Associações formadas por integrantes das Forças Armadas divulgaram um manifesto que presta "homenagem" ao aniversário de 49 anos do golpe militar de 31 de março de 1964, quando o presidente João Goulart foi deposto.
Uma carta assinada pelos presidentes do Clube Militar, do Clube Naval e do Clube da Aeronáutica critica os trabalhos da Comissão da Verdade, e chama seus integrantes de "totalitários" e de "democratas arrivistas".
"Não venham, agora, os democratas arrivistas, arautos da mentira, pretender dar lições de democracia. Disfarçados de democratas, continuam a ser os totalitários de sempre. Ao arrepio do que consta da Lei que criou a chamada 'Comissão da Verdade', os titulares designados para compô-la, por meio de uma resolução administrativa interna, alteraram a Lei em questão limitando sua atividade à investigação apenas de atos praticados pelos Agentes do Estado, varrendo 'para debaixo do tapete' os crimes hediondos praticados pelos militantes da sua própria ideologia", escreveram o general Renato Cesar Tibau da Costa, o vice-almitante Ricardo Antônio da Veiga Cabral e o tenente brigadeiro-do-ar Ivan Moacyr da Frota, todos da reserva.
O manifesto, publicado na página do Clube Militar do Rio, afirma que agentes da esquerda praticaram crimes contra militares e civis que estavam "no cumprimento do dever ou em situação de total inocência". Os autores do texto criticam a Comissão da Verdade por se debruçar apenas a violação de direitos humanos por agentes de Estado. O documento, no entanto, não faz referência a episódios de tortura ou outros crimes praticados por militares no período da ditadura (1964-1985).
"As minorias envolvidas na liderança da baderna que pretendiam instalar no Brasil tentaram se reorganizar e, com capital estrangeiro, treinamento no exterior e apoio de grupos nacionais que almejavam empalmar o poder para ?ns escusos, iniciaram ações de terrorismo, com atentados à vida de inocentes que, por acaso ou por simples dever de ofício, estivessem no caminho dos atos delituosos que levaram a cabo", anotaram os militares.
Segundo os presidentes das instituições, a ação das Forças Armadas na "intervenção" de 1964 tinha o objetivo de proteger a nação e restabelecer a ordem, "colocada em risco por propostas contrárias à índole ou ao modo de vida do Brasileiro".
"O povo brasileiro, no início da década de 1960, em movimento crescente, apelou e levou as Forças Armadas Brasileiras à intervenção, em março de 1964, num governo que, minado por teorias marxistas-leninistas, instalava e incentivava a desordem administrativa, a quebra da hierarquia e disciplina no meio militar e a cizânia entre os Poderes da República", afirma o manifesto.
O texto afirma ainda que os governos militares beneficiaram o Brasil "em todos os setores: econômico, comunicações, transportes, social, político, além de outros".
'Direção única'. Para que a versão dos militares pudesse ser examinada, em fevereiro, o brigadeiro Ivan Frota, presidente do Clube da Aeronáutica, procurou o então presidente da Comissão da Verdade, Cláudio Fonteles, para, em nome da Academia Brasileira de Defesa (ABD), encaminhar ao órgão documentos, livros e revistas como "subsídios para a apreciação isenta dos fatos", para que o grupo possa ter outras fontes de informações, e assim, "consiguir preservar a verdade" em relação ao que ocorreu durante a revolução de 1964.
Na conversa, que durou mais de uma hora, Frota aproveitou para falar "sobre a inconveniência dessa iniciativa de reviver dissensões do passado e da tentativa de apreciar novamente fatos já transitados em julgado, no Supremo Tribunal Federal.
Frota disse ao Estado que fez questão de levar os documentos a Fonteles para "ajudá-lo a ver o outro lado da história, já que ela (a comissão) tem trabalhado em uma direção única". Além do livro Orvil (que representa a palavra livro ao contrário) - Tentativas de Tomada do Poder - e de documentos produzidos pelo grupo Verdade Sufocada, foi entregue a Fonteles uma separata de número antigo das Seleções do Reader's Digest sob o título "a Nação que salvou-se a si mesma", que "relata o sentimento da população brasileira à época, sobre a revolução, e dando graças a Deus que não caminhamos para o comunismo".
Frota contou ainda que apresentou a Fonteles o descontentamento de militares e civis com o fato de que "está sendo promovido um novo julgamento patrocinado pelo governo em que um dos lados não têm direito à defesa". Para o brigadeiro, "isso é um desrespeito à Suprema Corte", ainda mais que estavam sendo considerados agora fatos sem provas e a parcialidade do grupo.
Ao justificar a necessidade de a comissão ouvir o outro lado, a carta entregue a Fonteles por Frota informa que, na época, "o Estado Brasileiro, no uso de impostergável e intransferível dever, foi obrigado a enfrentar e debelar a cruenta ameaça representada pela ação armada de facções internas, que, sob inspiração externa, tentavam substituir a ordem democrática, entre nós, por um sistema totalitário, estranho à História Pátria e aos desejos mais profundos do nosso povo, além de negador da dignidade intrínseca do ser humano, criado à imagem e à semelhança de Deus".
Na carta, o brigadeiro Ivan Frota lembra que houve "anistia ampla, geral e irrestrita a ambos os lados opostos pela guerra revolucionária vivida no Brasil". E, em seguida, acrescenta: "Por isso, dentro da situação criada pela pressão para revolver o passado, queremos contribuir para que o ódio não volte a ter primazia em razão da supremacia de visão unilateral, necessariamente partidária e/ou ideológica, sobre os eventos vividos em nossa dolorosa experiência no contexto da Guerra Fria".