Introdução
O Título V da Constituição Federal do Brasil, que trata “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, no Capítulo III, dispõe especificamente sobre a segurança pública”, afirmando, no caput do art. 144, que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e será “exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Neste mesmo dispositivo, o texto constitucional indica quais os órgãos responsáveis pela segurança pública, enumerando, então, a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal (no âmbito da União) e as polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares (no âmbito de cada estado da Federação).
Com funções investigatórias estão a polícia federal, a polícia civil, a polícia militar e as Forças Armadas. Sem qualquer função de investigação criminal está a polícia rodoviária federal, “órgão permanente, organizado e mantido pela União”, destinada “ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.” Também sem atribuição investigatória destaca-se a polícia ferroviária federal, igualmente um “órgão permanente, organizado e mantido pela União”, responsável pelo “patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.”
Ainda segundo a Constituição, à polícia militar estadual cabe, ostensivamente, “a preservação da ordem pública” e aos corpos de bombeiros militares, precipuamente, “a execução de atividades de defesa civil”, ressaltando que ambas são “forças auxiliares e reserva do Exército”, apesar de estarem subordinadas diretamente aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal.
Por fim, ainda que não sejam órgãos de polícia, a Constituição permite que os “municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações.”
Segundo a Constituição Federal brasileira, dentre os órgãos policiais referidos na introdução deste trabalho, e como já adiantamos, têm funções investigatórias criminais a polícia federal, a polícia civil, a polícia militar e as Forças Armadas.
A Polícia Federal
A princípio, a polícia federal, como órgão organizado e mantido pela União, destina-se ao exercício das “funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” e, “com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”
Do ponto de vista investigatório criminal, cabe a ela “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas.”
Da mesma forma, os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (os tráficos internacionais de pessoas, aves, órgãos humanos, etc.).
Também as causas relativas a direitos humanos nas “hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal."
À polícia federal também cabe apurar os crimes cometidos a bordo de navios (embarcações de médio a grande cabotagem) ou aeronaves (em pouso ou sobrevoando o espaço aéreo), os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (art. 338 do Código Penal) e a disputa sobre direitos indígenas.
Neste último caso, é preciso atentar para o entendimento jurisprudencial pacificado, inclusive no Superior Tribunal de Justiça que “compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”, salvo se a motivação do crime envolver disputa sobre direitos indígenas (conflito de terras, por exemplo), quando, então, a atribuição para a respectiva investigação caberá à polícia federal, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Também é atribuição da polícia federal apurar quaisquer “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme”, nos termos da Lei nº. 10.446/2002.
Com efeito, esta lei, regulamentando o inciso I, do § 1º., do art. 144 da Constituição, faculta ao Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade das polícias militares e civis dos Estados, proceder à investigação do “sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação e falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal).” Ademais, caso a infração penal tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, “o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.
Em relação aos crimes tipificados no Código Eleitoral (Lei nº. 4.737/1965), também cabe à polícia federal a investigação; neste caso, porém, é comum que a polícia civil, especialmente em períodos de eleição, também exerça tais funções, tendo em vista o número elevado de zonas eleitorais e o número reduzido de agentes e delegados de polícia federal.
A Polícia Civil
Ainda segundo a Carta, às polícias civis estaduais, incumbem a apuração de infrações penais, ressalvadas as atribuições da polícia federal e das polícias militares dos Estados. É, portanto, uma atribuição residual.
A Polícia militar e as Forças Armadas
A função investigatória da polícia militar limita-se aos crimes militares (praticados exclusivamente pelos policiais militares dos Estados) cujo julgamento seja da competência da Justiça Militar Estadual, nos termos do art. 125, §§ 3º., 4º. e 5º.
Conforme o art. 142 da Constituição, as forças armadas, “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Nada obstante, também podem investigar os crimes militares praticados por militares das forças armadas e também por civis, cuja competência para o julgamento seja da Justiça Militar Federal (art. 124, da Constituição).
Neste sentido, o Capítulo Único do Título II do Código de Processo Penal Militar trata da Polícia Judiciária Militar, que será exercida: “a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro; b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição; c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados; d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando; e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios; f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados; g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios.”
Observa-se, entretanto, que após a Constituição de 1988, não temos mais Ministros Militares e sim Comandantes das Forças Armadas e o Ministro da Defesa, ambos diretamente subordinados ao Presidente da República.
