Offshore Leaks: vazamento de lista de milionários deixa paraísos fiscais em alerta. Grupo de jornalistas obteve informações sobre nomes e fortunas avaliadas em US$ 32 trilhões
Uma investigação conjunta de um coletivo de jornalistas investigativos provocou um severo abalo nos países e regiões conhecidos como “paraísos fiscais”. Foi publicada na manhã desta quinta-feira (04/04) uma lista com informações de milhares de registros internos dando nomes e valores de fortunas de milionários em contas guardadas nesses locais, em especial as Ilhas Virgens Britânicas.
Os documentos, já apelidados de “Offshore Leaks”, expõem a identidade de milhares de pessoas, de mais de 170 países, ligadas a empresas offshore com dinheiro em paraísos fiscais. O grupo ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists), com sede em Washington, foi apoiado por 38 veículos, como o jornais The Guardian, do Reino Unido, Le Monde, da França, e The Washington Post, dos Estados Unidos.
Os milionários citados somam em torno de 32 trilhões de dólares em paraísos fiscais. Se esse dinheiro fosse convertido em impostos, ele seria mais do que suficiente para, por exemplo, solucionar as crises de dívidas internas dos países da zona euro – em especial Grécia, Portugal, Irlanda, Itália, Espanha e Chipre –, hoje submetidos a regimes de austeridade fiscal que tem causado fuga de investimentos, queda nos salários e altos índices de desemprego.
Dois dos nomes mais conhecidos dessa lista são o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, e do francês Jean-Jacques Augier, amigo e tesoureiro da campanha do presidente da França, François Hollande – que, desta maneira, enfrenta o segundo escândalo de corrupção em apenas uma semana.
O ICIJ diz ter mais de 200 gigabytes de dados relativos a operações efetuadas na última década nas Ilhas Virgens Britânicas, mas também em Cingapura, Hong Kong e ilhas Cook, que serão revelados ao longo dos próximos dias.
Para se ter uma ideia do volume de informações, a base de dados contém registros de 120 mil empresas e é 160 vezes maior que os arquivos divulgados em 2010 pelo WikiLeaks sobre o Departamento de Estado norte-americano.
A divulgação dessa lista pode causar uma crise de confiança no setor, que usa a prerrogativa do anonimato para transmitir segurança a quem pretende deslocar grande parte da sua fortuna para fora do país de origem. Com essa divulgação, muitos desses envolvidos poderão ser investigados por evasão de impostos, um dos motivos mais comuns para a transferência de dinheiro para essas contas.
O ICIJ obteve as informações por antigos funcionários de duas empresas de serviços financeiros offshore, a Portcullis Trustnet e a Commonwealth Trust Limited. São cerca de 2,5 milhões de documentos (como courreios eletrônicos, cópias de documentos de identificação, cartas, etc.). Para explorar essa gama de informações raras, o consórcio de jornalistas uniu forças com os outros grupos.
Os envolvidos
Jean-Jacques Augier é dono de uma empresa chinesa com sede nas ilhas Cayman, no Caribe, e possui também 25% de participação em outra empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Em visita ao Marrocos, o presidente francês, François Hollande, disse que não sabia nada a respeito do tema. Augier confirma as informações e alega não ter feito nada de ilegal.
O antigo ministro das Finanças da Mongólia, Sangajav Bayartsogt, também foi incluído. Durante suas funções no cargo (2008-2012), ele abriu a empresa Legend Plus Capital Ltd., com conta na Suíça. Ele declarou ter “cometido um erro” por não declarar essa operação.
Da lista constam ainda a baronesa espanhola Carmen Thyssen-Bornemisza, que, segundo a lista consultada pelo The Guardian, usa o offshore para comprar quadros; Olga Shuvalova, mulher do vice-primeiro-ministro russo, Igor Shuvalov; Tony Merchant, marido da senadora canadense Pana Merchant; Maria Imelda Marcos Manotoc, filha mais velha do antigo ditador filipino Ferdinando Marcos e atual governadora da província de Ilocos do Norte; e Denise Rich, ex-mulher do magnata Marc Rich, que recebeu um perdão presidencial de Bill Clinton em 2001 (seu último ato na Casa Branca) relativo ao não-pagamento de impostos na ordem de 100 milhões de dólares.
Ouvido pelo Guardian, o responsável financeiro pela administração do território britânico no Caribe, Neil Smith, rechaçou a acusação de que a ilha funcione como “um porto seguro para pessoas sem ética”. “Nossa legislação favorece um ambiente mais hostil para a ilegalidade do que a maioria das outras jurisdições”, disse.
Em seu editorial, o Le Monde publicou que o sistema offshore é “um inimigo patente da democracia”. O jornal promete publicar, na edição deste sábado (06/04) como BNP Paribas e o Crédite Agricole, dois grande bancos franceses, ajudam seus clientes a criar empresas offshore.
O jornal Ta Néa, da Grécia, publicou uma lista com cerca de cem offshores gregas, sendo que apenas quatro foram registradas pelas autoridades. O governo grego prometeu investigar essas contas.