Álvaro Alencar Trindade
Eu estava no aeroporto, já meio atrasado para o embarque. A fila do check-in era enorme e me fez perder mais de 45 minutos. Eram precisamente os minutos que eu tinha reservado para um bom café paulista, um ótimo pão de queijo mineiro e a indispensável visita à livraria, para comprar uma revista de palavras cruzadas (afinal, depois de uma certa idade a gente precisa movimentar os neurônios, para eles não morrerem...) ou um livro, para ler na viagem.
Já estava atrasado, mas, mesmo assim, ainda entrei rapidamente na livraria, só para não perder o costume. E vi, numa prateleira, um livrinho que me chamou a atenção. O título era "Carta aos jovens de todos os tempos". O autor, cuja foto figurava na capa, era Dom Bosco, o popular santo italiano famoso por suas obras educacionais.
Fiquei atraído pelo livro e pela curiosidade de saber o conteúdo. Cheguei a pegar o livro, com intenção de comprá-lo. Mas vi que as duas filas dos caixas estavam grandes, e percebi que não daria tempo. Recoloquei o livro na prateleira e saí rapidamente.
Ainda deu tempo de pegar o avião. Só faltava eu. Ao entrar, notei muitas caras me olhando com antipatia. Compreendi que o avião estava só à minha espera. Sentei-me, contente por não ter perdido o voo, mas triste por não ter comprado o livrinho com um título tão instigante. Mas nunca mais consegui encontrá-lo.
Mais de uma vez, em livrarias, pergunto por ele, sem nunca ter encontrado.
Mais de uma vez, também, eu pensei profundamente sobre esse livro que não li.
É meio surrealista pensar, e ademais pensar profundamente, sobre algo que não se conhece... Mas é o que aconteceu comigo.
Eu me pergunto: qual seria a mensagem que um educador e renovador dos ensinos na Itália do século XIX teria a dar “aos jovens de todos os tempos"?
E pergunto também: o que é que a juventude de todas as eras e períodos históricos tem em comum?
Será que existe um denominador comum que atravesse as décadas, os séculos e os milênios, de modo que se possa mandar uma mensagem que seja entendida por todos os jovens, de todos os tempos?
E aí me pus a pensar. Lembrei-me que também fui jovem (não faz tanto tempo assim, juro...). Lembrei que tinha filhos e sobrinhos jovens. Lembrei que estou continuamente em contato com os jovens, na minha vida, no exercício da minha profissão, no relacionamento social.
O que caracteriza a juventude é, de um lado, o dinamismo, e, de outro, a esperança.
Os jovens têm uma força interior extraordinária, uma capacidade de agir, de fazer, de transformar. E têm, também, esperanças, muitas esperanças.
Eles esperam em si, esperam na sua geração, esperam nos outros, esperam no seu país natal, esperam no mundo, esperam no futuro.
Um jovem que não tivesse esperanças, que não acreditasse na sua capacidade de, juntamente com os da sua geração, transformar o mundo, e transformá-lo para melhor, para muito melhor, esse não seria jovem. Seria um velho decrépito, frustrado e acabado antes do tempo.
E um velho que conserva dentro de si essa esperança (mesmo quando perceba que suas forças e seu dinamismo já não são o mesmo de outrora), esse velho não é velho. Ele tem algo de juventude no seu espírito. Ele crê num mundo possível e melhor. Ele crê nos jovens, crê no futuro.
Fala-se muito, hoje em dia, na morte das utopias. Será que elas morreram mesmo?
Depende do que se entende por utopia. A palavra tem pelo menos dois sentidos.
Etimologicamente, utopia significa algo que não existe em lugar algum, embora possa, em tese, existir. Esse é um primeiro sentido de utopia. Mas a palavra tem, também, outro sentido, na nossa linguagem corrente: significa uma coisa impossível, não realizável.
Um mundo melhor, como todos desejamos, é algo que (ainda) não existe. É algo utópico, pois, no primeiro sentido da palavra.
Mas um mundo melhor é possível, é algo que com boa vontade poderemos construir. É algo que está ao alcance de nós, se estivermos dispostos a trabalhar, a lutar e a sofrer por esse ideal, em todos os dias da nossa vida, com todas as forças da nossa alma. Nesse sentido, é algo dificílimo, mas não é utópico, no sentido corrente do termo.
É algo que requer entusiasmo, dedicação, dinamismo e, sobretudo, muita esperança.
É algo, portanto, que cabe sobretudo aos jovens, e também aos velhos de alma jovem.
Permita Deus que, quando eu ficar velho, bem velho, ainda acredite na juventude. São os jovens ─ e os velhos com alma jovem, como eu espero ser um dia ─ que transformam o mundo.
As velhas utopias, que embalaram tantos sonhos impossíveis, essas morreram, sim! Mas a boa utopia, aquela que crê na possibilidade de um mundo melhor, essa está viva, bem viva, e se Deus quiser nunca morrerá.