Tais atribuições poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado. Tratando-se “de delegação para instauração de inquérito policial militar, deverá aquela recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva, remunerada ou não, ou reformado.” (art. 7º.). Segundo o art. 8º., compete à polícia judiciária militar apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria. Tal apuração deve ser feita pelo inquérito policial militar que é, nos termos do art. 9º. uma “apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.
A Unificação da Polícia
As atribuições de nossa Polícia estão definidas no texto constitucional, pelo qual à Polícia Civil incumbe a função de polícia judiciária e investigação criminal e à Polícia Militar cabe, de forma ostensiva, a preservação da ordem pública; esta é, basicamente, a forma como são distribuídas as funções policiais em nosso País, no que diz respeito aos Estados.
Porém, desde a promulgação da Constituição várias propostas têm sido articuladas no sentido da mudança dessa estrutura, visando, basicamente, a acabar com esta divisão hoje existente nas polícias estaduais.
Na própria Polícia Militar há quadros favoráveis à unificação.
Sem querer esgotar o assunto, ressalvamos que o regulamento militar, aprendido e obedecido pelo policial, termina sendo aplicado também na relação com os civis, na atividade de policiamento das ruas, acabando por considerar o civil um seu subordinado, quando a relação deve ser exatamente o oposto.
As funções militares devem ser exercidas pelas Forças Armadas e as funções policiais por integrantes de corporações civis, pouco importando esteja parte da Polícia uniformizada ou não, mesmo porque, como diz Bismael Moraes, “policial uniformizado não significa policial militarizado”[1]. Evidentemente que para a tarefa de policiamento ostensivo é necessário que o policial seja visto e imediatamente identificado por todos, através de um uniforme, mas sem a necessidade de uma formação militar que não se coaduna com um Estado Democrático de Direito.
Para Bismael Moraes, por exemplo, “sendo a sociedade brasileira composta de cidadãos civis, e não sendo os Estados da federação classificados como quartéis ou zonas militares, só outros interesses – que não são coletivos ou públicos – poderiam impor essa estrutura absurda, cara e prejudicial à segurança pública: militar, para atuar como polícia e tratar com civis! Isso é progresso, ou são resquícios de alguns sistemas pouco recomendáveis?”[2]
Aliás, esta divisão ocorreu, há muitos anos, em França, onde havia dois grandes ramos: a Polícia Preventiva (em regra, ostensiva e uniformizada, prevenindo os fatos) e a Polícia Judiciária (que agia, de regra, após o fato acontecido). Esta divisão, no entanto, hoje está superada na grande parte do mundo, especialmente nas democracias.
No Brasil, com o golpe militar de 64, surgiu a idéia de se criar uma força militar auxiliar às Forças Armadas com a finalidade de se combater os opositores do regime militar. Assim, em São Paulo, fundiram-se a Guarda Civil e a Força Pública, dando origem à Polícia Militar, fato que ocorreu nos outros Estados da Federação.
Naquela época, as Polícias Militares estavam subordinadas diretamente ao Exército e obedientes aos preceitos da ideologia da segurança nacional, tão ao gosto do regime ditatorial. Tanto isso é verdade que boa parte dos comandos das Polícias Militares passou a ser exercido por oficiais superiores do Exército; a Polícia Militar passou a atuar como força auxiliar no combate às organizações políticas de esquerda, como passeatas, greves, comícios, protestos, etc. Ocorre que finda esta tarefa, passou a PM, então, a combater o crime convencional, sem haver, no entanto, uma mudança profunda na sua estrutura e nas práticas de atuação.
De qualquer forma, não se pode admitir duas polícias no mesmo Estado da Federação, regidas ambas por regras próprias e inteiramente diferenciadas, havendo uma duplicidade de orçamento, de patrimônio, meios de transporte, de pessoal burocrático, cada uma sob um comando e subordinadas, na prática, a autoridades diversas.
A unificação da Polícia não significa, em absoluto, a perda da hierarquia e da disciplina existentes na PM, até porque todo o funcionalismo público está sujeito a tais regras; ser um servidor civil nunca foi sinônimo de indisciplina ou de falta de hierarquia, pois todos estão submetidos a regras estatutárias que devem ser cumpridas sob pena de punição disciplinar e até de exoneração do serviço público.
