outro lado, o principal partido de oposição ao Governo federal, o PSDB, não parece ainda obter vantagem no processo de sangramento – expressão cunhada pelo senador tucano Aloysio Nunes – do seu maior adversário. Sem nomes novos nas principais cidades do país, como o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já apontou em várias ocasiões, os tucanos parecem inertes ao processo de mobilização dos adversários, e podem perder seu protagonismo para partidos menores em ascensão, como a Rede e o PSB, por exemplo.
"O mais provável é que a capitalização da insatisfação do eleitorado com a política no Brasil se dilua entre os partidos. O PSDB hoje perdeu até mesmo o posto de maior partido de oposição para o PMDB, partido do vice-presidente. É muito cacique e pouco diálogo", diz o cientista político da Ufscar. O quadro, contudo, ainda deve mudar bastante nos próximos dias. Quem quiser disputar um cargo eletivo em 2016 tem até a sexta-feira, dia 2 (exatamente a um ano das eleições), para se registrar a um partido.