RIO - A jornalista Eneida de Moraes escreveu no clássico “História do carnaval carioca” que os três piores inimigos da festa são a chuva, a polícia e o saudosismo. A última precipitação no desfile foi em 2008, PMs batendo em foliões não é mais cena comum, e a seguinte constatação talvez anime nostálgicos: nos últimos cinco anos, três vencedoras tiveram enredos autorais — Beija-Flor (2007), Salgueiro (2009) e Unidos da Tijuca (2010) —; duas, temas patrocinados — Vila (2006) e Beija-Flor (2008).
( Vídeo: Paulo Barros, de revelação a carnavalesco consagrado )
As agremiações sem patrocínio também ganharam o Estandarte de Ouro de melhor escola. E se a azul e amarelo do Borel — uma das favoritas — for bicampeã, a tendência a favor da livre criação ganha força. “Esta noite levarei tua alma”, sobre o medo no cinema, é uma ideia do carnavalesco Paulo Barros.
‘Não vou vender a escola’, diz o presidente A Tijuca é moderna no estilo, mas pensa à moda antiga na hora de escolher seus temas. Nunca fez enredo patrocinado e não pensa nisso:
— Não vou vender a escola — diz Fernando Horta, presidente da Tijuca, a maior ganhadora de Estandartes de Ouro de melhor enredo na década passada (2002, 2003, 2004, 2005 e 2007).
Horta não age assim por romantismo. Ele acha que a relação custo-benefício não seria vantajosa. Prefere captar recursos de outras formas, além de tentar administrar com eficiência o orçamento. O material é comprado após pesquisa de preços, e o os ateliês são terceirizados, para reduzir custos. Cada chefe de equipe contrata artesãos e se reporta individualmente à diretoria.
A Tijuca fatura com visitas guiadas ao barracão; aluguel do espaço para eventos; e shows da comissão de frente de 2010, que tem agenda cheia até junho. Este ano, arrumou um novo jeito de ganhar dinheiro: está confeccionando as fantasias e alegorias da escola brasiliense Acadêmicos da Asa Norte.
— A ornamentação das alegorias vai ser levada para ser colocada sobre a estrutura dos carros — diz Horta, que estima o carnaval deste ano em R$ 7 milhões.
Referência de modernidade na Sapucaí, o carnavalesco Paulo Barros nunca fez enredo patrocinado. Não diz que dessa água não beberá, mas a possibilidade o deixa inseguro:
— Eu até poderia fazer um desfile patrocinado se caísse no meu colo. Mas entraria nisso com desconfiança. Não escolho meus enredos pela história, e sim pelas imagens que eles podem me dar.
Mas por que querem distância dos enredos patrocinados justamente a Tijuca, que se orgulha da gestão empresarial; e Paulo Barros, hoje o carnavalesco de vanguarda? Marketing não é moderno? A professora da UFRJ e pesquisadora Maria Laura Cavalcanti — autora do livro “Carnaval carioca, dos bastidores ao desfile” — vê sentido no comportamento da escola, que foi campeã em 1936, caiu no ostracismo e renasceu no fim do século passado, voltando a disputar títulos a partir de 2004:
— Isso parece estar ligado ao fato de a Unidos da Tijuca viver uma fase de afirmação de um estilo próprio. Faz parte da graça da competição a escola marcar o estilo, mas agremiações e carnavalescos com perfil definido há mais tempo já tiveram a experiência de enredos patrocinados e não se descaracterizaram — diz.
Pesquisadora: patrocínio não prejudica o desfile A pesquisadora não acredita que o patrocínio prejudique o desfile. Grande obras de arte, diz, foram feitas sob encomenda. Para Maria Laura, o que faz um enredo bom é a maneira como é ilustrado, na letra do samba e nas fantasias e alegorias, e não o tema em si:
— Ano passado a Beija-Flor homenageou Brasília, e o público não deixou de reconhecê-la. Sua opulência característica estava ali. As escolas conseguem fazer milagres com enredos que, a princípio, não têm a menor poesia.
Bem que Eneida nunca acreditou nessa história de que o carnaval estava acabando.