No dia 20 de agosto de 2008, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou uma mudança drástica no sistema de contratação para o serviço público nacional. Ao julgar procedente, por unanimidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 12, o Plenário da Suprema Corte pôs fim à prática do nepotismo no Poder Judiciário do país, decisão aplaudida por toda a sociedade brasileira. O efeito da determinação também alcançou os poderes Legislativo e Executivo, com a edição, no dia seguinte, da Súmula Vinculante nº 13.
A ADC 12 pediu o reconhecimento da legitimidade da Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que impede o emprego, nos tribunais, de cônjuges, companheiros e parentes de magistrados, se estes não forem aprovados em concurso público. Isso significa que a proibição também é extensiva aos pais, avós, filhos, tios, irmãos, sobrinhos, sogros, e cunhados para cargos de livre nomeação e exoneração, além de restringir a contratação cruzada, isto é, quando um servidor contrata parentes de outro.
A partir da decisão do STF – que tem efeito vinculante, por ser resultado do julgamento de uma ADC – e da edição da Súmula nº 13, desde agosto de 2008, os familiares não concursados dos servidores públicos estão impedidos de exercer funções de direção e assessoramento e cargos de chefia.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello considerou adequada a decisão da Suprema Corte, porque, segundo ele, “quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer em seu próprio benefício, ou em benefício de seus parentes ou cônjuges, ou companheiros, a autoridade que lhe é conferida pelas leis desta República”.
O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação no STF, acredita que processos como a ADC 12, do ponto de vista social, instauram uma nova cultura ou quebram paradigmas. “Por meio dessas ações instauradoras de processos objetivos, como ADPFs, ADCs e ADIs, o Supremo Tribunal Federal interfere no curso da vida e, então, influencia o dia-a-dia de uma coletividade inteira”, afirma Ayres Britto, referindo-se também aos reflexos da decisão da Corte na ADC 12 no serviço público do país.
A iniciativa: A ADC 12 foi ajuizada no STF pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidade legitimada para tal. O presidente da associação, Mozart Valadares Pires, revela que o processo foi ajuizado porque a edição da Resolução nº 7, pelo CNJ, proibindo a prática do nepotismo no Judiciário, “causou certa inquietação nos juízes”. “Isso gerou insubordinações por parte de presidentes de tribunais, que diziam que o Conselho estava extrapolando suas atribuições e legislando”, conta.
Em sua avaliação, sem a ADC, a norma do Conselho Nacional de Justiça, que busca garantir os princípios constitucionais da impessoalidade, eficiência e moralidade – previstos no art. 37 da Constituição Federal – seria “letra morta”. “A AMB tinha convicção da constitucionalidade da resolução e da moralidade da medida. Felizmente, obtivemos uma resposta muito mais positiva e ampla do que imaginávamos, pois ao acolher a ADC 12, o Supremo editou a Súmula Vinculante nº 13, estendendo a medida a todo o serviço público, em todos os Três Poderes da República”, relata.
Para Mozart Valadares Pires, a decisão do Supremo mudou uma cultura paternalista que há muitos anos vigorava no Estado brasileiro, privilegiando aqueles que tinham influência pelo vínculo de parentesco. “O resultado dessa decisão será uma qualificação melhor do serviço público, que agora valoriza não mais o parentesco, mas a capacidade de seus servidores. É um marco para o país, porque agora todo cidadão tem direito ao acesso ao serviço público pelo mérito”, comemora.
A vitória da moralidade no sistema de contratação de funcionários nos Três Poderes também foi bem recebida por diversos segmentos da sociedade organizada que, inclusive, ingressaram como amicus curiae (amigos da Corte, partes interessadas no tema discutido) no STF, manifestando apoio irrestrito à ADC 12, a exemplo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Segundo o presidente do Conselho da OAB, Cezar Britto, a decisão do STF na ADC 12 pode ser considerada histórica. “Ela fez cessar a lógica patrimonialista com que os setores tradicionais da política compreendiam o Estado brasileiro. Nessa lógica absurda, o Estado não passava de coisa privada, a ser livremente usufruída pelos que confundem a coisa pública com o patrimônio privado. A Súmula Vinculante nº 13 é uma vitória da Constituição Brasileira e dos seus princípios da moralidade, impessoalidade e legalidade”, avalia.
O que é a ADC: A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) é uma das formas de exercício do controle de constitucionalidade concentrado no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Tal controle é exercido por meio de julgamento, pelo STF, que manifesta seu posicionamento a respeito de determinada norma. O entendimento do Supremo em relação a uma ADC – tipificada no artigo 102, parágrafo 2º, c/c o artigo 103, da Constituição Federal – tem efeito vinculante.
O que diz a Súmula Vinculante nº 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendendo o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”