No dia 7 de abril de 2010, um voo da TAM vindo da Tailândia, com escala em Londres, pousava após 25 horas de viagem no aeroporto do Galeão. Da aeronave, Bianca sai, apressadamente, em direção ao setor de bagagens. A experiência dos tempos de oficial da Marinha, em que viajava em missões pelo mundo, dizia-lhe que os extravios de malas eram comuns. Só que em vez de fardas, ela trazia, dessa vez, três bonecas Barbies compradas no país asiático, onde fora fazer uma complicada operação de troca de sexo. Naquele momento, começava a mudança mais radical na vida de Bianca.
Como surgiu o seu conflito?
Desde que eu me entendo por gente. Eu pensava de uma forma, mas me via, no espelho, de outra. Eu via isso como errado (ser mulher).
Por que você casou, teve filho, entrou para as Forças Armadas?
Durante toda a minha vida, tentei fugir do que realmente era. Primeiro, tentei ser o que o meu irmão mais velho era. Meu pai era militar, e a gente vivia em vilas militares, mas entrar para a Marinha não foi somente uma influência dele. Era também uma forma de fugir desse conflito. Casei, e minha última tentativa de fugir foi ter um filho.
Quando a sua família descobriu?
Ainda jovem, meus pais descobriram, no meu quarto, algumas coisinhas minhas. Chamaram uma psicóloga. Eu aceitei e disse que iria me curar. Mas a psicóloga procurou meus pais e falou: “Talvez o que vocês querem eu não consiga; talvez seu filho seja um transexual”. Eu ouvi tudo da cozinha. Fui a uma biblioteca para entender o que isso significava. Foi quando vi a Roberta Close. Aí eu pensei: “Poxa, se eu for isso mesmo, quero ser como a Roberta Close”.
Por que você passou a comprar Barbies depois que fez a operação?
Eu tenho 15 Barbies. Não coleciono, não. Comprei três na Tailândia porque eu sempre tive vontade de ter Barbie, de brincar de boneca.
Você está feliz com a mudança?
Inteiramente. Eu sempre fui mulher, mas estava fugindo disso. Nunca fui homem, só fui por fora. Eu tentei fazer o papel que a sociedade esperava de mim: ser um homem. Mas eu nasci no corpo errado. Eu antes tinha amigos, família, trabalho... Eu perdi tudo isso, mas ganhei minha identidade.
E a sua relação com a Marinha?
Fiquei muito frustrada com o tratamento que recebi. Eu fui descartada pela Marinha, que poderia ter me oferecido um tratamento mais digno, como acompanhamento psicológico.
E o seu filho?
No começo, ele ficava me perguntando: “Por que você usa peruca?”. Eu o encontrava com um tipo unissex, nem uma coisa em outra. Até que chegou um momento que eu disse: “Papai é diferente, papai não estava feliz como menininho”. As coisas sempre foram construídas com verdade.
Você chegou a ser ameaçada?
Não sei por quem, mas depois que eu contei na Marinha, que o fato se tornou público em jornais, recebi ligações telefônicas: “Seu veado, vai morrer”, diziam. Percebi pessoas estranhas rondando minha casa. No shopping, havia pessoas me seguindo. Com certeza, o serviço de inteligência da Marinha ficou na minha cola.