Como disse anteriormente, na própria Polícia Militar, principalmente entre alguns oficiais, há opinião nesse sentido, como por exemplo os Coronéis da PM/BA, Edson Martim Barbosa e Expedito Manoel Barbosa de Souza que afirmaram:
“Algumas atitudes operacionais das Polícias Civil e Militar prejudicam a realização de um trabalho sinérgico, como por exemplo: o corporativismo; o personalismo; a inexistência de áreas comuns; hierarquia e disciplina diferenciadas, dentre outras.
(...) “A continuidade, por força legal, da duplicidade de polícia – Civil e Militar – no Brasil, promove situações esdrúxulas ao deixar de lado o que necessita a comunidade da polícia, passando a ter contornos de disputa por espaço entre tais organizações, no que denominamos competição na atividade operacional, particularmente na Bahia.”[3]
Um outro aspecto que não podemos esquecer é que a militarização da Polícia é prejudicial para seus próprios integrantes, pois como se sabe o militar não possui alguns direitos garantidos aos cidadãos, pois está sujeito a uma estrutura que permite, por exemplo, a prisão disciplinar executada verbalmente, tendo seus direitos restringidos pela própria CF/88: arts. 5º., LXI e 142, § 2º.
A própria Polícia Civil também necessita melhorar estruturalmente: a capacitação do policial civil deve ser incrementada, o seu salário deve ser digno, a sua formação deve ser científica e especializada.
Em relatório divulgado no dia 15 de setembro de 2008 o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aponta que as autoridades brasileiras deveriam adotar uma política de tolerância zero contra execuções policiais e trabalhar para acabar com a separação entre as polícias civis e militares. O texto foi escrito por Philip Alston, relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais. Ele esteve no Brasil em novembro do ano de 2007 para examinar denúncias de execuções extrajudiciais nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e em Brasília. Apontando que as "execuções extrajudiciais estão desenfreadas em algumas partes do Brasil", Alston recomenda reformas nas polícias civis, militares, nas corregedorias, no Ministério Público e na adminstração carcerária dos Estados brasileiros. "O escopo das reformas necessárias é assustador, mas a reforma é possível e necessária", escreve Alston no relatório. Fonte: BBC Brasil.com, acessado dia 16/09/2008.
Por tudo que foi dito, concluímos que cuidar da segurança pública em nosso País é uma tarefa árdua e espinhosa; a violência, hoje, é parte integrante de nosso cotidiano, fazendo com que todos nós, de certa forma, diariamente com ela convivamos.
Devemos crer que a solução mais indicada para tais problemas passa inevitavelmente pela necessidade de vislumbrarmos com inteligência e isenção que os conflitos sociais geradores da criminalidade não podem ser reduzidos a uma mera questão policial, devendo, ao contrário, ser encarados como problemas essencialmente políticos e, sob este aspecto, devem ser procuradas as soluções. A mudança na estrutura policial também se faz necessária, nos moldes do que acima foi dito.
A criação de conselhos estaduais de Segurança Pública, se bem concebidos e compostos também por integrantes da sociedade civil, seriam, com certeza, mais um elemento de modernização da polícia, traçando diretrizes sólidas de operacionalização, além de corrigir eventuais erros de percurso naturais de todo processo de mudança.
Pensamos, por fim, que a Polícia não deve ser vista como propriedade de ninguém, de nenhum governante, de nenhum Estado, deve ser observada como mais uma instituição, dentro da democracia, a serviço exclusivamente dos interesses da população, como já disse Hélio Bicudo “A nova Polícia será democrática, voltada para os reais interesses da população no tocante à segurança. Então, esse povo tão sofrido poderá trabalhar e ter lazer, ir à escola, reunir-se e participar politicamente do processo de seu aperfeiçoamento. Essa é a Polícia que todos queremos.”[4]
Esta nossa posição, sem sombra de dúvidas, sofre forte contestação; de toda maneira, valhemo-nos da lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, segundo a qual “autores sofrem o peso da falta de respeito pela diferença (o novo é a maior ameaça às verdades consolidadas e produz resistência, não raro invencível), mas têm o direito de produzir um Direito Processual Penal rompendo com o saber tradicional, em muitos setores vesgo e defasado (...).”[5]
Estatuto Geral das Guardas Municipais
Foi promulgada e publicada no Diário Oficial da União do dia de 11 de agosto do ano de 2014 (em edição extra), entrando em vigor no mesmo dia da publicação, a Lei nº. 13.022/14 que passou a instituir normas gerais para as guardas municipais, disciplinando o § 8o. do art. 144 da Constituição Federal.
