Steve Jobs melhorou a vida de todos que leram esta frase. Ele não inventou a interface gráfica dos computadores (no começo era o verbo, na forma de aborrecidas linhas de código), mas fez elas funcionarem direito. Como está lendo este texto em uma tela, você usa uma interface aperfeiçoada por Jobs.
Tampouco ele inventou a tela sensível a múltiplos toques, mas antes de colocá-la nos produtos certos (a família iPad, iPod, iPhone), o multi touch era uma solução em busca de um problema. O criador da Apple deu o melhor propósito às melhores tecnologias, sempre com muita elegância e estilo.
Elegância é o comprador se sentir mais esperto só de olhar um produto. Perceber a genialidade dos detalhes, a integridade do desenho, a generosidade na escolha dos materiais. É um bombardeio de sinapses visuais e táteis que faz o consumidor sorrir internamente, como sorri após ler uma frase inteligente ou ouvir uma ironia refinada. É a sedução do ego, a ilusão de que ao possuir esse objeto ele incorpora suas qualidades.
Estilo é reconhecer que um produto é da Apple antes mesmo de ver sua logomarca. Não só porque ele é bonito, mas porque parece 'natural', intuitivo, óbvio até. Mesmo que ninguém tivesse feito assim antes. E quando a última geração do mesmo produto é lançada, jogando fora boa parte da interface anterior, o consumidor adere ao novo formato sem pensar duas vezes, porque ele é ainda mais 'natural' e intuitivo.
Intuição é palavra-chave para compreender os feitos de Jobs. Ele queimou os manuais do usuário. Da embalagem ao ato de tirar o brinquedo da caixa, do ligar ao usar, tudo nos produtos da Apple deve ser feito sem que o comprador precise pensar no que está fazendo. Ele intui, flui e frui. O ápice desse conceito é observar uma criança de dois anos brincando com um iPad sem auxílio de adultos.
A esta altura você já deve estar cansado de ler que o iPod revolucionou o jeito de ouvir e comprar música, que o iPhone fez do celular um aparelho inteligente e que o iPad está mudando o jeito de as pessoas lerem revistas, jornais, livros, navegarem na internet e matando o notebook. A questão é 'como Jobs fez tudo isso?'
Imagine que você tivesse o poder de saber o que as pessoas querem antes de elas saberem que querem. O chavão do marketing é 'encontre uma necessidade e preencha-a'. Jobs tinha o dom de criar necessidades. Ou você sempre precisou levar seu celular consigo o tempo todo, até o banheiro e para a cama?
Após o pródigo retorno do fundador, a Apple abandonou os focus groups para descobrir o que o consumidor quer. Jobs personificou o departamento de pesquisa de mercado da Apple. Ele era o consumidor dos seus produtos. Sabia o que queria, como queria e mandava fazer. Se era bom para Jobs, era bom para nós. Centenas de protótipos recusados e milhões de produtos vendidos não deixam dúvida quanto a isso.
Mas há enorme distância entre saber o que quer e fazer isso acontecer. Jobs criou uma companhia capaz de realizar seus sonhos -uma não, duas, porque através da Pixar ele reinventou os desenhos de animação. E fez isso sem ser engenheiro, programador, desenhista, roteirista ou administrador, sem ter um diploma universitário, muito menos um MBA. Aprendeu, por tentativa e erro, a atrair talentos e liderar pessoas.
Tantas genialidades combinadas reuniram uma legião de consumidores devotos, que frequenta as Apple Store com quem vai a templos de culto e faz fila para comprar o mais novo lançamento da marca como fãs acampam na frente de bilheterias para garantir um ingresso ao show do seu artista preferido.
A Apple é pop mas pode não sobreviver ao seu criador. Toda companhia sofre com a perda de um gênio, ainda mais um gênio do tamanho de Steve Jobs. Tudo que der errado com seus produtos daqui para frente será por causa da falta que ele faz, e tudo o que der certo será parte de sua herança. Pobre Tim Cook.
O legado de Jobs transcende as empresas que fundou, os produtos que criou, o modelo de negócio que consolidou. A excelência no design, a interface funcional, a eficiência energética, a inovação constante e a obstinação em fazer melhor do que a concorrência beiram o máximo que o capitalismo tem a oferecer. É a sociedade de consumo elevada ao estado de arte, com todas as contradições e desigualdades que encerra.