Suponhamos que quinhentos homens (ultimamente também mulheres), são eleitos e chamados a dar solução definitiva sobre tudo. Praticamente, porém, só eles constituem o governo, pois se é verdade que dentro deles é escolhido o gabinete, o mesmo, só na aparência, pode fiscalizar os negócios públicos.
Na realidade, esse chamado governo não pode dar um passo sem que antes lhe seja outorgado o assentimento geral da assembléia. O Governo contudo não pode ser responsável por coisa alguma, desde que o julgamento final não está em suas mãos mas na maioria parlamentar.
Ele só existe para executar a vontade da maioria parlamentar em todos os casos. Propriamente só se poderia ajuizar de sua capacidade política pela arte com que ele consegue se adaptar à vontade da maioria ou atrair para si essa mesma maioria. Cai, assim, da posição de verdadeiro governo para a de mendigo da maioria ocasional. Na verdade, o seu problema mais premente consistirá, em vários casos, em garantir-se o favor da maioria existente ou em provocar a formação de uma nova mais favorável. Caso consiga isso, poderá continuar a “governar” por mais algum tempo; caso não o consiga, terá de resignar o poder. A retidão de suas intenções, por si só, não importa.
A responsabilidade praticamente deixa de existir.
Uma simples consideração mostra a que ponto isso conduz.
A composição intima dos quinhentos representantes do povo, eleitos, segundo a profissão ou mesmo segundo a capacidade de cada um, resulta em um quadro tão disparatado quanto lastimável. Não se irá pensar por acaso que esses eleitos da nação sejam também eleitos da inteligência. Não é de esperar que das cédulas de um eleitorado capaz de tudo, menos de ter espírito, surjam estadistas às centenas. Ademais, nunca é excessiva a negação peremptória à idéia tola de que das eleições possam nascer gênios. Em primeiro lugar, só muito raramente aparece em uma nação um verdadeiro estadista e muito menos centenas de uma só vez; em segundo lugar, é verdadeiramente instintiva a antipatia da massa contra qualquer gênio que se destaque. É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que ser “descoberto” um grande homem por uma eleição. O indivíduo que realmente ultrapassa a medida normal do tipo médio costuma fazer-se anunciar, na história universal, pelos seus próprios atos, pela afirmação de sua personalidade.
Quinhentos homens, porém, de craveira abaixo da medíocre, decidem sobre os negócios mais importantes da nação, estabelecem governos que em cada caso e em cada questão têm de procurar o assentimento da erudita assembléia. Assim é que, na realidade, a política é feita pelos quinhentos.
Mas, mesmo pondo de lado o gênio desses representantes do povo, considere-se a quantidade de problemas diferentes que esperam solução, muitas vezes em casos opostos, e facilmente se compreenderá o quanto é imprestável uma instituição governamental que transfere a uma assembléia o direito de decisão final – assembléia essa que possui em quantidade mínima conhecimentos e experiência dos assuntos a serem tratados. As mais importantes medidas econômicas são assim submetidas a um foro cujos membros só na porcentagem de um décimo demonstraram educação econômica. E isso não é mais que confiar a decisão última a homens aos quais falta em absoluto o devido preparo.
Assim acontece também com qualquer outra questão. A decisão final será dada sempre por uma maioria de ignorantes e incompetentes, pois a organização dessa instituição permanece inalterada, ao passo que os problemas a serem tratados se estendem a todos os ramos da vida pública, exigindo, pois, constante mudança de deputados que sobre eles tenham de julgar e decidir. É de todo impossível que os mesmos homens que tratam de questões de transportes, se ocupem, por exemplo, com uma questão de alta política exterior. Seria preciso que todos fossem gênios universais, como só de séculos em séculos aparecem. Infelizmente trata-se, não de verdadeiras “cabeças”, mas sim de diletantes, tão vulgares quanto convencidos do seu valor, enfim de mediocridade da pior espécie. Daí provém a leviandade tantas vezes incompreensível com que os parlamentares falam e decidem sobre coisas que mesmo dos grandes espíritos exigiriam profunda meditação. Medidas da maior relevância para o futuro de um Estado ou mesmo de uma nação são tomadas como se se tratasse de uma simples partida de jogo de baralho e não do destino de um povo.
Seria certamente injusto pensar que todo deputado de um tal parlamento tivesse sempre tão pouco sentimento de responsabilidade. Não. Absolutamente não.
Obrigando esse sistema o indivíduo a tomar posição em relação a questões que não lhe tocam de perto, ele corrompe aos poucos o seu caráter. Não há um deles que tenha a coragem de declarar: “Meus senhores, eu penso que nada entendemos deste assunto. Pelo menos eu não entendo absolutamente”. Aliás, isso pouco modificaria, pois certamente essa maneira de ser franco seria inteiramente incompreendida e, além disso, não se haveria de estragar o brinquedo por caso de um asno honesto. Quem, porém, conhece os homens, compreende que em uma sociedade tão ilustre ninguém quer ser o mais tolo e, em certos círculos, honestidade é sempre sinônimo de estupidez.
Assim é que o representante ainda sincero é jogado forçosamente no caminho da mentira e da falsidade. Justamente a convicção de que a reação individual pouco ou nada modificaria, mata qualquer impulso sincero que porventura surja em um ou outro. No final de contas, ele se convencerá de que, pessoalmente, longe está de ser o pior entre os demais e que com sua colaboração talvez impeça maiores males.
É verdade que se fará a objeção de que o deputado pessoalmente poderá não conhecer este ou aquele assunto, mas que a sua atitude será guiada pela fração a que pertença; esta, por sua vez, terá as suas comissões especiais que serão suficientemente esclarecidas pelos entendidos. À primeira vista, isso parece estar certo. Surgiria, porém, a pergunta: por que se elegem quinhentos, quando só alguns possuem a sabedoria suficiente para tomarem atitude nas questões mais importantes?
Aí é que está o busilis.
Não é móvel de nossa atual Democracia formar uma assembléia de sábios, mas, ao contrário, reunir uma multidão de nulidades subservientes, que possam ser facilmente conduzidas em determinadas direções definidas, dada a estreiteza mental de cada uma delas. Só assim pode ser feito o jogo da política partidária, no mau sentido que hoje tem. Mas isso, por sua vez, torna possível que os que manobram os cordéis fiquem em segurança por trás dos bastidores, sem possibilidade de serem tornados pessoalmente responsáveis. Atualmente, uma decisão, por mais nociva que seja ao povo, não pode ser atribuída, perante os olhos do público, a um membro único, ao passo que pode sempre ser transferida para os ombros de todo um grupo.
Praticamente, pois, não há responsabilidade, porque a responsabilidade só pode recair sobre uma individualidade única e não sobre as gaiolas de tagarelice que são as assembléias parlamentares.