Logo de início, estabeleceu a lei que "incumbe às guardas municipais, instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal."
Como "princípios mínimos" das ações das Guardas Municipais (sic - há princípios mínimos e máximos? Desconheço-os) estão os seguintes: "proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas; preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas; patrulhamento preventivo; compromisso com a evolução social da comunidade" e "uso progressivo da força" (o que seria mesmo o significado de tal expressão? Captura, conduz, espanca, lesiona levemente, depois gravemente, após de forma gravíssima ou até causar a morte, e, finalmente o uso da força com animus necandi). Este legislador brasileiro é louco!
A nova lei estabelece ser atribuição "geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município." Ok. Tais bens, segundo a lei, "abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais" (ver Código Civil, arts. 98 a 103). E o que dizer dos títulos da dívida pública que são dominiais?
Como atribuições específicas e respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais, estabelece-se: "zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município; prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais; atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais; colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social; colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas; exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal; proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas; cooperar com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades; interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades; estabelecer parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de Municípios vizinhos, por meio da celebração de convênios ou consórcios, com vistas ao desenvolvimento de ações preventivas integradas; articular-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações interdisciplinares de segurança no Município; integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal; garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas; encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário; contribuir no estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de grande porte; desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal; auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignitários e atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz na comunidade local.
Obviamente, que quando do exercício das atribuições acima especificadas (gerais e particulares), a Guarda Municipal "poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos.
Nas hipóteses de garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando se deparar com elas ou de encaminhamento ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal,deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento.
Como se cria a Guarda Municipal? Obviamente que a competência legislativa é do Município, nos termos do art. 30 da Constituição Federal, estando ela "subordinada ao chefe do Poder Executivo municipal".
Quanto ao seu efetivo, obedecer-se-á ao seguinte percentual, superior a 0,4% (quatro décimos por cento) da população, em Municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes; 0,3% (três décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no primeiro caso; 0,2% (dois décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no segundo caso. Caso haja "redução da população referida em censo ou estimativa oficial da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é garantida a preservação do efetivo existente, o qual deverá ser ajustado à variação populacional, nos termos de lei municipal."
A lei permite que os "Municípios limítrofes podem, mediante consórcio público, utilizar, reciprocamente, os serviços da guarda municipal de maneira compartilhada." A nova lei também passa a exigir alguns requisitos "básicos" para investidura na Guarda Municipal, que será formada por servidores públicos integrantes de carreira única e plano de cargos e salários, conforme disposto na respectiva lei municipal.
Tais são os requisitos mínimos, pois outros requisitos poderão ser estabelecidos pela lei municipal: "nacionalidade brasileira; gozo dos direitos políticos; quitação com as obrigações militares e eleitorais; nível médio completo de escolaridade; idade mínima de 18 (dezoito) anos; aptidão física, mental e psicológica e idoneidade moral comprovada por investigação social e certidões expedidas perante o Poder Judiciário estadual, federal e distrital."
Em relação à capacitação, estabelece a lei, expressamente, que o "exercício das atribuições dos cargos da guarda municipal requer capacitação específica, com matriz curricular compatível com suas atividades", podendo para tais fins "ser adaptada a matriz curricular nacional para formação em segurança pública, elaborada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça." Para esta capacitação dos membros da Guarda Municipal, poderá o Município criar "órgão de formação, treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes da guarda municipal", observando-se aqueles "princípios mínimos" acima mencionados, bem como, para tanto, "firmar convênios ou consorciar-se."
Permite-se, inclusive, que o Estado possa, "mediante convênio com os Municípios interessados, manter órgão de formação e aperfeiçoamento centralizado, em cujo conselho gestor seja assegurada a participação dos Municípios conveniados", não podendo tal órgão estadual "ser o mesmo destinado a formação, treinamento ou aperfeiçoamento de forças militares."
Em relação aos controles interno e externo das atividades da Guarda Municipal, dispõe a lei que o funcionamento das guardas municipais será acompanhado por órgãos próprios, permanentes, autônomos e com atribuições de fiscalização, investigação e auditoria, mediante: 1) controle interno, exercido por corregedoria, naquelas com efetivo superior a 50 (cinquenta) servidores da guarda e em todas as que utilizam arma de fogo, para apurar as infrações disciplinares atribuídas aos integrantes de seu quadro" (neste caso, a guarda municipal terá código de conduta próprio, conforme dispuser lei municipal e podem ficar sujeitas a regulamentos disciplinares de natureza militar) e 2) controle externo, exercido por ouvidoria, independente em relação à direção da respectiva guarda, qualquer que seja o número de servidores da guarda municipal, para receber, examinar e encaminhar reclamações, sugestões, elogios e denúncias acerca da conduta de seus dirigentes e integrantes e das atividades do órgão, propor soluções, oferecer recomendações e informar os resultados aos interessados, garantindo-lhes orientação, informação e resposta.
Ainda para este fim, o Município "poderá criar órgão colegiado para exercer o controle social das atividades de segurança do Município, analisar a alocação e aplicação dos recursos públicos e monitorar os objetivos e metas da política municipal de segurança e, posteriormente, a adequação e eventual necessidade de adaptação das medidas adotadas face aos resultados obtidos." Os corregedores e ouvidores terão mandato cuja perda será decidida pela maioria absoluta da Câmara Municipal, fundada em razão relevante e específica prevista em lei municipal.
Aqui sinceramente não entendemos o porquê da retirada do Ministério Público do controle externo da atividade da Guarda Municipal, visto que, como é sabido, assim o é em relação à atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal). Controle nenhum haverá portanto!
Em relação às prerrogativas, dispõe a lei que os "cargos em comissão das guardas municipais deverão ser providos por membros efetivos do quadro de carreira do órgão ou entidade." Igualmente, nos "primeiros 4 (quatro) anos de funcionamento, a guarda municipal poderá ser dirigida por profissional estranho a seus quadros, preferencialmente com experiência ou formação na área de segurança ou defesa social, atendido o disposto no caput", observando-se que para a "ocupação dos cargos em todos os níveis da carreira da guarda municipal, deverá ser observado o percentual mínimo para o sexo feminino, definido em lei municipal", devendo ser "garantida a progressão funcional da carreira em todos os níveis."
E o porte de arma de fogo? Permite-se, "conforme previsto em lei" (ou seja, nas hipóteses do art. 6º., III e IV da Lei nº. 10.826/2003), podendo ser suspenso "em razão de restrição médica, decisão judicial ou justificativa da adoção da medida pelo respectivo dirigente."
Ademais, a Agência Nacional de Telecomunicações destinará linha telefônica de número 153 e faixa exclusiva de frequência de rádio aos Municípios que possuam guarda municipal, sendo assegurado ao guarda municipal o recolhimento à cela, isoladamente dos demais presos, quando sujeito à prisão antes de condenação definitiva.
Veda-se expressamente que "a estrutura hierárquica da guarda municipal utilize denominação idêntica à das forças militares, quanto aos postos e graduações, títulos, uniformes, distintivos e condecorações", sendo, porém, "reconhecida a representatividade das guardas municipais no Conselho Nacional de Segurança Pública, no Conselho Nacional das Guardas Municipais e, no interesse dos Municípios, no Conselho Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Segurança Pública."
Por fim, a lei estabelece que "as guardas municipais utilizarão uniforme e equipamentos padronizados, preferencialmente, na cor azul-marinho" (o que, convenhamos, é compatível com a sua atribuição de patrulhamento preventivo acima referido), sendo ela aplicável "a todas as guardas municipais existentes na data de sua publicação, a cujas disposições devem adaptar-se no prazo de 2 (dois) anos", bem como assegurando-se "a utilização de outras denominações consagradas pelo uso, como guarda civil, guarda civil municipal, guarda metropolitana e guarda civil metropolitana."
Notas
[1] A Polícia à luz do Direito, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 131.
[2] Idem.
[3] Polícia Estadual e o “Complexo do Zorro”: a competição na atividade operacional.
[4] O Brasil cruel e sem maquiagem, São Paulo: Editora Moderna, 1994, p. 42.
[5] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.